Fonte: Folha de Boa Vista
Sociedades no mundo todo estão sofrendo pesados efeitos do abuso de substâncias psicotrópicas, popularmente conhecidas como drogas.
Os efeitos perversos dessa pandemia global afetam diversos setores da sociedade, principalmente a saúde.
É importante não perder de vista: o abuso de drogas é eminentemente uma questão de saúde pública. Drogas lícitas e ilícitas - desavisadas da classificação jurídica que transforma algumas em assunto de polícia e inclui outras na normalidade da lei - afetam de diversas formas a saúde dos seus usuários.
O abuso pode levar a diversos tipos de doenças físicas e psíquicas, desde o câncer de pulmão até as psicoses. As consequências econômicas são diretas, quando as famílias reduzem sua capacidade de consumo e poupança ao desviarem parte de suas rendas para drogas e quando o governo direciona recursos para o tratamento do tabagismo, alcoolismo, drogadição e doenças decorrentes; e indiretas quando a força de trabalho perde dinamismo e iniciativa. Como já disse Freud, em Mal estar na civilização, ao se comprazer na felicidade química, o usuário de drogas arrisca perder um tempo precioso, que, bem usado, permitiria alcançar objetivos em prol de uma felicidade sustentável no longo prazo. As consequências mais trágicas, todavia, são psicossociais, na tristeza das famílias, na marginalização estúpida dos usuários, na violência.
Convém insistir, o presente artigo não é um alerta para uma "batalha contra as drogas" que supostamente estamos "perdendo". Tratar o uso de drogas apenas como um assunto de segurança pública é mais um sintoma do problema. Sua solução exige uma perspectiva menos simplista, menos maniqueísta. Para reverter esse quadro dramático - uma batalha contra as contradições sociais que levam algumas pessoas a abusarem das drogas - faz-se urgente um debate amplo, franco e criterioso.
Amplo, porque é preciso envolver todos os setores da sociedade, desde os usuários e profissionais no assunto, passando pelos políticos, a polícia, os professores, até as mães de família. Todos são em parte culpados e em parte vítimas e, por isso, devem abandonar preconceitos, buscar conhecer com objetividade quais são os efeitos das drogas, quais são os motivos que levam pessoas de todas as idades e classes sociais a se envolverem com elas, até, por fim - após obter-se um diagnóstico melhor do que o atual - propor medidas para combater esse problema.
Franco, porque é preciso deixar de lado o orgulho e a hipocrisia e admitir que o abuso de entorpecentes não é uma consequência da fraqueza moral de determinados indivíduos mal-adaptados ou mal-socializados, mas sim um sintoma da doença social que acomete o mundo contemporâneo. Não é um privilégio de capitalistas ou proletários, religiosos ou agnósticos, brancos ou índios. Existem forças sociais (isto é, forças cuja origem está em estruturas sociais independentes dos indivíduos, como ensinou Durkheim) que afetam algumas pessoas mais suscetíveis. Essa suscetibilidade pode ocorrer por diversos fatores. Essas forças sociais e esses fatores de suscetibilidade devem ser bem entendidos, com objetividade, sem falso moralismo. Também no quesito franqueza, é preciso lembrar que não só as drogas proibidas causam danos: cigarro, álcool e muitos medicamentos provocam dependência química severa, com causas e efeitos muito semelhantes aos relacionados com as drogas proibidas.
Criterioso, porque, para combater seus abusos, é preciso conhecer sobre drogas. É preciso saber que não há mortes causadas por maconha, que a cocaína pode levar à morte por overdose, que a heroína e o crack viciam e matam às vezes em meses e que o cigarro é uma das maiores causas de morte no mundo todo; saber que o risco de tornar-se um dependente de maconha é inferior ao risco de tornar-se dependente de cigarro ou cocaína que, por sua vez, é inferior ao risco de tornar-se dependente de heroína ou crack; saber que a crise de abstinência da nicotina contida no cigarro é comparável àquela provocada pela cocaína, ainda que menor em intensidade; que a maconha não gera sintomas de abstinência química, mas vicia por dependência psicossocial; saber que o uso moderado de álcool, tabaco e maconha pode prestar-se a fins recreativos, não associado ao aumento da criminalidade, ainda que inevitavelmente provoque diversos males à saúde. Essas e outras ideias devem ser testadas cientificamente e seus resultados devem ser divulgados.
À guisa de conclusão: as sociedades no mundo todo estão atônitas diante do abuso de drogas. Ao mesmo tempo, a própria expressão "drogas", genérica demais, é insuficiente para dar conta de um debate público que deve ir às minúcias, tratar cada caso com suas peculiaridades, envolvendo profissionais das áreas da saúde e das ciências sociais. Franqueza e profissionalismo são qualidades importantes para que se pense um projeto melhor para lidar com as drogas, e são requisitos essenciais para tratar com dignidade e respeito a pessoa dos usuários e suas famílias.
João Nackle Urt - Advogado E mestre em Relações Internacionais pela UnB e professor da UFRR
Meu comentário: bom, a ibogaína já está aí há quase 40 anos, mas ninguem se interessa... seria um passo para a solução.
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