17 julho, 2012
Plantas que Curam?
Num episódio da série policial Law & Order: SVU, os detetives precisam lidar comuma testemunha chave viciada em heroína, que precisa chegar “limpa” ao dia do julgamento. Resolvem apelar para uma substância chamada ibogaína,fabricada a partir da raiz de um arbusto africano. O efeito parece mágico: uma única aplicação da substância liberta o personagem do vício em heroína e o manda direto para um final Feliz. A substância mostrada na série é real e seus efeitos, embora controversos, são tão impressionantes que parecem ficção. Relatos de pessoas que utilizaram a ibogaína afirmam que basta uma aplicação da substância para eliminar a “fissura”, a vontade incontrolável de usar droga. Utilizada há milênios por curandeiros da África Central para tratar doenças do corpo e do espírito, a ibogaína vem sendo pesquisada desde 1962 em tratamentos experimentais para a dependência química, especialmente em heroína. No Brasil, é usada em terapias alternativas para recuperar viciados em crack.
A psicóloga Cleuza Canan,que trabalha há 31 anos com tratamento de dependência química, em Curitiba (PR), conta que começou a utilizar a ibogaína há dez anos, com um usuário de crack, que, para sua surpresa, pareceu se recuperar totalmente após uma sessão com a substância. “Eu o observei durante três anos, e ele só evoluiu. Então, resolvi dar alta a ele. Foi a primeira vez que dei alta a um dependente químico”,conta. Desde então, aplicou o tratamento em 180 pacientes, que,segundo ela, tiveram um índice de recuperação de 85%.Para evitar recaídas no uso do crack, a psicóloga aprendeu a combinar a sessão de ibogaína com outras duas etapas, que incluem uma preparação e um pós-tratamento. O acompanhamento é necessário porque, se o paciente não mudar seus hábitos e continuar frequentando os mesmos ambientes, ele corre o risco de, mesmo sem a fssura, voltar para as drogas — e recomeçar o ciclo da dependência. Esta metodologia, segundo ela, foi apresentada numa conferência sobre tratamentos à base de ibogaína, realizada no ano passado, em Barcelona, onde foi considerada uma das mais eficazes.
Segundo o gastroenterologista Bruno Daniel Rasmussen Chaves, um dos principais especialistas brasileiros no tema, a ibogaína age tanto na química do cérebro como na psicologia do dependente. Por um lado, a droga estimula a produção do hormônio GDNF, que promove a regeneração de áreas do cérebro associadas à dependência. Por outro, a ibogaína lança o paciente num transe de 48 horas, uma espécie de “sonhar acordado” em que o paciente revê sua vida e os motivos que o levaram à dependência, como numa sessão de psicoterapia intensiva. O uso da ibogaína é proibido em países como EUA, Di-namarca e Bélgica e liberado em outros, como México e Espanha. No Brasil, não há regulamentação. A literatura médica registra 12 mortes associadas ao uso da substância, todas fora de ambiente hospitalar. A psicóloga Canan afirma não ter observado efeitos colaterais associados ao uso de ibogaína em seu tratamento, mas faltam estudos conclusivos a respeito. A iboga é uma das chamadas “plantas de poder”, vegetais com efeitos psicoativos, usados por povos tradicionais para tratar enfermidades físicas e emocionais. Alguns cientistas consideram estas plantas drogas alucinógenas, mas outros as veem como instrumentos para lidar com problemas como dependência química e depressão. Outra destas plantas é a ayahuasca (também chamada de Daime), bebida feita a partir de duas plantas amazônicas, cujo uso em rituais religiosos é reconhecido pelo Conselho Nacional Antidrogas(Conad). Um destes grupos religiosos, a Associação Beneficente Luz de Salomão (Ablusa), chegou a usar a ayahuasca para tratar de-pendentes químicos das ruas da Cracolândia paulistana, conforme o livro "A reinvenção do uso da ayahuasca nos centros urbanos (Ed. Mercado de Letras / FAPESP,2004)", mas encerrou recentemente suas atividades na região. Em 2005, um estudo coordenado pelo psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, da Unifesp, que comparou 40 adolescentes da religião ayahuasqueira União do Vegetal(UDV) com um grupo da mesma idade que nunca havia tomado o chá, concluiu que o primeiro grupo era menos inclinado a fazer uso de álcool ou drogas ilícitas. Tudo isso, contudo, ainda precisa ser visto com cautela, já que faltam estudos científcos sobre o tema. “O uso tanto de ayahuasca como de ibogaína para tratamentos de dependência é algo que está sendo investigado, mas ainda é muito cedo para se falar em usá-las em políticas de saúde pública”, afirma Dartiu.
Fonte : Revista do Parlamento, nº 1
"Os Caminhos da Cracolândia"
Fausto Salvadori Filho
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Aprovado o 1º Estudo Observacional sobre o uso de Ibogaína no tratamento da dependência química
Este projeto visa elaborar um estudo científico sobre um tratamento realizado com drogadictos recentemente no Brasil, através do uso do poderoso ecodélico Ibogaína (a substância pura, sintetizada num laboratório canadense, e não o extrato, que contém outras moléculas e pode ser considerado “impuro” e potencialmente perigoso) combinado com psicoterapia. Mais de cem pacientes foram tratados por um médico certificado e autorizado, em parceria com uma psicóloga.
A Ibogaína é um alcalóide encontrado em plantas da floresta equatorial da África ocidental. Ela tem sido usada nas tradições medicinais e religiosas da região por séculos e foi purificada pela primeira vez por químicos franceses no início do século passado (Fernandez 1982 and Goutarel et al. 1993). Os efeitos anti-viciantes da Ibogaína foram descobertos serendiptuosamente por um grupo de jovens usuários de drogas que experimentavam com uma variedade de substâncias psicoativas no início dos anos 60. Sete destes usuários eram viciados em heroína, e faziam uso simultâneo de cocaína e anfetaminas. Nenhum destes depedentes químicos tinha intenção de interromper seu uso de drogas e a Ibogaína foi utilizada por eles com a intenção de se ter mais um “barato”. Ainda assim, uma única administração do alcalóide eliminou sinais de abstinência em todos os sete dependentes de heroína e interrompeu o desejo de se continuar fazendo uso da droga em cinco deles por aproximadamente seis meses após a experiência.
Nos anos 80, o interesse nos efeitos anti-viciantes da Ibogaína foi reforçado por Howard S. Lotsof e Norma E. Alexander, precipitando uma série de experimentos clínicos ao longo dos anos 80 e 90 para se avaliar os efeitos experimentados pelos sete adictos dos anos 60 (dos quais Lotsof fazia parte).
Com base na rápida e dramática resposta do uso deste ecodélico na eliminação da crise de abstinência e do comportamento obssessivo do usuário (“fissura”), ao mesmo tempo em que denota a psicopatologia do paciente ao dar início a um processo de catarse (Lotsof et al. 1996); e, aliado ainda ao fato de que a terapia com Ibogaína é mais facilmente aceita pelos usuários de drogas, existe um panorama otimista para uma redução significativa no uso de drogas pesadas se a Ibogaína estiver disponível como uma modalidade de tratamento.
No Brasil, comprimidos farmacêuticos com Ibogaína purificada estão sendo usados no tratamento de dependentes, que são acompanhados por psicoterapeutas antes e após a sessão farmacológica conduzida por médico certificado em hospital autorizado. Os resultados preliminares de cerca de 200 sessões de ibogaína com mais de 100 pacientes são animadores e demasiadamente promissores para a condição de milhares de pessoas no país.
Este projeto está sendo realizado em colaboração com o médico responsável pelo tratamento farmacológico de dependentes (a maioria dos quais de crack) com ibogaína acompanhado de psicoterapia. Será feita cuidadosa análise estatística dos resultados disponíveis até o momento, bem como realização de entrevistas semi-estruturadas com cerca de 30 dos mais de 100 pacientes atendidos, por uma psicóloga especialista na área.
Ainda assim, é importante ressaltar os riscos de uma abordagem unidirecional que se apoie na medicação apenas. Avaliação preliminar dos dados, bem como a experiência dos terapeutas envolvidos aponta numa direção clara: o apoio familiar e o desejo verdadeiro, profundo e voluntário do paciente de se tratar são cruciais para que um resultado positivo e duradouro seja alcançado.
Projeto aprovado no Comitê de Ética da UNIFESP de acordo com o parecer 51434. Os resultados deste trabalho podem abrir as portas para que este tratamento seja extendido a outros pacientes, e para guiar uma política e tratamento de dependência de drogas mais eficientes. No entanto, a academia em geral ainda mantém uma posição de ceticismo quanto à eficácia deste tratamento devido à falta de estudos científicos a este respeito. É por isso que este projeto é tão importante.
Fonte : Plantando Consciência
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