A carta abaixo foi escrita pelo Prof. Dr. Elisaldo Carlini, um dos mais importantes cientistas e pesquisadores brasileiros. Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo
(1957) e mestrado em Psicofarmacologia - Yale University (1962).
Atualmente é da Universidade Federal de São Paulo, membro do Expert
Advisory Panel on Drug Dependence and Alcohol Problems (7º Mandato) -
World Health Organization (WHO), ex-membro do International Narcotic
Control Board (INCB), eleito pelo Conselho Econômico Social das Nações
Unidas, parecerista do Phytotherapy Research e Journal of
Ethnopharmacology, coordenador da Câmara de Assessoramento Técnico
Científico da Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD). Tem experiência na
área de Farmacologia, com ênfase em Neuropsicofarmacologia, atuando
principalmente nos seguintes temas: drogas, levantamentos
epidemiológicos, plantas medicinais, psicofarmacovigilância. Orientador
de Mestrado e Doutorado do Departamento de Psicobiologia. Atualmente
alocado no Departamento de Medicina Preventiva da UNIFESP.
Na carta ele comenta sobre a reportagem da revista Veja sobre a maconha, publicada há algumas semanas.
Não se trata de ser a favor ou contra a liberação da maconha, seja para fins médicos ou recreacionais, e sim de ser a favor de informações corretas e atualizadas, e de ser contra a divulgação de preconceitos sem base científica alguma.
24 novembro, 2012
17 julho, 2012
Plantas que Curam?
Num episódio da série policial Law & Order: SVU, os detetives precisam lidar comuma testemunha chave viciada em heroína, que precisa chegar “limpa” ao dia do julgamento. Resolvem apelar para uma substância chamada ibogaína,fabricada a partir da raiz de um arbusto africano. O efeito parece mágico: uma única aplicação da substância liberta o personagem do vício em heroína e o manda direto para um final Feliz. A substância mostrada na série é real e seus efeitos, embora controversos, são tão impressionantes que parecem ficção. Relatos de pessoas que utilizaram a ibogaína afirmam que basta uma aplicação da substância para eliminar a “fissura”, a vontade incontrolável de usar droga. Utilizada há milênios por curandeiros da África Central para tratar doenças do corpo e do espírito, a ibogaína vem sendo pesquisada desde 1962 em tratamentos experimentais para a dependência química, especialmente em heroína. No Brasil, é usada em terapias alternativas para recuperar viciados em crack.
A psicóloga Cleuza Canan,que trabalha há 31 anos com tratamento de dependência química, em Curitiba (PR), conta que começou a utilizar a ibogaína há dez anos, com um usuário de crack, que, para sua surpresa, pareceu se recuperar totalmente após uma sessão com a substância. “Eu o observei durante três anos, e ele só evoluiu. Então, resolvi dar alta a ele. Foi a primeira vez que dei alta a um dependente químico”,conta. Desde então, aplicou o tratamento em 180 pacientes, que,segundo ela, tiveram um índice de recuperação de 85%.Para evitar recaídas no uso do crack, a psicóloga aprendeu a combinar a sessão de ibogaína com outras duas etapas, que incluem uma preparação e um pós-tratamento. O acompanhamento é necessário porque, se o paciente não mudar seus hábitos e continuar frequentando os mesmos ambientes, ele corre o risco de, mesmo sem a fssura, voltar para as drogas — e recomeçar o ciclo da dependência. Esta metodologia, segundo ela, foi apresentada numa conferência sobre tratamentos à base de ibogaína, realizada no ano passado, em Barcelona, onde foi considerada uma das mais eficazes.
Segundo o gastroenterologista Bruno Daniel Rasmussen Chaves, um dos principais especialistas brasileiros no tema, a ibogaína age tanto na química do cérebro como na psicologia do dependente. Por um lado, a droga estimula a produção do hormônio GDNF, que promove a regeneração de áreas do cérebro associadas à dependência. Por outro, a ibogaína lança o paciente num transe de 48 horas, uma espécie de “sonhar acordado” em que o paciente revê sua vida e os motivos que o levaram à dependência, como numa sessão de psicoterapia intensiva. O uso da ibogaína é proibido em países como EUA, Di-namarca e Bélgica e liberado em outros, como México e Espanha. No Brasil, não há regulamentação. A literatura médica registra 12 mortes associadas ao uso da substância, todas fora de ambiente hospitalar. A psicóloga Canan afirma não ter observado efeitos colaterais associados ao uso de ibogaína em seu tratamento, mas faltam estudos conclusivos a respeito. A iboga é uma das chamadas “plantas de poder”, vegetais com efeitos psicoativos, usados por povos tradicionais para tratar enfermidades físicas e emocionais. Alguns cientistas consideram estas plantas drogas alucinógenas, mas outros as veem como instrumentos para lidar com problemas como dependência química e depressão. Outra destas plantas é a ayahuasca (também chamada de Daime), bebida feita a partir de duas plantas amazônicas, cujo uso em rituais religiosos é reconhecido pelo Conselho Nacional Antidrogas(Conad). Um destes grupos religiosos, a Associação Beneficente Luz de Salomão (Ablusa), chegou a usar a ayahuasca para tratar de-pendentes químicos das ruas da Cracolândia paulistana, conforme o livro "A reinvenção do uso da ayahuasca nos centros urbanos (Ed. Mercado de Letras / FAPESP,2004)", mas encerrou recentemente suas atividades na região. Em 2005, um estudo coordenado pelo psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, da Unifesp, que comparou 40 adolescentes da religião ayahuasqueira União do Vegetal(UDV) com um grupo da mesma idade que nunca havia tomado o chá, concluiu que o primeiro grupo era menos inclinado a fazer uso de álcool ou drogas ilícitas. Tudo isso, contudo, ainda precisa ser visto com cautela, já que faltam estudos científcos sobre o tema. “O uso tanto de ayahuasca como de ibogaína para tratamentos de dependência é algo que está sendo investigado, mas ainda é muito cedo para se falar em usá-las em políticas de saúde pública”, afirma Dartiu.
Fonte : Revista do Parlamento, nº 1
"Os Caminhos da Cracolândia"
Fausto Salvadori Filho
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Aprovado o 1º Estudo Observacional sobre o uso de Ibogaína no tratamento da dependência química
Este projeto visa elaborar um estudo científico sobre um tratamento realizado com drogadictos recentemente no Brasil, através do uso do poderoso ecodélico Ibogaína (a substância pura, sintetizada num laboratório canadense, e não o extrato, que contém outras moléculas e pode ser considerado “impuro” e potencialmente perigoso) combinado com psicoterapia. Mais de cem pacientes foram tratados por um médico certificado e autorizado, em parceria com uma psicóloga.
A Ibogaína é um alcalóide encontrado em plantas da floresta equatorial da África ocidental. Ela tem sido usada nas tradições medicinais e religiosas da região por séculos e foi purificada pela primeira vez por químicos franceses no início do século passado (Fernandez 1982 and Goutarel et al. 1993). Os efeitos anti-viciantes da Ibogaína foram descobertos serendiptuosamente por um grupo de jovens usuários de drogas que experimentavam com uma variedade de substâncias psicoativas no início dos anos 60. Sete destes usuários eram viciados em heroína, e faziam uso simultâneo de cocaína e anfetaminas. Nenhum destes depedentes químicos tinha intenção de interromper seu uso de drogas e a Ibogaína foi utilizada por eles com a intenção de se ter mais um “barato”. Ainda assim, uma única administração do alcalóide eliminou sinais de abstinência em todos os sete dependentes de heroína e interrompeu o desejo de se continuar fazendo uso da droga em cinco deles por aproximadamente seis meses após a experiência.
Nos anos 80, o interesse nos efeitos anti-viciantes da Ibogaína foi reforçado por Howard S. Lotsof e Norma E. Alexander, precipitando uma série de experimentos clínicos ao longo dos anos 80 e 90 para se avaliar os efeitos experimentados pelos sete adictos dos anos 60 (dos quais Lotsof fazia parte).
Com base na rápida e dramática resposta do uso deste ecodélico na eliminação da crise de abstinência e do comportamento obssessivo do usuário (“fissura”), ao mesmo tempo em que denota a psicopatologia do paciente ao dar início a um processo de catarse (Lotsof et al. 1996); e, aliado ainda ao fato de que a terapia com Ibogaína é mais facilmente aceita pelos usuários de drogas, existe um panorama otimista para uma redução significativa no uso de drogas pesadas se a Ibogaína estiver disponível como uma modalidade de tratamento.
No Brasil, comprimidos farmacêuticos com Ibogaína purificada estão sendo usados no tratamento de dependentes, que são acompanhados por psicoterapeutas antes e após a sessão farmacológica conduzida por médico certificado em hospital autorizado. Os resultados preliminares de cerca de 200 sessões de ibogaína com mais de 100 pacientes são animadores e demasiadamente promissores para a condição de milhares de pessoas no país.
Este projeto está sendo realizado em colaboração com o médico responsável pelo tratamento farmacológico de dependentes (a maioria dos quais de crack) com ibogaína acompanhado de psicoterapia. Será feita cuidadosa análise estatística dos resultados disponíveis até o momento, bem como realização de entrevistas semi-estruturadas com cerca de 30 dos mais de 100 pacientes atendidos, por uma psicóloga especialista na área.
Ainda assim, é importante ressaltar os riscos de uma abordagem unidirecional que se apoie na medicação apenas. Avaliação preliminar dos dados, bem como a experiência dos terapeutas envolvidos aponta numa direção clara: o apoio familiar e o desejo verdadeiro, profundo e voluntário do paciente de se tratar são cruciais para que um resultado positivo e duradouro seja alcançado.
Projeto aprovado no Comitê de Ética da UNIFESP de acordo com o parecer 51434. Os resultados deste trabalho podem abrir as portas para que este tratamento seja extendido a outros pacientes, e para guiar uma política e tratamento de dependência de drogas mais eficientes. No entanto, a academia em geral ainda mantém uma posição de ceticismo quanto à eficácia deste tratamento devido à falta de estudos científicos a este respeito. É por isso que este projeto é tão importante.
Fonte : Plantando Consciência
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05 fevereiro, 2012
Drogas legais e ilegais matam 8 mil pessoas por ano no país
fonte : O Estado de São Paulo
Levantamento em sistema do Datasus mostra que álcool, fumo, psicotrópicos e cocaína tiraram a vida de 40 mil brasileiros entre os anos de 2006 e 2010
O uso de drogas matou 40.692 pessoas no País entre 2006 e 2010, uma média de 8 mil óbitos por ano. Estudo sobre mortes por drogas legais ou ilegais, registradas no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, mostra que o álcool é o campeão na mortandade.
O levantamento feito na base de dados do Datasus, obtido pelo Estado, informa que a bebida tirou a vida de 34.573 pessoas – 84,9% dos casos informados por médicos em formulários que avisam o governo federal sobre a causa da morte nesse grupo da população. Em segundo lugar aparece o fumo, com 4.625 mortos (11,3%). A cocaína matou pelo menos 354 pessoas no período.
Feita pelo Observatório do Crack, da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), a pesquisa aponta que, na comparação por gênero, há mais registros de morte de homens por álcool e fumo. Em cinco anos, 31.118 homens perderam a vida por causa da bebida. Outros 3.250 morreram em casos associados diretamente ao cigarro.
Na comparação da devastação por Estado, os mineiros lideram as mortes por álcool, com 0,82 morte para cada 100 mil habitantes, seguidos pelos cearenses, com 0,77 morte/100 mil pessoas. Depois aparecem os sergipanos, com 0,73/100 mil. São Paulo registra 0,53 morte para cada 100 mil habitantes.
O levantamento da CNM revela que em São Paulo houve 1.120 vítimas do uso abusivo do álcool em 2006. Em 2010, porém, o sistema registra uma queda de 14% nas informações. O SIM alcança 979 pessoas mortas por consumo de bebida. O Estado que menos apresenta perda de vidas por álcool é o Amapá: quatro em 2006, dez em 2009 e cinco em 2010.
Quando a causa do óbito é o fumo, o campeão de mortes de usuários é o Rio Grande do Sul. A taxa de óbitos pelo tabaco chega a 0,36 para cada 100 mil. A seguir aparecem Piauí e Rio Grande do Norte, ambos com 0,33/100 mil.
A duas principais drogas legalizadas no País, álcool e fumo, juntas, segundo o estudo, mataram 39.198 pessoas em cinco anos. – ou 96,2% do total. Os técnicos da CNM alertam, no entanto, que os dados de 2010 ainda são preliminares.
A devastação pode ser maior. O preenchimento das fichas para informação não é simples e o sistema tem casos de mortes classificadas como óbito por substâncias psicoativas (480). São os casos nos quais é informado no formulário um código que junta mais de uma droga associada à morte.
A Declaração de Óbito (DO) é composta por 9 blocos e 62 variáveis que apontam causa e local da morte. O preenchimento é de responsabilidade do médico, conforme estabelecido pelos Conselhos Federal e Estadual de Medicina, diz o estudo.
Para o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, há uma urgente necessidade de combater o problema das drogas nos municípios. “E não se está fazendo isso. O problema estoura é nos municípios”, afirma.
Ziulkoski diz que a média de cerca de 8 mil óbitos, encontrada no SIM, é um número subestimado. “Não há uma cultura de informação dos médicos”, acrescenta. Para ele, “o País precisa ver que a política de prevenção do uso de drogas é precária”. O estudo abrange 2 mil municípios. “A situação é alarmante.”
Para o vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), Mauro Aranha, o problema é bem maior. “Há aí uma clara subnotificação das mortes”, afirma. Segundo ele, o governo precisa melhorar a logística nos municípios para que os médicos possam informar os dados reais. “Isso é fundamental para que se possa trabalhar políticas públicas sobre drogas”, defende Aranha.
Pesquisando nas bases de dados do Datasus, técnicos do CNM elaboraram também uma lista com os 50 municípios com maiores taxas de mortalidade por drogas. No caso da mapa das mortes por álcool, Minas Gerais tem 23 municípios, Paraná, 9, e São Paulo, 5.
Quando a conta do dano causado pelo cigarro é feita na lista de 50 municípios, o Rio Grande do Sul se destaca com 17, seguido de Minas, com 7, e Santa Catarina com 6. São Paulo tem 2 municípios na lista dos 50 com maior incidência de mortes por fumo.
Em nota, o Ministério da Saúde explica que os números de 2010, divulgados pelo estudo, podem sofrer ajustes. De acordo com a nota, entre 2006 e 2009 foram notificados 31.951 óbitos com causa básica de consumo de álcool, fumo e substâncias psicoativas (como cocaína canabinoides e alucinógenos). Os dados do SIM são fornecidos pelas secretarias estaduais e municipais de Saúde e gerenciados pelo ministério.
Os óbitos de 2011 só serão conhecidos no final do ano. “O Ministério da Saúde vem desenvolvendo um conjunto de ações para aperfeiçoar o registro de óbitos no País, assim como a qualidade das informações. Uma das medidas foi a intensificação de registros de óbitos por causas mal definidas (parada cardíaca, por exemplo), que caiu de 15% (2004) para 7,8% (2011)”, diz a nota. Outra medida adotada foi a criação, em 2006, da rede nacional do Sistema de Verificação de Óbitos, utilizado para a identificação das causas de mortes naturais. “Com isso”, argumenta o governo, “houve ampliação da notificação no País, por meio do SIM. O sistema capta atualmente 94% dos óbitos ocorridos no território nacional. Esse porcentual está acima do padrão internacional (90%)”.
Levantamento em sistema do Datasus mostra que álcool, fumo, psicotrópicos e cocaína tiraram a vida de 40 mil brasileiros entre os anos de 2006 e 2010
O uso de drogas matou 40.692 pessoas no País entre 2006 e 2010, uma média de 8 mil óbitos por ano. Estudo sobre mortes por drogas legais ou ilegais, registradas no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, mostra que o álcool é o campeão na mortandade.
O levantamento feito na base de dados do Datasus, obtido pelo Estado, informa que a bebida tirou a vida de 34.573 pessoas – 84,9% dos casos informados por médicos em formulários que avisam o governo federal sobre a causa da morte nesse grupo da população. Em segundo lugar aparece o fumo, com 4.625 mortos (11,3%). A cocaína matou pelo menos 354 pessoas no período.
Feita pelo Observatório do Crack, da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), a pesquisa aponta que, na comparação por gênero, há mais registros de morte de homens por álcool e fumo. Em cinco anos, 31.118 homens perderam a vida por causa da bebida. Outros 3.250 morreram em casos associados diretamente ao cigarro.
Na comparação da devastação por Estado, os mineiros lideram as mortes por álcool, com 0,82 morte para cada 100 mil habitantes, seguidos pelos cearenses, com 0,77 morte/100 mil pessoas. Depois aparecem os sergipanos, com 0,73/100 mil. São Paulo registra 0,53 morte para cada 100 mil habitantes.
O levantamento da CNM revela que em São Paulo houve 1.120 vítimas do uso abusivo do álcool em 2006. Em 2010, porém, o sistema registra uma queda de 14% nas informações. O SIM alcança 979 pessoas mortas por consumo de bebida. O Estado que menos apresenta perda de vidas por álcool é o Amapá: quatro em 2006, dez em 2009 e cinco em 2010.
Quando a causa do óbito é o fumo, o campeão de mortes de usuários é o Rio Grande do Sul. A taxa de óbitos pelo tabaco chega a 0,36 para cada 100 mil. A seguir aparecem Piauí e Rio Grande do Norte, ambos com 0,33/100 mil.
A duas principais drogas legalizadas no País, álcool e fumo, juntas, segundo o estudo, mataram 39.198 pessoas em cinco anos. – ou 96,2% do total. Os técnicos da CNM alertam, no entanto, que os dados de 2010 ainda são preliminares.
A devastação pode ser maior. O preenchimento das fichas para informação não é simples e o sistema tem casos de mortes classificadas como óbito por substâncias psicoativas (480). São os casos nos quais é informado no formulário um código que junta mais de uma droga associada à morte.
A Declaração de Óbito (DO) é composta por 9 blocos e 62 variáveis que apontam causa e local da morte. O preenchimento é de responsabilidade do médico, conforme estabelecido pelos Conselhos Federal e Estadual de Medicina, diz o estudo.
Para o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, há uma urgente necessidade de combater o problema das drogas nos municípios. “E não se está fazendo isso. O problema estoura é nos municípios”, afirma.
Ziulkoski diz que a média de cerca de 8 mil óbitos, encontrada no SIM, é um número subestimado. “Não há uma cultura de informação dos médicos”, acrescenta. Para ele, “o País precisa ver que a política de prevenção do uso de drogas é precária”. O estudo abrange 2 mil municípios. “A situação é alarmante.”
Para o vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), Mauro Aranha, o problema é bem maior. “Há aí uma clara subnotificação das mortes”, afirma. Segundo ele, o governo precisa melhorar a logística nos municípios para que os médicos possam informar os dados reais. “Isso é fundamental para que se possa trabalhar políticas públicas sobre drogas”, defende Aranha.
Pesquisando nas bases de dados do Datasus, técnicos do CNM elaboraram também uma lista com os 50 municípios com maiores taxas de mortalidade por drogas. No caso da mapa das mortes por álcool, Minas Gerais tem 23 municípios, Paraná, 9, e São Paulo, 5.
Quando a conta do dano causado pelo cigarro é feita na lista de 50 municípios, o Rio Grande do Sul se destaca com 17, seguido de Minas, com 7, e Santa Catarina com 6. São Paulo tem 2 municípios na lista dos 50 com maior incidência de mortes por fumo.
Em nota, o Ministério da Saúde explica que os números de 2010, divulgados pelo estudo, podem sofrer ajustes. De acordo com a nota, entre 2006 e 2009 foram notificados 31.951 óbitos com causa básica de consumo de álcool, fumo e substâncias psicoativas (como cocaína canabinoides e alucinógenos). Os dados do SIM são fornecidos pelas secretarias estaduais e municipais de Saúde e gerenciados pelo ministério.
Os óbitos de 2011 só serão conhecidos no final do ano. “O Ministério da Saúde vem desenvolvendo um conjunto de ações para aperfeiçoar o registro de óbitos no País, assim como a qualidade das informações. Uma das medidas foi a intensificação de registros de óbitos por causas mal definidas (parada cardíaca, por exemplo), que caiu de 15% (2004) para 7,8% (2011)”, diz a nota. Outra medida adotada foi a criação, em 2006, da rede nacional do Sistema de Verificação de Óbitos, utilizado para a identificação das causas de mortes naturais. “Com isso”, argumenta o governo, “houve ampliação da notificação no País, por meio do SIM. O sistema capta atualmente 94% dos óbitos ocorridos no território nacional. Esse porcentual está acima do padrão internacional (90%)”.
24 janeiro, 2012
Combatemos o vício, não o viciado
Fonte : Revista Época - MARCELO MOURA
O responsável pela política antidrogas mais elogiada do mundo critica a internação compulsória adotada no Rio de Janeiro e a ação da polícia em São Paulo
João Goulão, chefe das agências portuguesa e europeia de combate às drogas, foi a São Paulo na semana passada divulgar o World Bike Tour. Para o português de 56 anos, seu trabalho pode ser tão amplo que chega à promoção de um passeio ciclístico. A ideia de que o esporte pode ajudar a manter as pessoas longe do vício levou à cidade da Cracolândia o responsável pelo plano antidrogas mais elogiado do mundo. Em 2001, Portugal descriminalizou o consumo de drogas e criou uma rede de assistência aos viciados que inclui incentivos fiscais para empresas que queiram contratá-los. Com iniciativas ousadas, o país acabou com suas cracolândias e passou a registrar os menores índices de consumo de drogas entre os jovens na Europa.
ÉPOCA – O consumo de drogas em São Paulo é tão grave que há 15 anos uma área no centro da cidade é conhecida pelo nome de Cracolândia. Nunca trouxeram o senhor para visitá-la antes?
João Goulão – Não, agora vou aproveitar a vinda para o passeio ciclístico para conhecer. Estive no Rio de Janeiro em novembro. Vi como as forças de segurança tomaram um espaço e, em seguida, resumiram-se a dar apoio aos serviços sociais, sem uma postura agressiva. Parece a atitude adequada.
ÉPOCA – Lisboa teve um local de consumo como São Paulo?
Goulão – Teve. Ficava no Casal Ventoso, um bairro litorâneo habitado por trabalhadores portuários. Quando Portugal perdeu suas colônias, na década de 1970, a atividade naval decaiu e houve muito desemprego naquele bairro. Aquelas pessoas conheciam marinheiros e passaram a se dedicar ao contrabando, primeiro de produtos de consumo e depois de drogas. O bairro de gente pobre foi colonizado por bandidos e tornou-se o maior supermercado de drogas da Europa, visitado diariamente por mais de 5 mil pessoas.
ÉPOCA – No início de janeiro, a Polícia Militar de São Paulo entrou na Cracolândia sem agentes sociais, com armas e balas de borracha. Como foi o combate às drogas no Casal Ventoso?
Goulão – Nossa abordagem foi de assistência social. A polícia entrou para acompanhar os assistentes. Começamos com uma política de troca de seringas usadas por novas, o que foi importantíssimo para controlar o crescimento dos casos de aids ligados a drogas injetáveis. Depois de cinco anos de trabalho, ganhamos a confiança dos viciados e conseguimos aproximá-los dos serviços de saúde. Penso que não teria sido possível se tivesse havido a entrada de forças policiais e o envio para tratamento quase compulsório.
ÉPOCA – O governo federal anunciou o destino de verbas para clínicas de internação compulsória, e o Rio de Janeiro adotou esse procedimento há poucos meses. É uma iniciativa necessária para tratar pessoas em estágio avançado de vício?
Goulão – Não acredito no sucesso da internação compulsória. O viciado vai à força para um lugar fora da realidade, fisicamente impedido de consumir drogas. Como ele vai se comportar ao sair? Para deixar o vício, a pessoa precisa reformatar seus hábitos. Não é só retirar uma substância, é mudar o estilo de vida. A internação voluntária é um processo demorado, mas considero mais eficaz.
ÉPOCA – Como esperar força de vontade de alguém que, por causa do vício, perdeu qualquer tipo de motivação?
Goulão – De fato, estamos lidando com seres que se encontram numa condição quase animalesca. É preciso resgatar a dignidade, noções de higiene, o orgulho por pequenas coisas. Só depois disso, motivar a internação voluntária. É difícil, mas entendo que assim funciona a intervenção.
ÉPOCA – Áreas dominadas por viciados despertam repulsa na sociedade. Como política de tratamento, é melhor dispersar os viciados pela cidade ou aproveitar a reunião deles?
Goulão – Quando tivemos nossa cracolândia, nós não a dispersamos. Cinco anos depois de entrar com o serviço médico e social, quando o Casal Ventoso já não era um polo de consumo, fizemos uma operação de reurbanização com remoção de casas e mudança dos moradores.
ÉPOCA – O crack é uma droga diferente das outras?
Goulão – O crack tem um poder viciante fortíssimo, e não há uma substância química que o substitua num tratamento terapêutico. A abordagem é mais complexa e demorada que a da heroína, principal droga em Portugal. O trabalho de educação, redução de danos e tratamento é mais difícil.
ÉPOCA – Como são as campanhas antidrogas de Portugal?
Goulão – Desistimos de fazer propagandas na televisão com mensagens para o grande público. Elas custavam caro e traziam pouco resultado. Hoje, mapeamos grupos, como jovens que deixaram a escola e filhos de viciados. São trabalhos dirigidos, feitos nos lugares onde está o público potencial.
ÉPOCA – Como o departamento antidrogas aborda os viciados?
Goulão – Os órgãos de saúde e assistência social precisam conhecer de perto que tipo de crack está nas ruas. Saber inclusive quanto as drogas à venda estão adulteradas, para então difundir, entre os usuários, a partir de qual dose consumida há risco de morte
ÉPOCA – Os órgãos de saúde devem orientar os usuários sobre quanta droga eles podem consumir?
Goulão – Exatamente. A mensagem deve ser: “Não consuma drogas, mas, se consumir, tome certos cuidados”. Não consuma sozinho, porque, se houver um pequeno acidente, ninguém vai poder ajudar. Passamos mensagens que ajudam a pessoa a correr menos riscos.
ÉPOCA – Orientar o consumo de drogas não é uma postura que beira o incentivo?
Goulão – Em primeiro lugar, nosso objetivo é salvar vidas. Em segundo lugar, ganhar a confiança das pessoas para orientá-las a deixar o vício. Ainda estamos muito formatados à ideia de que consumir drogas é pecado. Não conseguimos encarar o dependente de drogas como fazemos com um diabético, que é dependente de insulina. Só faremos progressos significativos quando abandonarmos essa carga ideológica.
ÉPOCA – Como Portugal encara os viciados?
Goulão – Encaramos o dependente como fazemos com um diabético. Damos a ele oportunidade de tratamento sem custo, com privacidade e sem condenação. Na lei que adotamos há dez anos, consumir drogas não é mais crime. É como dirigir sem cinto de segurança: o infrator não vai para a cadeia, não é fichado por isso.
ÉPOCA – Como uma sociedade conservadora como a portuguesa aceitou descriminalizar o consumo de drogas?
Goulão – A explicação está na própria origem do consumo em Portugal. O uso de drogas fez parte da explosão de liberdade que o país viveu com o fim da ditadura, em 1974. Começou com maconha, e um dia o vendedor de maconha ofereceu cocaína, heroína... De repente os viciados já representavam 1% da população, todo mundo tinha algum na família. Então foi fácil para a sociedade perceber que o dependente era uma pessoa honesta precisando de ajuda. E, ao ser mandada para a cadeia, a pessoa sairia pior do que entrou. A descriminalização das drogas foi uma decisão tomada de baixo para cima, e não determinada pelos políticos.
ÉPOCA – A ausência de punição não incentiva mais pessoas a experimentar drogas?
Goulão – Isso não tem acontecido. Desde a descriminalização, a experimentação de drogas entre os mais jovens caiu. Não sei dizer por quê. Talvez porque os jovens de uma forma geral gostem de desafiar a autoridade e, hoje, consumir drogas é menos desafiante. Em compensação, temos mais jovens se embebedando. Se o apelo da droga não está mais no desafio à lei, a bebida alcoólica é mais barata e disponível.
ÉPOCA – Um problema entre os viciados é voltar à vida social. Quais são as soluções de Portugal?
Goulão – O governo abriu linhas de crédito para pequenas empresas abertas por toxicodependentes, assim como incentivos fiscais a empresas que contratem essas pessoas.
ÉPOCA – Num momento de crise econômica na Europa, favorecer o emprego de viciados parece uma questão polêmica.
Goulão – É sim. Algumas pessoas dizem: “Será que tenho de usar drogas para conseguir trabalho?”. Isso aumenta o estigma dos dependentes. É muito complicado lutar por um programa de discriminação positiva. Ultimamente, tenho ficado bem quieto, sem pedir nada. Apenas peço que não cortem muito o orçamento do departamento antidrogas português, para não perdermos as conquistas atuais.
ÉPOCA – Quanto o departamento antidrogas gasta por ano?
Goulão – O orçamento anual do instituto é de € 75 milhões, 80% deles dedicados a tratamento. De maneiras mais ou menos intensivas, ele atende 45 mil pessoas.
ÉPOCA – Quanto Portugal economiza ao devolver viciados em drogas à vida produtiva?
Goulão – Trabalhos acadêmicos estimam que cada euro investido na recuperação de viciados leva à economia de e 20. Esse valor inclui a produtividade da pessoa e a economia por não ter de tratar doenças relacionadas ao vício, como a aids.
ÉPOCA – O senhor considera o modelo português replicável em países maiores, como o Brasil e os Estados Unidos?
Goulão – Acredito que alguns aspectos sejam válidos em qualquer realidade. Mesmo com uma linha de criminalização do consumo, penso que um olhar mais próximo das pessoas é válido. Em Portugal, combatemos o vício, não o viciado.
O responsável pela política antidrogas mais elogiada do mundo critica a internação compulsória adotada no Rio de Janeiro e a ação da polícia em São Paulo
João Goulão, chefe das agências portuguesa e europeia de combate às drogas, foi a São Paulo na semana passada divulgar o World Bike Tour. Para o português de 56 anos, seu trabalho pode ser tão amplo que chega à promoção de um passeio ciclístico. A ideia de que o esporte pode ajudar a manter as pessoas longe do vício levou à cidade da Cracolândia o responsável pelo plano antidrogas mais elogiado do mundo. Em 2001, Portugal descriminalizou o consumo de drogas e criou uma rede de assistência aos viciados que inclui incentivos fiscais para empresas que queiram contratá-los. Com iniciativas ousadas, o país acabou com suas cracolândias e passou a registrar os menores índices de consumo de drogas entre os jovens na Europa.
ÉPOCA – O consumo de drogas em São Paulo é tão grave que há 15 anos uma área no centro da cidade é conhecida pelo nome de Cracolândia. Nunca trouxeram o senhor para visitá-la antes?
João Goulão – Não, agora vou aproveitar a vinda para o passeio ciclístico para conhecer. Estive no Rio de Janeiro em novembro. Vi como as forças de segurança tomaram um espaço e, em seguida, resumiram-se a dar apoio aos serviços sociais, sem uma postura agressiva. Parece a atitude adequada.
ÉPOCA – Lisboa teve um local de consumo como São Paulo?
Goulão – Teve. Ficava no Casal Ventoso, um bairro litorâneo habitado por trabalhadores portuários. Quando Portugal perdeu suas colônias, na década de 1970, a atividade naval decaiu e houve muito desemprego naquele bairro. Aquelas pessoas conheciam marinheiros e passaram a se dedicar ao contrabando, primeiro de produtos de consumo e depois de drogas. O bairro de gente pobre foi colonizado por bandidos e tornou-se o maior supermercado de drogas da Europa, visitado diariamente por mais de 5 mil pessoas.
ÉPOCA – No início de janeiro, a Polícia Militar de São Paulo entrou na Cracolândia sem agentes sociais, com armas e balas de borracha. Como foi o combate às drogas no Casal Ventoso?
Goulão – Nossa abordagem foi de assistência social. A polícia entrou para acompanhar os assistentes. Começamos com uma política de troca de seringas usadas por novas, o que foi importantíssimo para controlar o crescimento dos casos de aids ligados a drogas injetáveis. Depois de cinco anos de trabalho, ganhamos a confiança dos viciados e conseguimos aproximá-los dos serviços de saúde. Penso que não teria sido possível se tivesse havido a entrada de forças policiais e o envio para tratamento quase compulsório.
ÉPOCA – O governo federal anunciou o destino de verbas para clínicas de internação compulsória, e o Rio de Janeiro adotou esse procedimento há poucos meses. É uma iniciativa necessária para tratar pessoas em estágio avançado de vício?
Goulão – Não acredito no sucesso da internação compulsória. O viciado vai à força para um lugar fora da realidade, fisicamente impedido de consumir drogas. Como ele vai se comportar ao sair? Para deixar o vício, a pessoa precisa reformatar seus hábitos. Não é só retirar uma substância, é mudar o estilo de vida. A internação voluntária é um processo demorado, mas considero mais eficaz.
ÉPOCA – Como esperar força de vontade de alguém que, por causa do vício, perdeu qualquer tipo de motivação?
Goulão – De fato, estamos lidando com seres que se encontram numa condição quase animalesca. É preciso resgatar a dignidade, noções de higiene, o orgulho por pequenas coisas. Só depois disso, motivar a internação voluntária. É difícil, mas entendo que assim funciona a intervenção.
ÉPOCA – Áreas dominadas por viciados despertam repulsa na sociedade. Como política de tratamento, é melhor dispersar os viciados pela cidade ou aproveitar a reunião deles?
Goulão – Quando tivemos nossa cracolândia, nós não a dispersamos. Cinco anos depois de entrar com o serviço médico e social, quando o Casal Ventoso já não era um polo de consumo, fizemos uma operação de reurbanização com remoção de casas e mudança dos moradores.
ÉPOCA – O crack é uma droga diferente das outras?
Goulão – O crack tem um poder viciante fortíssimo, e não há uma substância química que o substitua num tratamento terapêutico. A abordagem é mais complexa e demorada que a da heroína, principal droga em Portugal. O trabalho de educação, redução de danos e tratamento é mais difícil.
ÉPOCA – Como são as campanhas antidrogas de Portugal?
Goulão – Desistimos de fazer propagandas na televisão com mensagens para o grande público. Elas custavam caro e traziam pouco resultado. Hoje, mapeamos grupos, como jovens que deixaram a escola e filhos de viciados. São trabalhos dirigidos, feitos nos lugares onde está o público potencial.
ÉPOCA – Como o departamento antidrogas aborda os viciados?
Goulão – Os órgãos de saúde e assistência social precisam conhecer de perto que tipo de crack está nas ruas. Saber inclusive quanto as drogas à venda estão adulteradas, para então difundir, entre os usuários, a partir de qual dose consumida há risco de morte
ÉPOCA – Os órgãos de saúde devem orientar os usuários sobre quanta droga eles podem consumir?
Goulão – Exatamente. A mensagem deve ser: “Não consuma drogas, mas, se consumir, tome certos cuidados”. Não consuma sozinho, porque, se houver um pequeno acidente, ninguém vai poder ajudar. Passamos mensagens que ajudam a pessoa a correr menos riscos.
ÉPOCA – Orientar o consumo de drogas não é uma postura que beira o incentivo?
Goulão – Em primeiro lugar, nosso objetivo é salvar vidas. Em segundo lugar, ganhar a confiança das pessoas para orientá-las a deixar o vício. Ainda estamos muito formatados à ideia de que consumir drogas é pecado. Não conseguimos encarar o dependente de drogas como fazemos com um diabético, que é dependente de insulina. Só faremos progressos significativos quando abandonarmos essa carga ideológica.
ÉPOCA – Como Portugal encara os viciados?
Goulão – Encaramos o dependente como fazemos com um diabético. Damos a ele oportunidade de tratamento sem custo, com privacidade e sem condenação. Na lei que adotamos há dez anos, consumir drogas não é mais crime. É como dirigir sem cinto de segurança: o infrator não vai para a cadeia, não é fichado por isso.
ÉPOCA – Como uma sociedade conservadora como a portuguesa aceitou descriminalizar o consumo de drogas?
Goulão – A explicação está na própria origem do consumo em Portugal. O uso de drogas fez parte da explosão de liberdade que o país viveu com o fim da ditadura, em 1974. Começou com maconha, e um dia o vendedor de maconha ofereceu cocaína, heroína... De repente os viciados já representavam 1% da população, todo mundo tinha algum na família. Então foi fácil para a sociedade perceber que o dependente era uma pessoa honesta precisando de ajuda. E, ao ser mandada para a cadeia, a pessoa sairia pior do que entrou. A descriminalização das drogas foi uma decisão tomada de baixo para cima, e não determinada pelos políticos.
ÉPOCA – A ausência de punição não incentiva mais pessoas a experimentar drogas?
Goulão – Isso não tem acontecido. Desde a descriminalização, a experimentação de drogas entre os mais jovens caiu. Não sei dizer por quê. Talvez porque os jovens de uma forma geral gostem de desafiar a autoridade e, hoje, consumir drogas é menos desafiante. Em compensação, temos mais jovens se embebedando. Se o apelo da droga não está mais no desafio à lei, a bebida alcoólica é mais barata e disponível.
ÉPOCA – Um problema entre os viciados é voltar à vida social. Quais são as soluções de Portugal?
Goulão – O governo abriu linhas de crédito para pequenas empresas abertas por toxicodependentes, assim como incentivos fiscais a empresas que contratem essas pessoas.
ÉPOCA – Num momento de crise econômica na Europa, favorecer o emprego de viciados parece uma questão polêmica.
Goulão – É sim. Algumas pessoas dizem: “Será que tenho de usar drogas para conseguir trabalho?”. Isso aumenta o estigma dos dependentes. É muito complicado lutar por um programa de discriminação positiva. Ultimamente, tenho ficado bem quieto, sem pedir nada. Apenas peço que não cortem muito o orçamento do departamento antidrogas português, para não perdermos as conquistas atuais.
ÉPOCA – Quanto o departamento antidrogas gasta por ano?
Goulão – O orçamento anual do instituto é de € 75 milhões, 80% deles dedicados a tratamento. De maneiras mais ou menos intensivas, ele atende 45 mil pessoas.
ÉPOCA – Quanto Portugal economiza ao devolver viciados em drogas à vida produtiva?
Goulão – Trabalhos acadêmicos estimam que cada euro investido na recuperação de viciados leva à economia de e 20. Esse valor inclui a produtividade da pessoa e a economia por não ter de tratar doenças relacionadas ao vício, como a aids.
ÉPOCA – O senhor considera o modelo português replicável em países maiores, como o Brasil e os Estados Unidos?
Goulão – Acredito que alguns aspectos sejam válidos em qualquer realidade. Mesmo com uma linha de criminalização do consumo, penso que um olhar mais próximo das pessoas é válido. Em Portugal, combatemos o vício, não o viciado.
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17 janeiro, 2012
Internação Compulsório é sistema de isolamento social, não de tratamento
Prof. Dr. Dartiu Xavier
Entrevista publicada na Revista Caros Amigos, edição de outubro de 2011
Por Gabriela Moncau
A demonização do crack e uma suposta epidemia que estaria se espalhando pelo Brasil tem progressivamente tomado conta da imprensa e dos discursos dos políticos, como bem ilustrou a disputa eleitoral presidencial no final do ano passado, de modo que um imaginário social mais baseado em medo que em informações tem sido usado para justificar uma série de políticas polêmicas por parte do Estado no já questionável “combate ao crack”, normalmente amparado por forças repressivas. Desde o dia 30 de maio a Secretaria Municipal de Assistência Social da Prefeitura do Rio de Janeiro tem colocado em prática o sistema de internação compulsória para crianças e adolescentes menores de idade usuários de crack em situação em rua. Os jovens são internados à força em abrigos onde são obrigados a receber tratamento psiquiátrico. Atualmente são cerca de 85 meninos e meninas que já foram recolhidos (contra a vontade) das ruas cariocas.
O modelo tem sido contestado por uma série de organizações sociais ligadas às áreas da assistência social, do direito, da luta antimanicomial, dos direitos humanos, entre outras, que vêem na suposta defesa da saúde pública um disfarce para interesses econômicos e políticos ligados à higienização, especulação imobiliária e lobby de clínicas particulares. Em manifesto, a subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) acusa a Secretaria de Assistência Social do Rio de Janeiro de atuar como uma “agência de repressão, prestando-se à segregação e aumentando a apartação social que deveria reduzir, desconsiderando inclusive que o enfrentamento da fome é determinante no combate ao uso do crack, em especial da população de rua”. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) tampouco se mostrou satisfeito com a medida, que entende como inconstitucional. O Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) classificou as ações como “práticas punitivas” e “higienistas”, em uma postura segregadora que nega o “direito à cidadania, em total desrespeito aos direitos arduamente conquistados na Constituição Federal, contemplados no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, no Sistema Único da Saúde – SUS e no Sistema Único da Assistência Social – SUAS”.
Respondendo à acusação de inconstitucionalidade, os defensores e idealizadores da medida atestam que na Lei 10.216, que trata de saúde mental, estão preconizados os três tipos de internação: voluntária, involuntária (sem o consentimento ou contra a vontade do paciente, com aval da família e laudo médico) e compulsória (com recomendação médica e imposição judicial). Já os que se posicionam contra alegam que, na prática, ao invés da ordem de internação compulsória ser impetrada por um juiz após análise de cada caso e com um laudo médico, ela está sendo determinada pelo Poder Executivo, de forma massificada e antes da adoção de outras medidas extra-hospitalares.
O prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (ex-DEM, quase PSD) já afirmou que vê com bons olhos a ideia de implementar modelo semelhante na capital paulista, especialmente na região central da cidade, nas chamadas “crackolândias”. O Ministério Público já foi procurado pela prefeitura para assumir um posicionamento acerca da possibilidade, mas declarou que ainda está aguardando um projeto oficial impresso.
O Estado deve se fazer presente para esses jovens em situação de rua? Se sim, de que forma? O fato de serem menores de idade e/ou usuários de drogas lhes tira a capacidade de discernimento? É efetivo o tratamento feito contra a vontade do paciente? Que outros tipos de procedimentos podem ser adotados? No intuito de ajudar a responder essas e outras perguntas, a Caros Amigos conversou com o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, professor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e diretor do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes (PROAD), onde trabalha com dependentes químicos há 24 anos.
A internação compulsória não faz parte de nenhuma política pública, certo? Quando que esse dispositivo costuma ser usado? Não é só em casos específicos de possibilidade de risco da vida?
Sim. Todo uso de drogas pode trazer algum risco de vida, mas a internação compulsória é um dispositivo para ser usado quando existe um risco constatado de suicídio. A outra situação é quando existe um quadro mental associado do tipo psicose, seria quando a pessoa tem um julgamento falseado da realidade: se ela acha que está sendo perseguida por alienígenas ou se acredita que pode voar e resolve pular pela janela. Nessas situações de psicose ou um risco de suicídio é quando poderíamos lançar mão de uma internação involuntária.
Tiveram outros momentos da história em que a internação compulsória foi usada desse modo que está sendo implementado no Rio de Janeiro e prestes a ser em São Paulo?
Foi usada principalmente antes da luta antimanicomial. Tanto que existe até aquele filme, “O bicho de sete cabeças”, com o Rodrigo Santoro, que mostra os abusos que se faziam, no caso era um usuário de maconha que foi internado numa clínica psiquiátrica contra a vontade. Isso hoje é juridicamente uma coisa muito complicada, de modo geral não é mais aceito. Mas vou te dizer uma coisa: infelizmente ainda acontece hoje em dia. Volta e meia sou chamado para atender alguém que foi internado compulsoriamente contra a vontade, sem citação de internação.
Quais são os efeitos de ansiolíticos e calmantes injetáveis? Você acredita que essas substâncias que estão sendo usadas nas clínicas do RJ são medicamentos adequados para crianças usuárias de crack?
Eu não sei efetivamente o que está sendo feito nessas clínicas no Rio, o que eu sei é que a gente não tem o aparelho de Estado nem que dê conta das internações voluntárias. Ou seja, você pega uma pessoa que tem uma dependência química associada com psicose ou risco de suicídio e temos todas as indicações médicas e até a anuência do paciente de ser internado – estou falando da internação voluntária –, ainda assim não temos estrutura para atender essas pessoas. O que acontece é que se está recorrendo a um modelo considerado ultrapassado, um modelo carcerário, dos grandes hospícios. Então mesmo para as internações voluntárias acaba sendo usado um modelo de internação ineficaz. Se não temos estruturas nem para as internações voluntárias, imagine para as compulsórias.
O ansiolítico é um calmante forte?
Sim, ele vai diminuir a ansiedade da pessoa. Você pode usar também antidepressivos que diminuam a vontade da pessoa de usar aquela droga. Mas tudo isso são paliativos, porque na verdade o grande determinante para a pessoa para de usar a droga ou não, é a força de vontade. Por exemplo, eu quero parar de fumar, então eu posso tomar um calmante para diminuir esse meu desejo absurdo de fumar, mas se eu não tiver a motivação da minha decisão de parar, não vai existir calmante que me faça parar de fumar. Ele não age por si só. Daí um dos problemas de tratar alguém que não está convencido de ser tratado.
Você afirma que o número de dependentes de drogas é muito inferior ao número de usuários, que não tem problemas com o consumo de drogas.
Exatamente. Para maconha e para álcool é menos de 10% dos usuários que se tornam dependentes. Para crack, por volta de 20% a 25% que se tornam dependentes, os outros permanecem no padrão de uso recreacional. Nem todo consumo é problemático.
Esse sistema, então, corre o risco de internar usuários que não são dependentes de fato?
É muito provável que isso aconteça. Sobretudo porque existe uma lógica muito perversa da internação compulsória que atribui a situação de miséria e de rua à droga, quando na realidade a droga não é a causa daquilo, ela é consequência. Acredito que o trabalho feito nas ruas, nas crackolândias e com crianças de rua deveria ser no sentido de resgate de cidadania, moradia, educação, saúde.
O que você acha do tratamento da dependência sem que a pessoa tenha o desejo de ser tratada? Existe possibilidade de eficiência?
A eficácia é muito baixa. Existem estudos mostrando que nesses modelos de internação compulsória o máximo que se consegue de eficácia é 2%, ou seja, 98% das pessoas que saem da internação recaem depois. Certamente porque a pessoa não está nem convencida a parar.
O Estado, de modo geral, vem se omitindo há décadas a respeito da situação de jovens moradores de rua em situações de vulnerabilidade. Por que você acha que começaram a agir agora, e desse modo?
Acredito que é por conta de uma diversidade enorme de variáveis. O que tem se falado muito é que é uma medida higienista de tirar as pessoas das ruas e que começou no Rio de Janeiro por causa da proximidade de Copa e Olimpíadas. É uma forma de tirar os miseráveis das ruas. Já vi também tentativas de implementação de internação compulsória por uma questão política, necessidade de o governante mostrar que está fazendo alguma coisa pela população, pelos drogados, apesar de ser uma coisa que não funciona pode render votos.
Para inglês ver.
Exatamente, para inglês ver. No caso da Copa e das Olimpíadas, literalmente para ingleses e outros gringos verem.
O tema da internação tem gerado bastante polêmica, um dos argumentos apresentados aos que se posicionam contra a internação é de que se trata de menores de idade, e o Estado tem a obrigação de fazer-se presente, de cuidar das crianças e adolescentes. O que você acha disso e o que considera que deveria ser uma boa medida por parte do Estado nessas situações?
Acho que o argumento é válido e acho que é verdade que o Estado realmente tem que cuidar dessas crianças. Só que não acho que isso seja cuidar. Cuidar é dar moradia, educação, saúde. Não é colocar a pessoa em um cárcere psiquiátrico, em um manicômio. Porque é isso que vai acontecer: vão ser grandes depósitos de crianças desfavorecidas e que usam drogas.
Muitos dizem que a internação compulsória para essas crianças e jovens mascara um problema maior, o da desigualdade social, da falta de educação, moradia, saúde, etc. Porém, os que defendem a internação afirmam que é uma medida para algo emergencial. Você vê alternativas que respondem à emergência que alegam para a situação?
Esses trabalhos das equipes multidisciplinares de rua que já fazem um trabalho, mas que deveriam ser aumentados. O trabalho deve ser na rua. As redes de CAPS [Centro de Atenção Psicossocial] são um bom exemplo e deveriam ser ampliadas.
Como funcionam?
Da seguinte forma: uma equipe multidisciplinar que tem familiaridade exclusiva com o problema das drogas vai fazendo um trabalho muito de formiguinha, porque cada caso é um caso. Eles vão identificar qual é a problemática daquela pessoa, porque a pessoa está na rua, se é por uma questão familiar, se é por uma questão de abandono total, ou seja, cada situação tem que ser vista na sua singularidade justamente para ver como que entra a droga nessa singularidade.
Fizemos um trabalho na rua uma vez com umas adolescentes que usavam drogas e perguntamos o motivo do uso, elas disseram “Olha tio, a gente usa drogas porque para comer a gente precisa se prostituir. A gente é muito pequena, para ter uma relação sexual com um adulto a gente precisa se drogar, senão a gente não agüenta de dor”. Quem diria que o problema dessas meninas é a droga? Eu acho que é o último problema dessas meninas.
É apresentada a necessidade da internação compulsória para crianças e adolescentes baseada em duas premissas que fundamentariam a não possibilidade de tomarem decisões por si próprios: a de que são menores de idade e a de que sendo dependentes de crack não poderiam pensar com sanidade. O fato de usarem essa última justificativa abre precedente para a internação compulsória de adultos?
Certamente. E essa segunda justificativa cai por terra na hora que pensamos naquele dado que eu falei, dos usuários de crack 75% a 80% são usuários recreacionais: são pessoas que trabalham, são produtivas, que tem família, que levam a vida. No meu consultório particular eu atendo executivos que são usuários recreacionais de crack, você vai dizer que o crack torna a pessoa incapaz de pensar? Não, não se pode atribuir isso ao crack. Poderíamos fazer o mesmo raciocínio com o cigarro. O indivíduo não consegue parar de fumar, está se matando, vai ter um câncer, então ele é considerado incapaz? Bom, ele é capaz de ganhar dinheiro, de ter relações sociais, de tomar uma série de decisões na vida, não dá para atribuir isso ao cigarro.
O que, por exemplo, o secretário municipal de Assistência Social do Rio, Rodrigo Bethlem, fala é que o crack é diferente de qualquer outra droga porque “faz com que a pessoa perca a noção completa da realidade”.
Isso não é verdade. Não existe isso. O crack é como a cocaína, ou seja, a pessoa não perde a noção da realidade, é que a compulsão pelo uso é muito intensa.
Fale um pouco sobre as condições a que os doentes mentais internados geralmente são submetidos no Brasil.
É muito complicado. É um sistema que ainda guarda muito da herança do sistema carcerário, o sistema dos manicômios. Por exemplo, um dos hospitais que tem sido citado pela mídia como modelo aqui em São Paulo de possibilidade de tratamento de dependentes é uma estrutura psiquiátrica. Esse hospital, eu não posso dizer o nome por questão de segurança, está sob intervenção do Ministério Público por maus tratos aos pacientes. Esse hospital que é considerado modelo. O que devemos esperar dos outros, que nem são vendidos como modelos? Na verdade o que é preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como tratamento para dependentes é a internação de curto prazo só para fazer a desintoxicação, cerca de 15 dias, no máximo 30 dias, e em unidades dentro do hospital geral. Por isso que eu montei há 10 anos atrás uma estrutura dentro do hospital geral para esses casos de internação.
Aqui no Brasil são poucos os hospitais que tem essa unidade?
Pouquíssimos. Em geral aqui no Brasil se usa o modelo manicomial ainda.
Como funciona o modelo manicomial?
É o modelo onde o indivíduo fica internado meses ou anos, não recebe atendimento multidisciplinar, não vai ser submetido à psicoterapia, recebe algum tipo de medicação – nem sempre é a medicação adequada para ele. Eu fiz um estudo há 5 anos atrás com 300 dependentes internados em hospitais psiquiátricos. Para se ter uma ideia, 90% deles, embora tivessem supostamente sendo atendidos por médicos psiquiatras, não tinha tido seu diagnóstico psiquiátrico identificado! Eles tinham depressão, fobia social, enfim, isso não foi identificado. Ou seja: é um sistema de depósito, não é um sistema de tratamento. Por isso que eu chamo de sistema carcerário, é de isolamento social, não de tratamento.
Você afirmou que “a dependência de drogas não se resolve por decreto. As medidas totalitárias promovem um alívio passageiro, como um ‘barato’ que entorpece a realidade”. Você acha que existe a ilusão por parte dos idealizadores desse sistema de que medidas como a internação compulsória resolvam o problema ou você acredita que de fato a intenção é maquiar a realidade?
Eu conheço gente bem intencionada que acredita nisso. Mas é claro que pessoas mal intencionadas também estão envolvidas nisso. Por exemplo, eu estava conversando com o Dráuzio Varella, que é a favor da internação compulsória. Ele dava os prós e eu os contras, e foi interessante porque ele é uma pessoa muito bem intencionada. Não sei se ele mudou de ideia depois que conversamos, mas acredito que tenha relativizado uma série de coisas que ele pensava. O Dráuzio é uma pessoa que eu considero que está autenticamente defendendo essa ideia, com embasamento coerente, só que não vai funcionar. Foi o que eu falei para ele.
Em São Paulo, a gestão Kassab pretende permitir que a GCM leve à força pessoas que não aceitarem serem retiradas da rua. Pretende também implementar um sistema de “padrinhos”, que seriam profissionais nomeados nas centrais de triagem para acompanhar um paciente durante a sua internação compulsória, até estar supostamente apto para uma “reintegração social”. O que você acha desse sistema?
Esse sistema vai furar porque é uma ingerência na vida privada das pessoas, é contra o direito de ir e vir, contra os direitos humanos. E na verdade o que vai acontecer é que isso vai funcionar – funcionar entre aspas porque não será eficaz – nas populações carentes. Porque quem é classe média e alta e tiver fumando crack na rua, vai ser pego mas o papai vai por ele numa clínica chique, vai ficar uma semana, e vai para casa depois. Então é um sistema bastante questionável do ponto de vista ético, porque vai ser aplicado nas populações “indesejáveis”. Além disso, grande parte das pessoas que eu vejo defenderem a internação compulsória são donos de hospitais psiquiátricos que vão se beneficiar diretamente com isso.
Você concorda com esse discurso que tanto aparece na mídia de que o crack é mesmo um dos maiores problemas do Brasil?
Não, isso é uma fabricação. Não existe essa epidemia de crack de que tanto se fala. Não estou dizendo que a dependência de crack não é uma coisa grave, é gravíssima. No meu serviço eu atendo 600 pessoas por mês, metade ou 40% é dependente de crack. Então o problema existe e o problema é sério. Só que ele não aumentou. Eu atendo essa frequência de dependentes há 15 anos. O que se criou é a ideia falsa de uma epidemia de crack quando o grande problema da saúde pública do Brasil dentro da área de drogas ainda é o álcool, sem dúvidas. Eu não sei qual foi o mote disso. Os estudos que o próprio Ministério da Saúde e a SENAD [Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas] divulgam não comprovam a existência de uma epidemia de crack.
Por que, apesar desse discurso demonizador do crack, você acha que as pessoas continuam buscando o crack? Quais são os efeitos positivos que faz com que a demanda persista?
Se a gente for ver a heroína na Europa e nos Estados Unidos – a heroína não é uma droga muito discutida comparada ao crack – conseguimos fazer prevenção, tratamento, mas sempre aparecem novos usuários. Tem pessoas que tem esse comportamento de risco, em geral são pessoas impulsivas mas é algo turbinado por uma situação de exclusão social.
Qual a importância da redução de danos?
A redução de danos é um conjunto de estratégias que a gente usa para aquelas pessoas que não podem parar de usar drogas, ou porque não querem ou porque não conseguem. Normalmente o que se fazia antigamente era ‘olha, não deu certo o tratamento, o indivíduo não ficou abstinente, então sinto muito, vai continuar dependente’. A redução de danos surgiu justamente para essas pessoas que não conseguiram se tratar ou que não aceitaram o tratamento mas que são formas e estratégias para diminuir os riscos relacionados ao consumo. Então por exemplo, teve um estudo sobre redução de danos publicado há anos atrás fora do Brasil, a respeito de um grupo de usuários de crack que não conseguia se tratar de forma nenhuma. Mas começaram a relatar que quando eles usavam maconha, conseguiam segurar e não usar crack. Eu acompanhei esse grupo de pessoas por um ano e para a nossa surpresa, 68% deles abandonou o crack através do uso de maconha. Depois de três meses tinham abandonado o crack. Até brinquei na época que as pessoas falam que a maconha é porta de entrada para outras drogas, mas ela pode ser porta de saída também.
Gabriela Moncau é jornalista.
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