17 julho, 2012
Plantas que Curam?
Num episódio da série policial Law & Order: SVU, os detetives precisam lidar comuma testemunha chave viciada em heroína, que precisa chegar “limpa” ao dia do julgamento. Resolvem apelar para uma substância chamada ibogaína,fabricada a partir da raiz de um arbusto africano. O efeito parece mágico: uma única aplicação da substância liberta o personagem do vício em heroína e o manda direto para um final Feliz. A substância mostrada na série é real e seus efeitos, embora controversos, são tão impressionantes que parecem ficção. Relatos de pessoas que utilizaram a ibogaína afirmam que basta uma aplicação da substância para eliminar a “fissura”, a vontade incontrolável de usar droga. Utilizada há milênios por curandeiros da África Central para tratar doenças do corpo e do espírito, a ibogaína vem sendo pesquisada desde 1962 em tratamentos experimentais para a dependência química, especialmente em heroína. No Brasil, é usada em terapias alternativas para recuperar viciados em crack.
A psicóloga Cleuza Canan,que trabalha há 31 anos com tratamento de dependência química, em Curitiba (PR), conta que começou a utilizar a ibogaína há dez anos, com um usuário de crack, que, para sua surpresa, pareceu se recuperar totalmente após uma sessão com a substância. “Eu o observei durante três anos, e ele só evoluiu. Então, resolvi dar alta a ele. Foi a primeira vez que dei alta a um dependente químico”,conta. Desde então, aplicou o tratamento em 180 pacientes, que,segundo ela, tiveram um índice de recuperação de 85%.Para evitar recaídas no uso do crack, a psicóloga aprendeu a combinar a sessão de ibogaína com outras duas etapas, que incluem uma preparação e um pós-tratamento. O acompanhamento é necessário porque, se o paciente não mudar seus hábitos e continuar frequentando os mesmos ambientes, ele corre o risco de, mesmo sem a fssura, voltar para as drogas — e recomeçar o ciclo da dependência. Esta metodologia, segundo ela, foi apresentada numa conferência sobre tratamentos à base de ibogaína, realizada no ano passado, em Barcelona, onde foi considerada uma das mais eficazes.
Segundo o gastroenterologista Bruno Daniel Rasmussen Chaves, um dos principais especialistas brasileiros no tema, a ibogaína age tanto na química do cérebro como na psicologia do dependente. Por um lado, a droga estimula a produção do hormônio GDNF, que promove a regeneração de áreas do cérebro associadas à dependência. Por outro, a ibogaína lança o paciente num transe de 48 horas, uma espécie de “sonhar acordado” em que o paciente revê sua vida e os motivos que o levaram à dependência, como numa sessão de psicoterapia intensiva. O uso da ibogaína é proibido em países como EUA, Di-namarca e Bélgica e liberado em outros, como México e Espanha. No Brasil, não há regulamentação. A literatura médica registra 12 mortes associadas ao uso da substância, todas fora de ambiente hospitalar. A psicóloga Canan afirma não ter observado efeitos colaterais associados ao uso de ibogaína em seu tratamento, mas faltam estudos conclusivos a respeito. A iboga é uma das chamadas “plantas de poder”, vegetais com efeitos psicoativos, usados por povos tradicionais para tratar enfermidades físicas e emocionais. Alguns cientistas consideram estas plantas drogas alucinógenas, mas outros as veem como instrumentos para lidar com problemas como dependência química e depressão. Outra destas plantas é a ayahuasca (também chamada de Daime), bebida feita a partir de duas plantas amazônicas, cujo uso em rituais religiosos é reconhecido pelo Conselho Nacional Antidrogas(Conad). Um destes grupos religiosos, a Associação Beneficente Luz de Salomão (Ablusa), chegou a usar a ayahuasca para tratar de-pendentes químicos das ruas da Cracolândia paulistana, conforme o livro "A reinvenção do uso da ayahuasca nos centros urbanos (Ed. Mercado de Letras / FAPESP,2004)", mas encerrou recentemente suas atividades na região. Em 2005, um estudo coordenado pelo psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, da Unifesp, que comparou 40 adolescentes da religião ayahuasqueira União do Vegetal(UDV) com um grupo da mesma idade que nunca havia tomado o chá, concluiu que o primeiro grupo era menos inclinado a fazer uso de álcool ou drogas ilícitas. Tudo isso, contudo, ainda precisa ser visto com cautela, já que faltam estudos científcos sobre o tema. “O uso tanto de ayahuasca como de ibogaína para tratamentos de dependência é algo que está sendo investigado, mas ainda é muito cedo para se falar em usá-las em políticas de saúde pública”, afirma Dartiu.
Fonte : Revista do Parlamento, nº 1
"Os Caminhos da Cracolândia"
Fausto Salvadori Filho
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Aprovado o 1º Estudo Observacional sobre o uso de Ibogaína no tratamento da dependência química
Este projeto visa elaborar um estudo científico sobre um tratamento realizado com drogadictos recentemente no Brasil, através do uso do poderoso ecodélico Ibogaína (a substância pura, sintetizada num laboratório canadense, e não o extrato, que contém outras moléculas e pode ser considerado “impuro” e potencialmente perigoso) combinado com psicoterapia. Mais de cem pacientes foram tratados por um médico certificado e autorizado, em parceria com uma psicóloga.
A Ibogaína é um alcalóide encontrado em plantas da floresta equatorial da África ocidental. Ela tem sido usada nas tradições medicinais e religiosas da região por séculos e foi purificada pela primeira vez por químicos franceses no início do século passado (Fernandez 1982 and Goutarel et al. 1993). Os efeitos anti-viciantes da Ibogaína foram descobertos serendiptuosamente por um grupo de jovens usuários de drogas que experimentavam com uma variedade de substâncias psicoativas no início dos anos 60. Sete destes usuários eram viciados em heroína, e faziam uso simultâneo de cocaína e anfetaminas. Nenhum destes depedentes químicos tinha intenção de interromper seu uso de drogas e a Ibogaína foi utilizada por eles com a intenção de se ter mais um “barato”. Ainda assim, uma única administração do alcalóide eliminou sinais de abstinência em todos os sete dependentes de heroína e interrompeu o desejo de se continuar fazendo uso da droga em cinco deles por aproximadamente seis meses após a experiência.
Nos anos 80, o interesse nos efeitos anti-viciantes da Ibogaína foi reforçado por Howard S. Lotsof e Norma E. Alexander, precipitando uma série de experimentos clínicos ao longo dos anos 80 e 90 para se avaliar os efeitos experimentados pelos sete adictos dos anos 60 (dos quais Lotsof fazia parte).
Com base na rápida e dramática resposta do uso deste ecodélico na eliminação da crise de abstinência e do comportamento obssessivo do usuário (“fissura”), ao mesmo tempo em que denota a psicopatologia do paciente ao dar início a um processo de catarse (Lotsof et al. 1996); e, aliado ainda ao fato de que a terapia com Ibogaína é mais facilmente aceita pelos usuários de drogas, existe um panorama otimista para uma redução significativa no uso de drogas pesadas se a Ibogaína estiver disponível como uma modalidade de tratamento.
No Brasil, comprimidos farmacêuticos com Ibogaína purificada estão sendo usados no tratamento de dependentes, que são acompanhados por psicoterapeutas antes e após a sessão farmacológica conduzida por médico certificado em hospital autorizado. Os resultados preliminares de cerca de 200 sessões de ibogaína com mais de 100 pacientes são animadores e demasiadamente promissores para a condição de milhares de pessoas no país.
Este projeto está sendo realizado em colaboração com o médico responsável pelo tratamento farmacológico de dependentes (a maioria dos quais de crack) com ibogaína acompanhado de psicoterapia. Será feita cuidadosa análise estatística dos resultados disponíveis até o momento, bem como realização de entrevistas semi-estruturadas com cerca de 30 dos mais de 100 pacientes atendidos, por uma psicóloga especialista na área.
Ainda assim, é importante ressaltar os riscos de uma abordagem unidirecional que se apoie na medicação apenas. Avaliação preliminar dos dados, bem como a experiência dos terapeutas envolvidos aponta numa direção clara: o apoio familiar e o desejo verdadeiro, profundo e voluntário do paciente de se tratar são cruciais para que um resultado positivo e duradouro seja alcançado.
Projeto aprovado no Comitê de Ética da UNIFESP de acordo com o parecer 51434. Os resultados deste trabalho podem abrir as portas para que este tratamento seja extendido a outros pacientes, e para guiar uma política e tratamento de dependência de drogas mais eficientes. No entanto, a academia em geral ainda mantém uma posição de ceticismo quanto à eficácia deste tratamento devido à falta de estudos científicos a este respeito. É por isso que este projeto é tão importante.
Fonte : Plantando Consciência
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05 fevereiro, 2012
Drogas legais e ilegais matam 8 mil pessoas por ano no país
fonte : O Estado de São Paulo
Levantamento em sistema do Datasus mostra que álcool, fumo, psicotrópicos e cocaína tiraram a vida de 40 mil brasileiros entre os anos de 2006 e 2010
O uso de drogas matou 40.692 pessoas no País entre 2006 e 2010, uma média de 8 mil óbitos por ano. Estudo sobre mortes por drogas legais ou ilegais, registradas no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, mostra que o álcool é o campeão na mortandade.
O levantamento feito na base de dados do Datasus, obtido pelo Estado, informa que a bebida tirou a vida de 34.573 pessoas – 84,9% dos casos informados por médicos em formulários que avisam o governo federal sobre a causa da morte nesse grupo da população. Em segundo lugar aparece o fumo, com 4.625 mortos (11,3%). A cocaína matou pelo menos 354 pessoas no período.
Feita pelo Observatório do Crack, da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), a pesquisa aponta que, na comparação por gênero, há mais registros de morte de homens por álcool e fumo. Em cinco anos, 31.118 homens perderam a vida por causa da bebida. Outros 3.250 morreram em casos associados diretamente ao cigarro.
Na comparação da devastação por Estado, os mineiros lideram as mortes por álcool, com 0,82 morte para cada 100 mil habitantes, seguidos pelos cearenses, com 0,77 morte/100 mil pessoas. Depois aparecem os sergipanos, com 0,73/100 mil. São Paulo registra 0,53 morte para cada 100 mil habitantes.
O levantamento da CNM revela que em São Paulo houve 1.120 vítimas do uso abusivo do álcool em 2006. Em 2010, porém, o sistema registra uma queda de 14% nas informações. O SIM alcança 979 pessoas mortas por consumo de bebida. O Estado que menos apresenta perda de vidas por álcool é o Amapá: quatro em 2006, dez em 2009 e cinco em 2010.
Quando a causa do óbito é o fumo, o campeão de mortes de usuários é o Rio Grande do Sul. A taxa de óbitos pelo tabaco chega a 0,36 para cada 100 mil. A seguir aparecem Piauí e Rio Grande do Norte, ambos com 0,33/100 mil.
A duas principais drogas legalizadas no País, álcool e fumo, juntas, segundo o estudo, mataram 39.198 pessoas em cinco anos. – ou 96,2% do total. Os técnicos da CNM alertam, no entanto, que os dados de 2010 ainda são preliminares.
A devastação pode ser maior. O preenchimento das fichas para informação não é simples e o sistema tem casos de mortes classificadas como óbito por substâncias psicoativas (480). São os casos nos quais é informado no formulário um código que junta mais de uma droga associada à morte.
A Declaração de Óbito (DO) é composta por 9 blocos e 62 variáveis que apontam causa e local da morte. O preenchimento é de responsabilidade do médico, conforme estabelecido pelos Conselhos Federal e Estadual de Medicina, diz o estudo.
Para o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, há uma urgente necessidade de combater o problema das drogas nos municípios. “E não se está fazendo isso. O problema estoura é nos municípios”, afirma.
Ziulkoski diz que a média de cerca de 8 mil óbitos, encontrada no SIM, é um número subestimado. “Não há uma cultura de informação dos médicos”, acrescenta. Para ele, “o País precisa ver que a política de prevenção do uso de drogas é precária”. O estudo abrange 2 mil municípios. “A situação é alarmante.”
Para o vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), Mauro Aranha, o problema é bem maior. “Há aí uma clara subnotificação das mortes”, afirma. Segundo ele, o governo precisa melhorar a logística nos municípios para que os médicos possam informar os dados reais. “Isso é fundamental para que se possa trabalhar políticas públicas sobre drogas”, defende Aranha.
Pesquisando nas bases de dados do Datasus, técnicos do CNM elaboraram também uma lista com os 50 municípios com maiores taxas de mortalidade por drogas. No caso da mapa das mortes por álcool, Minas Gerais tem 23 municípios, Paraná, 9, e São Paulo, 5.
Quando a conta do dano causado pelo cigarro é feita na lista de 50 municípios, o Rio Grande do Sul se destaca com 17, seguido de Minas, com 7, e Santa Catarina com 6. São Paulo tem 2 municípios na lista dos 50 com maior incidência de mortes por fumo.
Em nota, o Ministério da Saúde explica que os números de 2010, divulgados pelo estudo, podem sofrer ajustes. De acordo com a nota, entre 2006 e 2009 foram notificados 31.951 óbitos com causa básica de consumo de álcool, fumo e substâncias psicoativas (como cocaína canabinoides e alucinógenos). Os dados do SIM são fornecidos pelas secretarias estaduais e municipais de Saúde e gerenciados pelo ministério.
Os óbitos de 2011 só serão conhecidos no final do ano. “O Ministério da Saúde vem desenvolvendo um conjunto de ações para aperfeiçoar o registro de óbitos no País, assim como a qualidade das informações. Uma das medidas foi a intensificação de registros de óbitos por causas mal definidas (parada cardíaca, por exemplo), que caiu de 15% (2004) para 7,8% (2011)”, diz a nota. Outra medida adotada foi a criação, em 2006, da rede nacional do Sistema de Verificação de Óbitos, utilizado para a identificação das causas de mortes naturais. “Com isso”, argumenta o governo, “houve ampliação da notificação no País, por meio do SIM. O sistema capta atualmente 94% dos óbitos ocorridos no território nacional. Esse porcentual está acima do padrão internacional (90%)”.
Levantamento em sistema do Datasus mostra que álcool, fumo, psicotrópicos e cocaína tiraram a vida de 40 mil brasileiros entre os anos de 2006 e 2010
O uso de drogas matou 40.692 pessoas no País entre 2006 e 2010, uma média de 8 mil óbitos por ano. Estudo sobre mortes por drogas legais ou ilegais, registradas no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, mostra que o álcool é o campeão na mortandade.
O levantamento feito na base de dados do Datasus, obtido pelo Estado, informa que a bebida tirou a vida de 34.573 pessoas – 84,9% dos casos informados por médicos em formulários que avisam o governo federal sobre a causa da morte nesse grupo da população. Em segundo lugar aparece o fumo, com 4.625 mortos (11,3%). A cocaína matou pelo menos 354 pessoas no período.
Feita pelo Observatório do Crack, da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), a pesquisa aponta que, na comparação por gênero, há mais registros de morte de homens por álcool e fumo. Em cinco anos, 31.118 homens perderam a vida por causa da bebida. Outros 3.250 morreram em casos associados diretamente ao cigarro.
Na comparação da devastação por Estado, os mineiros lideram as mortes por álcool, com 0,82 morte para cada 100 mil habitantes, seguidos pelos cearenses, com 0,77 morte/100 mil pessoas. Depois aparecem os sergipanos, com 0,73/100 mil. São Paulo registra 0,53 morte para cada 100 mil habitantes.
O levantamento da CNM revela que em São Paulo houve 1.120 vítimas do uso abusivo do álcool em 2006. Em 2010, porém, o sistema registra uma queda de 14% nas informações. O SIM alcança 979 pessoas mortas por consumo de bebida. O Estado que menos apresenta perda de vidas por álcool é o Amapá: quatro em 2006, dez em 2009 e cinco em 2010.
Quando a causa do óbito é o fumo, o campeão de mortes de usuários é o Rio Grande do Sul. A taxa de óbitos pelo tabaco chega a 0,36 para cada 100 mil. A seguir aparecem Piauí e Rio Grande do Norte, ambos com 0,33/100 mil.
A duas principais drogas legalizadas no País, álcool e fumo, juntas, segundo o estudo, mataram 39.198 pessoas em cinco anos. – ou 96,2% do total. Os técnicos da CNM alertam, no entanto, que os dados de 2010 ainda são preliminares.
A devastação pode ser maior. O preenchimento das fichas para informação não é simples e o sistema tem casos de mortes classificadas como óbito por substâncias psicoativas (480). São os casos nos quais é informado no formulário um código que junta mais de uma droga associada à morte.
A Declaração de Óbito (DO) é composta por 9 blocos e 62 variáveis que apontam causa e local da morte. O preenchimento é de responsabilidade do médico, conforme estabelecido pelos Conselhos Federal e Estadual de Medicina, diz o estudo.
Para o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, há uma urgente necessidade de combater o problema das drogas nos municípios. “E não se está fazendo isso. O problema estoura é nos municípios”, afirma.
Ziulkoski diz que a média de cerca de 8 mil óbitos, encontrada no SIM, é um número subestimado. “Não há uma cultura de informação dos médicos”, acrescenta. Para ele, “o País precisa ver que a política de prevenção do uso de drogas é precária”. O estudo abrange 2 mil municípios. “A situação é alarmante.”
Para o vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), Mauro Aranha, o problema é bem maior. “Há aí uma clara subnotificação das mortes”, afirma. Segundo ele, o governo precisa melhorar a logística nos municípios para que os médicos possam informar os dados reais. “Isso é fundamental para que se possa trabalhar políticas públicas sobre drogas”, defende Aranha.
Pesquisando nas bases de dados do Datasus, técnicos do CNM elaboraram também uma lista com os 50 municípios com maiores taxas de mortalidade por drogas. No caso da mapa das mortes por álcool, Minas Gerais tem 23 municípios, Paraná, 9, e São Paulo, 5.
Quando a conta do dano causado pelo cigarro é feita na lista de 50 municípios, o Rio Grande do Sul se destaca com 17, seguido de Minas, com 7, e Santa Catarina com 6. São Paulo tem 2 municípios na lista dos 50 com maior incidência de mortes por fumo.
Em nota, o Ministério da Saúde explica que os números de 2010, divulgados pelo estudo, podem sofrer ajustes. De acordo com a nota, entre 2006 e 2009 foram notificados 31.951 óbitos com causa básica de consumo de álcool, fumo e substâncias psicoativas (como cocaína canabinoides e alucinógenos). Os dados do SIM são fornecidos pelas secretarias estaduais e municipais de Saúde e gerenciados pelo ministério.
Os óbitos de 2011 só serão conhecidos no final do ano. “O Ministério da Saúde vem desenvolvendo um conjunto de ações para aperfeiçoar o registro de óbitos no País, assim como a qualidade das informações. Uma das medidas foi a intensificação de registros de óbitos por causas mal definidas (parada cardíaca, por exemplo), que caiu de 15% (2004) para 7,8% (2011)”, diz a nota. Outra medida adotada foi a criação, em 2006, da rede nacional do Sistema de Verificação de Óbitos, utilizado para a identificação das causas de mortes naturais. “Com isso”, argumenta o governo, “houve ampliação da notificação no País, por meio do SIM. O sistema capta atualmente 94% dos óbitos ocorridos no território nacional. Esse porcentual está acima do padrão internacional (90%)”.
24 janeiro, 2012
Combatemos o vício, não o viciado
Fonte : Revista Época - MARCELO MOURA
O responsável pela política antidrogas mais elogiada do mundo critica a internação compulsória adotada no Rio de Janeiro e a ação da polícia em São Paulo
João Goulão, chefe das agências portuguesa e europeia de combate às drogas, foi a São Paulo na semana passada divulgar o World Bike Tour. Para o português de 56 anos, seu trabalho pode ser tão amplo que chega à promoção de um passeio ciclístico. A ideia de que o esporte pode ajudar a manter as pessoas longe do vício levou à cidade da Cracolândia o responsável pelo plano antidrogas mais elogiado do mundo. Em 2001, Portugal descriminalizou o consumo de drogas e criou uma rede de assistência aos viciados que inclui incentivos fiscais para empresas que queiram contratá-los. Com iniciativas ousadas, o país acabou com suas cracolândias e passou a registrar os menores índices de consumo de drogas entre os jovens na Europa.
ÉPOCA – O consumo de drogas em São Paulo é tão grave que há 15 anos uma área no centro da cidade é conhecida pelo nome de Cracolândia. Nunca trouxeram o senhor para visitá-la antes?
João Goulão – Não, agora vou aproveitar a vinda para o passeio ciclístico para conhecer. Estive no Rio de Janeiro em novembro. Vi como as forças de segurança tomaram um espaço e, em seguida, resumiram-se a dar apoio aos serviços sociais, sem uma postura agressiva. Parece a atitude adequada.
ÉPOCA – Lisboa teve um local de consumo como São Paulo?
Goulão – Teve. Ficava no Casal Ventoso, um bairro litorâneo habitado por trabalhadores portuários. Quando Portugal perdeu suas colônias, na década de 1970, a atividade naval decaiu e houve muito desemprego naquele bairro. Aquelas pessoas conheciam marinheiros e passaram a se dedicar ao contrabando, primeiro de produtos de consumo e depois de drogas. O bairro de gente pobre foi colonizado por bandidos e tornou-se o maior supermercado de drogas da Europa, visitado diariamente por mais de 5 mil pessoas.
ÉPOCA – No início de janeiro, a Polícia Militar de São Paulo entrou na Cracolândia sem agentes sociais, com armas e balas de borracha. Como foi o combate às drogas no Casal Ventoso?
Goulão – Nossa abordagem foi de assistência social. A polícia entrou para acompanhar os assistentes. Começamos com uma política de troca de seringas usadas por novas, o que foi importantíssimo para controlar o crescimento dos casos de aids ligados a drogas injetáveis. Depois de cinco anos de trabalho, ganhamos a confiança dos viciados e conseguimos aproximá-los dos serviços de saúde. Penso que não teria sido possível se tivesse havido a entrada de forças policiais e o envio para tratamento quase compulsório.
ÉPOCA – O governo federal anunciou o destino de verbas para clínicas de internação compulsória, e o Rio de Janeiro adotou esse procedimento há poucos meses. É uma iniciativa necessária para tratar pessoas em estágio avançado de vício?
Goulão – Não acredito no sucesso da internação compulsória. O viciado vai à força para um lugar fora da realidade, fisicamente impedido de consumir drogas. Como ele vai se comportar ao sair? Para deixar o vício, a pessoa precisa reformatar seus hábitos. Não é só retirar uma substância, é mudar o estilo de vida. A internação voluntária é um processo demorado, mas considero mais eficaz.
ÉPOCA – Como esperar força de vontade de alguém que, por causa do vício, perdeu qualquer tipo de motivação?
Goulão – De fato, estamos lidando com seres que se encontram numa condição quase animalesca. É preciso resgatar a dignidade, noções de higiene, o orgulho por pequenas coisas. Só depois disso, motivar a internação voluntária. É difícil, mas entendo que assim funciona a intervenção.
ÉPOCA – Áreas dominadas por viciados despertam repulsa na sociedade. Como política de tratamento, é melhor dispersar os viciados pela cidade ou aproveitar a reunião deles?
Goulão – Quando tivemos nossa cracolândia, nós não a dispersamos. Cinco anos depois de entrar com o serviço médico e social, quando o Casal Ventoso já não era um polo de consumo, fizemos uma operação de reurbanização com remoção de casas e mudança dos moradores.
ÉPOCA – O crack é uma droga diferente das outras?
Goulão – O crack tem um poder viciante fortíssimo, e não há uma substância química que o substitua num tratamento terapêutico. A abordagem é mais complexa e demorada que a da heroína, principal droga em Portugal. O trabalho de educação, redução de danos e tratamento é mais difícil.
ÉPOCA – Como são as campanhas antidrogas de Portugal?
Goulão – Desistimos de fazer propagandas na televisão com mensagens para o grande público. Elas custavam caro e traziam pouco resultado. Hoje, mapeamos grupos, como jovens que deixaram a escola e filhos de viciados. São trabalhos dirigidos, feitos nos lugares onde está o público potencial.
ÉPOCA – Como o departamento antidrogas aborda os viciados?
Goulão – Os órgãos de saúde e assistência social precisam conhecer de perto que tipo de crack está nas ruas. Saber inclusive quanto as drogas à venda estão adulteradas, para então difundir, entre os usuários, a partir de qual dose consumida há risco de morte
ÉPOCA – Os órgãos de saúde devem orientar os usuários sobre quanta droga eles podem consumir?
Goulão – Exatamente. A mensagem deve ser: “Não consuma drogas, mas, se consumir, tome certos cuidados”. Não consuma sozinho, porque, se houver um pequeno acidente, ninguém vai poder ajudar. Passamos mensagens que ajudam a pessoa a correr menos riscos.
ÉPOCA – Orientar o consumo de drogas não é uma postura que beira o incentivo?
Goulão – Em primeiro lugar, nosso objetivo é salvar vidas. Em segundo lugar, ganhar a confiança das pessoas para orientá-las a deixar o vício. Ainda estamos muito formatados à ideia de que consumir drogas é pecado. Não conseguimos encarar o dependente de drogas como fazemos com um diabético, que é dependente de insulina. Só faremos progressos significativos quando abandonarmos essa carga ideológica.
ÉPOCA – Como Portugal encara os viciados?
Goulão – Encaramos o dependente como fazemos com um diabético. Damos a ele oportunidade de tratamento sem custo, com privacidade e sem condenação. Na lei que adotamos há dez anos, consumir drogas não é mais crime. É como dirigir sem cinto de segurança: o infrator não vai para a cadeia, não é fichado por isso.
ÉPOCA – Como uma sociedade conservadora como a portuguesa aceitou descriminalizar o consumo de drogas?
Goulão – A explicação está na própria origem do consumo em Portugal. O uso de drogas fez parte da explosão de liberdade que o país viveu com o fim da ditadura, em 1974. Começou com maconha, e um dia o vendedor de maconha ofereceu cocaína, heroína... De repente os viciados já representavam 1% da população, todo mundo tinha algum na família. Então foi fácil para a sociedade perceber que o dependente era uma pessoa honesta precisando de ajuda. E, ao ser mandada para a cadeia, a pessoa sairia pior do que entrou. A descriminalização das drogas foi uma decisão tomada de baixo para cima, e não determinada pelos políticos.
ÉPOCA – A ausência de punição não incentiva mais pessoas a experimentar drogas?
Goulão – Isso não tem acontecido. Desde a descriminalização, a experimentação de drogas entre os mais jovens caiu. Não sei dizer por quê. Talvez porque os jovens de uma forma geral gostem de desafiar a autoridade e, hoje, consumir drogas é menos desafiante. Em compensação, temos mais jovens se embebedando. Se o apelo da droga não está mais no desafio à lei, a bebida alcoólica é mais barata e disponível.
ÉPOCA – Um problema entre os viciados é voltar à vida social. Quais são as soluções de Portugal?
Goulão – O governo abriu linhas de crédito para pequenas empresas abertas por toxicodependentes, assim como incentivos fiscais a empresas que contratem essas pessoas.
ÉPOCA – Num momento de crise econômica na Europa, favorecer o emprego de viciados parece uma questão polêmica.
Goulão – É sim. Algumas pessoas dizem: “Será que tenho de usar drogas para conseguir trabalho?”. Isso aumenta o estigma dos dependentes. É muito complicado lutar por um programa de discriminação positiva. Ultimamente, tenho ficado bem quieto, sem pedir nada. Apenas peço que não cortem muito o orçamento do departamento antidrogas português, para não perdermos as conquistas atuais.
ÉPOCA – Quanto o departamento antidrogas gasta por ano?
Goulão – O orçamento anual do instituto é de € 75 milhões, 80% deles dedicados a tratamento. De maneiras mais ou menos intensivas, ele atende 45 mil pessoas.
ÉPOCA – Quanto Portugal economiza ao devolver viciados em drogas à vida produtiva?
Goulão – Trabalhos acadêmicos estimam que cada euro investido na recuperação de viciados leva à economia de e 20. Esse valor inclui a produtividade da pessoa e a economia por não ter de tratar doenças relacionadas ao vício, como a aids.
ÉPOCA – O senhor considera o modelo português replicável em países maiores, como o Brasil e os Estados Unidos?
Goulão – Acredito que alguns aspectos sejam válidos em qualquer realidade. Mesmo com uma linha de criminalização do consumo, penso que um olhar mais próximo das pessoas é válido. Em Portugal, combatemos o vício, não o viciado.
O responsável pela política antidrogas mais elogiada do mundo critica a internação compulsória adotada no Rio de Janeiro e a ação da polícia em São Paulo
João Goulão, chefe das agências portuguesa e europeia de combate às drogas, foi a São Paulo na semana passada divulgar o World Bike Tour. Para o português de 56 anos, seu trabalho pode ser tão amplo que chega à promoção de um passeio ciclístico. A ideia de que o esporte pode ajudar a manter as pessoas longe do vício levou à cidade da Cracolândia o responsável pelo plano antidrogas mais elogiado do mundo. Em 2001, Portugal descriminalizou o consumo de drogas e criou uma rede de assistência aos viciados que inclui incentivos fiscais para empresas que queiram contratá-los. Com iniciativas ousadas, o país acabou com suas cracolândias e passou a registrar os menores índices de consumo de drogas entre os jovens na Europa.
ÉPOCA – O consumo de drogas em São Paulo é tão grave que há 15 anos uma área no centro da cidade é conhecida pelo nome de Cracolândia. Nunca trouxeram o senhor para visitá-la antes?
João Goulão – Não, agora vou aproveitar a vinda para o passeio ciclístico para conhecer. Estive no Rio de Janeiro em novembro. Vi como as forças de segurança tomaram um espaço e, em seguida, resumiram-se a dar apoio aos serviços sociais, sem uma postura agressiva. Parece a atitude adequada.
ÉPOCA – Lisboa teve um local de consumo como São Paulo?
Goulão – Teve. Ficava no Casal Ventoso, um bairro litorâneo habitado por trabalhadores portuários. Quando Portugal perdeu suas colônias, na década de 1970, a atividade naval decaiu e houve muito desemprego naquele bairro. Aquelas pessoas conheciam marinheiros e passaram a se dedicar ao contrabando, primeiro de produtos de consumo e depois de drogas. O bairro de gente pobre foi colonizado por bandidos e tornou-se o maior supermercado de drogas da Europa, visitado diariamente por mais de 5 mil pessoas.
ÉPOCA – No início de janeiro, a Polícia Militar de São Paulo entrou na Cracolândia sem agentes sociais, com armas e balas de borracha. Como foi o combate às drogas no Casal Ventoso?
Goulão – Nossa abordagem foi de assistência social. A polícia entrou para acompanhar os assistentes. Começamos com uma política de troca de seringas usadas por novas, o que foi importantíssimo para controlar o crescimento dos casos de aids ligados a drogas injetáveis. Depois de cinco anos de trabalho, ganhamos a confiança dos viciados e conseguimos aproximá-los dos serviços de saúde. Penso que não teria sido possível se tivesse havido a entrada de forças policiais e o envio para tratamento quase compulsório.
ÉPOCA – O governo federal anunciou o destino de verbas para clínicas de internação compulsória, e o Rio de Janeiro adotou esse procedimento há poucos meses. É uma iniciativa necessária para tratar pessoas em estágio avançado de vício?
Goulão – Não acredito no sucesso da internação compulsória. O viciado vai à força para um lugar fora da realidade, fisicamente impedido de consumir drogas. Como ele vai se comportar ao sair? Para deixar o vício, a pessoa precisa reformatar seus hábitos. Não é só retirar uma substância, é mudar o estilo de vida. A internação voluntária é um processo demorado, mas considero mais eficaz.
ÉPOCA – Como esperar força de vontade de alguém que, por causa do vício, perdeu qualquer tipo de motivação?
Goulão – De fato, estamos lidando com seres que se encontram numa condição quase animalesca. É preciso resgatar a dignidade, noções de higiene, o orgulho por pequenas coisas. Só depois disso, motivar a internação voluntária. É difícil, mas entendo que assim funciona a intervenção.
ÉPOCA – Áreas dominadas por viciados despertam repulsa na sociedade. Como política de tratamento, é melhor dispersar os viciados pela cidade ou aproveitar a reunião deles?
Goulão – Quando tivemos nossa cracolândia, nós não a dispersamos. Cinco anos depois de entrar com o serviço médico e social, quando o Casal Ventoso já não era um polo de consumo, fizemos uma operação de reurbanização com remoção de casas e mudança dos moradores.
ÉPOCA – O crack é uma droga diferente das outras?
Goulão – O crack tem um poder viciante fortíssimo, e não há uma substância química que o substitua num tratamento terapêutico. A abordagem é mais complexa e demorada que a da heroína, principal droga em Portugal. O trabalho de educação, redução de danos e tratamento é mais difícil.
ÉPOCA – Como são as campanhas antidrogas de Portugal?
Goulão – Desistimos de fazer propagandas na televisão com mensagens para o grande público. Elas custavam caro e traziam pouco resultado. Hoje, mapeamos grupos, como jovens que deixaram a escola e filhos de viciados. São trabalhos dirigidos, feitos nos lugares onde está o público potencial.
ÉPOCA – Como o departamento antidrogas aborda os viciados?
Goulão – Os órgãos de saúde e assistência social precisam conhecer de perto que tipo de crack está nas ruas. Saber inclusive quanto as drogas à venda estão adulteradas, para então difundir, entre os usuários, a partir de qual dose consumida há risco de morte
ÉPOCA – Os órgãos de saúde devem orientar os usuários sobre quanta droga eles podem consumir?
Goulão – Exatamente. A mensagem deve ser: “Não consuma drogas, mas, se consumir, tome certos cuidados”. Não consuma sozinho, porque, se houver um pequeno acidente, ninguém vai poder ajudar. Passamos mensagens que ajudam a pessoa a correr menos riscos.
ÉPOCA – Orientar o consumo de drogas não é uma postura que beira o incentivo?
Goulão – Em primeiro lugar, nosso objetivo é salvar vidas. Em segundo lugar, ganhar a confiança das pessoas para orientá-las a deixar o vício. Ainda estamos muito formatados à ideia de que consumir drogas é pecado. Não conseguimos encarar o dependente de drogas como fazemos com um diabético, que é dependente de insulina. Só faremos progressos significativos quando abandonarmos essa carga ideológica.
ÉPOCA – Como Portugal encara os viciados?
Goulão – Encaramos o dependente como fazemos com um diabético. Damos a ele oportunidade de tratamento sem custo, com privacidade e sem condenação. Na lei que adotamos há dez anos, consumir drogas não é mais crime. É como dirigir sem cinto de segurança: o infrator não vai para a cadeia, não é fichado por isso.
ÉPOCA – Como uma sociedade conservadora como a portuguesa aceitou descriminalizar o consumo de drogas?
Goulão – A explicação está na própria origem do consumo em Portugal. O uso de drogas fez parte da explosão de liberdade que o país viveu com o fim da ditadura, em 1974. Começou com maconha, e um dia o vendedor de maconha ofereceu cocaína, heroína... De repente os viciados já representavam 1% da população, todo mundo tinha algum na família. Então foi fácil para a sociedade perceber que o dependente era uma pessoa honesta precisando de ajuda. E, ao ser mandada para a cadeia, a pessoa sairia pior do que entrou. A descriminalização das drogas foi uma decisão tomada de baixo para cima, e não determinada pelos políticos.
ÉPOCA – A ausência de punição não incentiva mais pessoas a experimentar drogas?
Goulão – Isso não tem acontecido. Desde a descriminalização, a experimentação de drogas entre os mais jovens caiu. Não sei dizer por quê. Talvez porque os jovens de uma forma geral gostem de desafiar a autoridade e, hoje, consumir drogas é menos desafiante. Em compensação, temos mais jovens se embebedando. Se o apelo da droga não está mais no desafio à lei, a bebida alcoólica é mais barata e disponível.
ÉPOCA – Um problema entre os viciados é voltar à vida social. Quais são as soluções de Portugal?
Goulão – O governo abriu linhas de crédito para pequenas empresas abertas por toxicodependentes, assim como incentivos fiscais a empresas que contratem essas pessoas.
ÉPOCA – Num momento de crise econômica na Europa, favorecer o emprego de viciados parece uma questão polêmica.
Goulão – É sim. Algumas pessoas dizem: “Será que tenho de usar drogas para conseguir trabalho?”. Isso aumenta o estigma dos dependentes. É muito complicado lutar por um programa de discriminação positiva. Ultimamente, tenho ficado bem quieto, sem pedir nada. Apenas peço que não cortem muito o orçamento do departamento antidrogas português, para não perdermos as conquistas atuais.
ÉPOCA – Quanto o departamento antidrogas gasta por ano?
Goulão – O orçamento anual do instituto é de € 75 milhões, 80% deles dedicados a tratamento. De maneiras mais ou menos intensivas, ele atende 45 mil pessoas.
ÉPOCA – Quanto Portugal economiza ao devolver viciados em drogas à vida produtiva?
Goulão – Trabalhos acadêmicos estimam que cada euro investido na recuperação de viciados leva à economia de e 20. Esse valor inclui a produtividade da pessoa e a economia por não ter de tratar doenças relacionadas ao vício, como a aids.
ÉPOCA – O senhor considera o modelo português replicável em países maiores, como o Brasil e os Estados Unidos?
Goulão – Acredito que alguns aspectos sejam válidos em qualquer realidade. Mesmo com uma linha de criminalização do consumo, penso que um olhar mais próximo das pessoas é válido. Em Portugal, combatemos o vício, não o viciado.
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17 janeiro, 2012
Internação Compulsório é sistema de isolamento social, não de tratamento

Prof. Dr. Dartiu Xavier
Entrevista publicada na Revista Caros Amigos, edição de outubro de 2011
Por Gabriela Moncau
A demonização do crack e uma suposta epidemia que estaria se espalhando pelo Brasil tem progressivamente tomado conta da imprensa e dos discursos dos políticos, como bem ilustrou a disputa eleitoral presidencial no final do ano passado, de modo que um imaginário social mais baseado em medo que em informações tem sido usado para justificar uma série de políticas polêmicas por parte do Estado no já questionável “combate ao crack”, normalmente amparado por forças repressivas. Desde o dia 30 de maio a Secretaria Municipal de Assistência Social da Prefeitura do Rio de Janeiro tem colocado em prática o sistema de internação compulsória para crianças e adolescentes menores de idade usuários de crack em situação em rua. Os jovens são internados à força em abrigos onde são obrigados a receber tratamento psiquiátrico. Atualmente são cerca de 85 meninos e meninas que já foram recolhidos (contra a vontade) das ruas cariocas.
O modelo tem sido contestado por uma série de organizações sociais ligadas às áreas da assistência social, do direito, da luta antimanicomial, dos direitos humanos, entre outras, que vêem na suposta defesa da saúde pública um disfarce para interesses econômicos e políticos ligados à higienização, especulação imobiliária e lobby de clínicas particulares. Em manifesto, a subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) acusa a Secretaria de Assistência Social do Rio de Janeiro de atuar como uma “agência de repressão, prestando-se à segregação e aumentando a apartação social que deveria reduzir, desconsiderando inclusive que o enfrentamento da fome é determinante no combate ao uso do crack, em especial da população de rua”. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) tampouco se mostrou satisfeito com a medida, que entende como inconstitucional. O Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) classificou as ações como “práticas punitivas” e “higienistas”, em uma postura segregadora que nega o “direito à cidadania, em total desrespeito aos direitos arduamente conquistados na Constituição Federal, contemplados no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, no Sistema Único da Saúde – SUS e no Sistema Único da Assistência Social – SUAS”.
Respondendo à acusação de inconstitucionalidade, os defensores e idealizadores da medida atestam que na Lei 10.216, que trata de saúde mental, estão preconizados os três tipos de internação: voluntária, involuntária (sem o consentimento ou contra a vontade do paciente, com aval da família e laudo médico) e compulsória (com recomendação médica e imposição judicial). Já os que se posicionam contra alegam que, na prática, ao invés da ordem de internação compulsória ser impetrada por um juiz após análise de cada caso e com um laudo médico, ela está sendo determinada pelo Poder Executivo, de forma massificada e antes da adoção de outras medidas extra-hospitalares.
O prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (ex-DEM, quase PSD) já afirmou que vê com bons olhos a ideia de implementar modelo semelhante na capital paulista, especialmente na região central da cidade, nas chamadas “crackolândias”. O Ministério Público já foi procurado pela prefeitura para assumir um posicionamento acerca da possibilidade, mas declarou que ainda está aguardando um projeto oficial impresso.
O Estado deve se fazer presente para esses jovens em situação de rua? Se sim, de que forma? O fato de serem menores de idade e/ou usuários de drogas lhes tira a capacidade de discernimento? É efetivo o tratamento feito contra a vontade do paciente? Que outros tipos de procedimentos podem ser adotados? No intuito de ajudar a responder essas e outras perguntas, a Caros Amigos conversou com o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, professor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e diretor do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes (PROAD), onde trabalha com dependentes químicos há 24 anos.
A internação compulsória não faz parte de nenhuma política pública, certo? Quando que esse dispositivo costuma ser usado? Não é só em casos específicos de possibilidade de risco da vida?
Sim. Todo uso de drogas pode trazer algum risco de vida, mas a internação compulsória é um dispositivo para ser usado quando existe um risco constatado de suicídio. A outra situação é quando existe um quadro mental associado do tipo psicose, seria quando a pessoa tem um julgamento falseado da realidade: se ela acha que está sendo perseguida por alienígenas ou se acredita que pode voar e resolve pular pela janela. Nessas situações de psicose ou um risco de suicídio é quando poderíamos lançar mão de uma internação involuntária.
Tiveram outros momentos da história em que a internação compulsória foi usada desse modo que está sendo implementado no Rio de Janeiro e prestes a ser em São Paulo?
Foi usada principalmente antes da luta antimanicomial. Tanto que existe até aquele filme, “O bicho de sete cabeças”, com o Rodrigo Santoro, que mostra os abusos que se faziam, no caso era um usuário de maconha que foi internado numa clínica psiquiátrica contra a vontade. Isso hoje é juridicamente uma coisa muito complicada, de modo geral não é mais aceito. Mas vou te dizer uma coisa: infelizmente ainda acontece hoje em dia. Volta e meia sou chamado para atender alguém que foi internado compulsoriamente contra a vontade, sem citação de internação.
Quais são os efeitos de ansiolíticos e calmantes injetáveis? Você acredita que essas substâncias que estão sendo usadas nas clínicas do RJ são medicamentos adequados para crianças usuárias de crack?
Eu não sei efetivamente o que está sendo feito nessas clínicas no Rio, o que eu sei é que a gente não tem o aparelho de Estado nem que dê conta das internações voluntárias. Ou seja, você pega uma pessoa que tem uma dependência química associada com psicose ou risco de suicídio e temos todas as indicações médicas e até a anuência do paciente de ser internado – estou falando da internação voluntária –, ainda assim não temos estrutura para atender essas pessoas. O que acontece é que se está recorrendo a um modelo considerado ultrapassado, um modelo carcerário, dos grandes hospícios. Então mesmo para as internações voluntárias acaba sendo usado um modelo de internação ineficaz. Se não temos estruturas nem para as internações voluntárias, imagine para as compulsórias.
O ansiolítico é um calmante forte?
Sim, ele vai diminuir a ansiedade da pessoa. Você pode usar também antidepressivos que diminuam a vontade da pessoa de usar aquela droga. Mas tudo isso são paliativos, porque na verdade o grande determinante para a pessoa para de usar a droga ou não, é a força de vontade. Por exemplo, eu quero parar de fumar, então eu posso tomar um calmante para diminuir esse meu desejo absurdo de fumar, mas se eu não tiver a motivação da minha decisão de parar, não vai existir calmante que me faça parar de fumar. Ele não age por si só. Daí um dos problemas de tratar alguém que não está convencido de ser tratado.
Você afirma que o número de dependentes de drogas é muito inferior ao número de usuários, que não tem problemas com o consumo de drogas.
Exatamente. Para maconha e para álcool é menos de 10% dos usuários que se tornam dependentes. Para crack, por volta de 20% a 25% que se tornam dependentes, os outros permanecem no padrão de uso recreacional. Nem todo consumo é problemático.
Esse sistema, então, corre o risco de internar usuários que não são dependentes de fato?
É muito provável que isso aconteça. Sobretudo porque existe uma lógica muito perversa da internação compulsória que atribui a situação de miséria e de rua à droga, quando na realidade a droga não é a causa daquilo, ela é consequência. Acredito que o trabalho feito nas ruas, nas crackolândias e com crianças de rua deveria ser no sentido de resgate de cidadania, moradia, educação, saúde.
O que você acha do tratamento da dependência sem que a pessoa tenha o desejo de ser tratada? Existe possibilidade de eficiência?
A eficácia é muito baixa. Existem estudos mostrando que nesses modelos de internação compulsória o máximo que se consegue de eficácia é 2%, ou seja, 98% das pessoas que saem da internação recaem depois. Certamente porque a pessoa não está nem convencida a parar.
O Estado, de modo geral, vem se omitindo há décadas a respeito da situação de jovens moradores de rua em situações de vulnerabilidade. Por que você acha que começaram a agir agora, e desse modo?
Acredito que é por conta de uma diversidade enorme de variáveis. O que tem se falado muito é que é uma medida higienista de tirar as pessoas das ruas e que começou no Rio de Janeiro por causa da proximidade de Copa e Olimpíadas. É uma forma de tirar os miseráveis das ruas. Já vi também tentativas de implementação de internação compulsória por uma questão política, necessidade de o governante mostrar que está fazendo alguma coisa pela população, pelos drogados, apesar de ser uma coisa que não funciona pode render votos.
Para inglês ver.
Exatamente, para inglês ver. No caso da Copa e das Olimpíadas, literalmente para ingleses e outros gringos verem.
O tema da internação tem gerado bastante polêmica, um dos argumentos apresentados aos que se posicionam contra a internação é de que se trata de menores de idade, e o Estado tem a obrigação de fazer-se presente, de cuidar das crianças e adolescentes. O que você acha disso e o que considera que deveria ser uma boa medida por parte do Estado nessas situações?
Acho que o argumento é válido e acho que é verdade que o Estado realmente tem que cuidar dessas crianças. Só que não acho que isso seja cuidar. Cuidar é dar moradia, educação, saúde. Não é colocar a pessoa em um cárcere psiquiátrico, em um manicômio. Porque é isso que vai acontecer: vão ser grandes depósitos de crianças desfavorecidas e que usam drogas.
Muitos dizem que a internação compulsória para essas crianças e jovens mascara um problema maior, o da desigualdade social, da falta de educação, moradia, saúde, etc. Porém, os que defendem a internação afirmam que é uma medida para algo emergencial. Você vê alternativas que respondem à emergência que alegam para a situação?
Esses trabalhos das equipes multidisciplinares de rua que já fazem um trabalho, mas que deveriam ser aumentados. O trabalho deve ser na rua. As redes de CAPS [Centro de Atenção Psicossocial] são um bom exemplo e deveriam ser ampliadas.
Como funcionam?
Da seguinte forma: uma equipe multidisciplinar que tem familiaridade exclusiva com o problema das drogas vai fazendo um trabalho muito de formiguinha, porque cada caso é um caso. Eles vão identificar qual é a problemática daquela pessoa, porque a pessoa está na rua, se é por uma questão familiar, se é por uma questão de abandono total, ou seja, cada situação tem que ser vista na sua singularidade justamente para ver como que entra a droga nessa singularidade.
Fizemos um trabalho na rua uma vez com umas adolescentes que usavam drogas e perguntamos o motivo do uso, elas disseram “Olha tio, a gente usa drogas porque para comer a gente precisa se prostituir. A gente é muito pequena, para ter uma relação sexual com um adulto a gente precisa se drogar, senão a gente não agüenta de dor”. Quem diria que o problema dessas meninas é a droga? Eu acho que é o último problema dessas meninas.
É apresentada a necessidade da internação compulsória para crianças e adolescentes baseada em duas premissas que fundamentariam a não possibilidade de tomarem decisões por si próprios: a de que são menores de idade e a de que sendo dependentes de crack não poderiam pensar com sanidade. O fato de usarem essa última justificativa abre precedente para a internação compulsória de adultos?
Certamente. E essa segunda justificativa cai por terra na hora que pensamos naquele dado que eu falei, dos usuários de crack 75% a 80% são usuários recreacionais: são pessoas que trabalham, são produtivas, que tem família, que levam a vida. No meu consultório particular eu atendo executivos que são usuários recreacionais de crack, você vai dizer que o crack torna a pessoa incapaz de pensar? Não, não se pode atribuir isso ao crack. Poderíamos fazer o mesmo raciocínio com o cigarro. O indivíduo não consegue parar de fumar, está se matando, vai ter um câncer, então ele é considerado incapaz? Bom, ele é capaz de ganhar dinheiro, de ter relações sociais, de tomar uma série de decisões na vida, não dá para atribuir isso ao cigarro.
O que, por exemplo, o secretário municipal de Assistência Social do Rio, Rodrigo Bethlem, fala é que o crack é diferente de qualquer outra droga porque “faz com que a pessoa perca a noção completa da realidade”.
Isso não é verdade. Não existe isso. O crack é como a cocaína, ou seja, a pessoa não perde a noção da realidade, é que a compulsão pelo uso é muito intensa.
Fale um pouco sobre as condições a que os doentes mentais internados geralmente são submetidos no Brasil.
É muito complicado. É um sistema que ainda guarda muito da herança do sistema carcerário, o sistema dos manicômios. Por exemplo, um dos hospitais que tem sido citado pela mídia como modelo aqui em São Paulo de possibilidade de tratamento de dependentes é uma estrutura psiquiátrica. Esse hospital, eu não posso dizer o nome por questão de segurança, está sob intervenção do Ministério Público por maus tratos aos pacientes. Esse hospital que é considerado modelo. O que devemos esperar dos outros, que nem são vendidos como modelos? Na verdade o que é preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como tratamento para dependentes é a internação de curto prazo só para fazer a desintoxicação, cerca de 15 dias, no máximo 30 dias, e em unidades dentro do hospital geral. Por isso que eu montei há 10 anos atrás uma estrutura dentro do hospital geral para esses casos de internação.
Aqui no Brasil são poucos os hospitais que tem essa unidade?
Pouquíssimos. Em geral aqui no Brasil se usa o modelo manicomial ainda.
Como funciona o modelo manicomial?
É o modelo onde o indivíduo fica internado meses ou anos, não recebe atendimento multidisciplinar, não vai ser submetido à psicoterapia, recebe algum tipo de medicação – nem sempre é a medicação adequada para ele. Eu fiz um estudo há 5 anos atrás com 300 dependentes internados em hospitais psiquiátricos. Para se ter uma ideia, 90% deles, embora tivessem supostamente sendo atendidos por médicos psiquiatras, não tinha tido seu diagnóstico psiquiátrico identificado! Eles tinham depressão, fobia social, enfim, isso não foi identificado. Ou seja: é um sistema de depósito, não é um sistema de tratamento. Por isso que eu chamo de sistema carcerário, é de isolamento social, não de tratamento.
Você afirmou que “a dependência de drogas não se resolve por decreto. As medidas totalitárias promovem um alívio passageiro, como um ‘barato’ que entorpece a realidade”. Você acha que existe a ilusão por parte dos idealizadores desse sistema de que medidas como a internação compulsória resolvam o problema ou você acredita que de fato a intenção é maquiar a realidade?
Eu conheço gente bem intencionada que acredita nisso. Mas é claro que pessoas mal intencionadas também estão envolvidas nisso. Por exemplo, eu estava conversando com o Dráuzio Varella, que é a favor da internação compulsória. Ele dava os prós e eu os contras, e foi interessante porque ele é uma pessoa muito bem intencionada. Não sei se ele mudou de ideia depois que conversamos, mas acredito que tenha relativizado uma série de coisas que ele pensava. O Dráuzio é uma pessoa que eu considero que está autenticamente defendendo essa ideia, com embasamento coerente, só que não vai funcionar. Foi o que eu falei para ele.
Em São Paulo, a gestão Kassab pretende permitir que a GCM leve à força pessoas que não aceitarem serem retiradas da rua. Pretende também implementar um sistema de “padrinhos”, que seriam profissionais nomeados nas centrais de triagem para acompanhar um paciente durante a sua internação compulsória, até estar supostamente apto para uma “reintegração social”. O que você acha desse sistema?
Esse sistema vai furar porque é uma ingerência na vida privada das pessoas, é contra o direito de ir e vir, contra os direitos humanos. E na verdade o que vai acontecer é que isso vai funcionar – funcionar entre aspas porque não será eficaz – nas populações carentes. Porque quem é classe média e alta e tiver fumando crack na rua, vai ser pego mas o papai vai por ele numa clínica chique, vai ficar uma semana, e vai para casa depois. Então é um sistema bastante questionável do ponto de vista ético, porque vai ser aplicado nas populações “indesejáveis”. Além disso, grande parte das pessoas que eu vejo defenderem a internação compulsória são donos de hospitais psiquiátricos que vão se beneficiar diretamente com isso.
Você concorda com esse discurso que tanto aparece na mídia de que o crack é mesmo um dos maiores problemas do Brasil?
Não, isso é uma fabricação. Não existe essa epidemia de crack de que tanto se fala. Não estou dizendo que a dependência de crack não é uma coisa grave, é gravíssima. No meu serviço eu atendo 600 pessoas por mês, metade ou 40% é dependente de crack. Então o problema existe e o problema é sério. Só que ele não aumentou. Eu atendo essa frequência de dependentes há 15 anos. O que se criou é a ideia falsa de uma epidemia de crack quando o grande problema da saúde pública do Brasil dentro da área de drogas ainda é o álcool, sem dúvidas. Eu não sei qual foi o mote disso. Os estudos que o próprio Ministério da Saúde e a SENAD [Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas] divulgam não comprovam a existência de uma epidemia de crack.
Por que, apesar desse discurso demonizador do crack, você acha que as pessoas continuam buscando o crack? Quais são os efeitos positivos que faz com que a demanda persista?
Se a gente for ver a heroína na Europa e nos Estados Unidos – a heroína não é uma droga muito discutida comparada ao crack – conseguimos fazer prevenção, tratamento, mas sempre aparecem novos usuários. Tem pessoas que tem esse comportamento de risco, em geral são pessoas impulsivas mas é algo turbinado por uma situação de exclusão social.
Qual a importância da redução de danos?
A redução de danos é um conjunto de estratégias que a gente usa para aquelas pessoas que não podem parar de usar drogas, ou porque não querem ou porque não conseguem. Normalmente o que se fazia antigamente era ‘olha, não deu certo o tratamento, o indivíduo não ficou abstinente, então sinto muito, vai continuar dependente’. A redução de danos surgiu justamente para essas pessoas que não conseguiram se tratar ou que não aceitaram o tratamento mas que são formas e estratégias para diminuir os riscos relacionados ao consumo. Então por exemplo, teve um estudo sobre redução de danos publicado há anos atrás fora do Brasil, a respeito de um grupo de usuários de crack que não conseguia se tratar de forma nenhuma. Mas começaram a relatar que quando eles usavam maconha, conseguiam segurar e não usar crack. Eu acompanhei esse grupo de pessoas por um ano e para a nossa surpresa, 68% deles abandonou o crack através do uso de maconha. Depois de três meses tinham abandonado o crack. Até brinquei na época que as pessoas falam que a maconha é porta de entrada para outras drogas, mas ela pode ser porta de saída também.
Gabriela Moncau é jornalista.
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30 novembro, 2011
Santo Daime pode ser opção para tratar dependentes químicos
Santo Daime pode ser opção para tratar dependentes químicos
Marcelo Pellegrini
Da Agência USP
Grupos que agem no centro de São Paulo vem utilizando o ritual-religioso Ayahuasca, mais conhecido como Santo Daime, como terapia de tratamento para a recuperação de moradores de rua dependentes químicos. A prática foi verificada e analisada pelo psicólogo Bruno Ramos Gomes, em um estudo desenvolvido pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP.
Composto por uma mistura de plantas amazônicas, o chá do Santo Daime é o elemento central de um ritual xamânico herdado da cultura indígena. Após verificar o uso da bebida por diferentes grupos e associações, o psicólogo iniciou, em 2009, um acompanhamento das ações da Unidade de Resgate Flor das Águas Padrinho Sebastião, que focava suas ações na recuperação de moradores de rua que faziam uso intenso de álcool e crack. A Unidade filantrópica agiu no centro da cidade, em especial no bairro do Glicério, de 1996 a 2010.
Recuperação pelo Chá
Segundo o psicólogo, os relatos de um morador de rua revelaram que ele estava consciente de que não se curaria do HIV e que a terapia não o iria fazer parar de beber. Mas, ao mesmo tempo, foi graças à terapia que o homem entendeu o que o fazia beber e o que o levou àquela situação. “Cabia a ele, a partir disso, se livrar ou não do uso problemático”.
Para Gomes, este tipo de relato demonstra que o efeito terapêutico do chá do Santo Daime não é o aspecto principal do tratamento, não podendo ser considerado efetivo de forma isolada, mas, apenas a partir da experiência simbólica dos rituais. “É importante ressaltar que os efeitos da terapia estão menos ligados aos efeitos da substância no organismo. O elemento central desta modalidade terápica está nos rituais e no elemento religioso e sagrado”, afirma.
De acordo com as experiências relatadas pelos participantes do tratamento, o ritual age na construção de ideais morais de cada pessoa e, com isso, indica em que sentido cada um deve agir para modificar sua situação.
Este efeito está diretamente relacionado com a terapia, segundo Gomes. “Os rituais e o ambiente inédito de retiro espiritual em um sítio do interior de São Paulo contribuíram para uma experiência significativa para estas pessoas. Esta experiência foi capaz de as fazer refletir sobre a causa de sua situação e o que fazer para alterá-la”, diz.
Riscos
O estudo, no entanto, pondera sobre os riscos do uso do chá. “Pouco se conhece sobre as substâncias presentes no chá. Existe o risco de interação medicamentosa. Ou seja, caso o chá seja ingerido por um paciente que se medica com antidepressivos e outros medicamentos, a bebida pode interagir negativamente com estes remédios, mas pouco se conhece sobre isso”, avalia o psicólogo. Além disso, a ingestão do chá implica em fortes náuseas.
Para contornar estas reações e adaptar o organismo à bebida, os grupos submetiam os pacientes a dietas e a um retiro espiritual, em uma área arborizada no interior do estado de São Paulo. Ainda assim, Gomes relata que a ingestão do chá xamânico dependia do aval dos membros da Unidade. “Existia uma relação de confiança entre os moradores de rua e os realizadores do projeto. Por conta disso e por acreditarem que nem todas as pessoas estavam prontas para a terapia, nem sempre todos os pacientes podiam ingerir a bebida”, explica..
O uso ritual-religioso do Santo Daime foi regulamentado no Brasil em 2006. Contudo, seu uso terapêutico necessita de comprovações científicas para constatar a legitimidade e efetividade do tratamento para que seja permitido, de acordo com o estudo. O trabalho denominado O sentido do uso ritual da ayahuasca em trabalho voltado ao tratamento e recuperação da população em situação de rua em São Paulo, foi orientado pelo professor Rubens de Camargo Ferreira Adorno, da FSP.
Marcelo Pellegrini
Da Agência USP
Grupos que agem no centro de São Paulo vem utilizando o ritual-religioso Ayahuasca, mais conhecido como Santo Daime, como terapia de tratamento para a recuperação de moradores de rua dependentes químicos. A prática foi verificada e analisada pelo psicólogo Bruno Ramos Gomes, em um estudo desenvolvido pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP.
Composto por uma mistura de plantas amazônicas, o chá do Santo Daime é o elemento central de um ritual xamânico herdado da cultura indígena. Após verificar o uso da bebida por diferentes grupos e associações, o psicólogo iniciou, em 2009, um acompanhamento das ações da Unidade de Resgate Flor das Águas Padrinho Sebastião, que focava suas ações na recuperação de moradores de rua que faziam uso intenso de álcool e crack. A Unidade filantrópica agiu no centro da cidade, em especial no bairro do Glicério, de 1996 a 2010.
Recuperação pelo Chá
Segundo o psicólogo, os relatos de um morador de rua revelaram que ele estava consciente de que não se curaria do HIV e que a terapia não o iria fazer parar de beber. Mas, ao mesmo tempo, foi graças à terapia que o homem entendeu o que o fazia beber e o que o levou àquela situação. “Cabia a ele, a partir disso, se livrar ou não do uso problemático”.
Para Gomes, este tipo de relato demonstra que o efeito terapêutico do chá do Santo Daime não é o aspecto principal do tratamento, não podendo ser considerado efetivo de forma isolada, mas, apenas a partir da experiência simbólica dos rituais. “É importante ressaltar que os efeitos da terapia estão menos ligados aos efeitos da substância no organismo. O elemento central desta modalidade terápica está nos rituais e no elemento religioso e sagrado”, afirma.
De acordo com as experiências relatadas pelos participantes do tratamento, o ritual age na construção de ideais morais de cada pessoa e, com isso, indica em que sentido cada um deve agir para modificar sua situação.
Este efeito está diretamente relacionado com a terapia, segundo Gomes. “Os rituais e o ambiente inédito de retiro espiritual em um sítio do interior de São Paulo contribuíram para uma experiência significativa para estas pessoas. Esta experiência foi capaz de as fazer refletir sobre a causa de sua situação e o que fazer para alterá-la”, diz.
Riscos
O estudo, no entanto, pondera sobre os riscos do uso do chá. “Pouco se conhece sobre as substâncias presentes no chá. Existe o risco de interação medicamentosa. Ou seja, caso o chá seja ingerido por um paciente que se medica com antidepressivos e outros medicamentos, a bebida pode interagir negativamente com estes remédios, mas pouco se conhece sobre isso”, avalia o psicólogo. Além disso, a ingestão do chá implica em fortes náuseas.
Para contornar estas reações e adaptar o organismo à bebida, os grupos submetiam os pacientes a dietas e a um retiro espiritual, em uma área arborizada no interior do estado de São Paulo. Ainda assim, Gomes relata que a ingestão do chá xamânico dependia do aval dos membros da Unidade. “Existia uma relação de confiança entre os moradores de rua e os realizadores do projeto. Por conta disso e por acreditarem que nem todas as pessoas estavam prontas para a terapia, nem sempre todos os pacientes podiam ingerir a bebida”, explica..
O uso ritual-religioso do Santo Daime foi regulamentado no Brasil em 2006. Contudo, seu uso terapêutico necessita de comprovações científicas para constatar a legitimidade e efetividade do tratamento para que seja permitido, de acordo com o estudo. O trabalho denominado O sentido do uso ritual da ayahuasca em trabalho voltado ao tratamento e recuperação da população em situação de rua em São Paulo, foi orientado pelo professor Rubens de Camargo Ferreira Adorno, da FSP.
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10 setembro, 2011
A epidemia de doença mental
Por que cresce assombrosamente o número de pessoas com transtornos mentais e de pacientes tratados com antidepressivos e outros medicamentos psicoativos
por Marcia Angell
Fonte : Revista Piauí
Parece que os americanos estão em meio a uma violenta epidemia de doenças mentais. A quantidade de pessoas incapacitadas por transtornos mentais, e com direito a receber a renda de seguridade suplementar ou o seguro por incapacidade, aumentou quase duas vezes e meia entre 1987 e 2007 – de 1 em cada 184 americanos passou para 1 em 76.
No que se refere às crianças, o número é ainda mais espantoso: um aumento de 35 vezes nas mesmas duas décadas. A doença mental é hoje a principal causa de incapacitação de crianças, bem à frente de deficiências físicas como a paralisia cerebral ou a síndrome de Down.
Um grande estudo de adultos (selecionados aleatoriamente), patrocinado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental, realizado entre 2001 e 2003, descobriu que um percentual assombroso de 46% se encaixava nos critérios estabelecidos pela Associação Americana de Psiquiatria, por ter tido em algum momento de suas vidas pelo menos uma doença mental, entre quatro categorias.
As categorias seriam “transtornos de ansiedade”, que incluem fobias e estresse pós-traumático; “transtornos de humor”, como depressão e transtorno bipolar; “transtornos de controle dos impulsos”, que abrangem problemas de comportamento e de déficit de atenção/hiperatividade; e “transtornos causados pelo uso de substâncias”, como o abuso de álcool e drogas. A maioria dos pesquisados se encaixava em mais de um diagnóstico.
O tratamento médico desses transtornos quase sempre implica o uso de drogas psicoativas, os medicamentos que afetam o estado mental.Na verdade, a maioria dos psiquiatras usa apenas remédios no tratamento e encaminha os pacientes para psicólogos ou terapeutas se acha que uma psicoterapia é igualmente necessária.
A substituição da “terapia de conversa” pela das drogas como tratamento majoritário coincide com o surgimento, nas últimas quatro décadas, da teoria de que as doenças mentais são causadas por desequilíbrios químicos no cérebro, que podem ser corrigidos pelo uso de medicamentos. Essa teoria passou a ser amplamente aceita pela mídia e pelo público, bem como pelos médicos, depois que o Prozac chegou ao mercado, em 1987, e foi intensamente divulgado como um corretivo para a deficiência de serotonina no cérebro.
O número de pessoas depressivas tratadas triplicou nos dez anos seguintes e, hoje, cerca de 10% dos americanos com mais de 6 anos de idade tomam antidepressivos. O aumento do uso de drogas para tratar a psicose é ainda mais impressionante. A nova geração de antipsicóticos, como o Risperdal, o Zyprexa e o Seroquel, ultrapassou os redutores do colesterol no topo da lista de remédios mais vendidos nos Estados Unidos.
que está acontecendo? A preponderância das doenças mentais sobre as físicas é de fato tão alta, e continua a crescer? Se os transtornos mentais são biologicamente determinados e não um produto de influências ambientais, é plausível supor que o seu crescimento seja real? Ou será que estamos aprendendo a diagnosticar transtornos mentais que sempre existiram? Ou, por outro lado, será que simplesmente ampliamos os critérios para definir as doenças mentais, de modo que quase todo mundo agora sofre de uma delas? E o que dizer dos medicamentos que viraram a base dos tratamentos? Eles funcionam? E, se funcionam, não deveríamos esperar que o número de doentes mentais estivesse em declínio e não em ascensão?
Essas são as questões que preocupam os autores de três livros provocativos, aqui analisados. Eles vêm de diferentes formações: Irving Kirsch é psicólogo da Universidade de Hull, no Reino Unido; Robert Whitaker é jornalista; e Daniel Carlat é um psiquiatra que clinica num subúrbio de Boston.
Os autores enfatizam diferentes aspectos da epidemia de doença mental. Kirsch está preocupado em saber se os antidepressivos funcionam. Whitaker pergunta se as drogas psicoativas não criam problemas piores do que aqueles que resolvem. Carlat examina como a sua profissão se aliou à indústria farmacêutica e é manipulada por ela. Mas, apesar de suas diferenças, os três estão de acordo sobre algumas questões importantes.
Em primeiro lugar, concordam que é preocupante a extensão com a qual as empresas que vendem drogas psicoativas – por meio de várias formas de marketing, tanto legal como ilegal, e usando o que muita gente chamaria de suborno – passaram a determinar o que constitui uma doença mental e como os distúrbios devem ser diagnosticados e tratados.
Em segundo lugar, nenhum dos três aceita a teoria de que a doença mental é provocada por um desequilíbrio químico no cérebro. Whitaker conta que essa teoria surgiu pouco depois que os remédios psicotrópicos foram introduzidos no mercado, na década de 50. O primeiro foi o Amplictil (clorpromazina), lançado em 1954, que rapidamente passou a ser muito usado em hospitais psiquiátricos, para acalmar pacientes psicóticos, sobretudo os com esquizofrenia. No ano seguinte, chegou o Miltown (meprobamato), vendido para tratar a ansiedade em pacientes ambulatoriais. Em 1957, o Marsilid (iproniazid) entrou no mercado como um “energizador psíquico” para tratar a depressão.
Desse modo, no curto espaço de três anos, tornaram-se disponíveis medicamentos para tratar aquelas que, na época, eram consideradas as três principais categorias de doença mental – ansiedade, psicose e depressão – e a psiquiatria transformou-se totalmente. Essas drogas, no entanto, não haviam sido desenvolvidas para tratar doenças mentais. Elas foram derivadas de remédios destinados ao combate de infecções, e se descobriu por acaso que alteravam o estado mental.
No início, ninguém tinha ideia de como funcionavam. Elas simplesmente embotavam sintomas mentais perturbadores. Durante a década seguinte, pesquisadores descobriram que essas drogas afetavam os níveis de certas substâncias químicas no cérebro.
m pouco de pano de fundo, e necessariamente muito simplificado: o cérebro contém bilhões de células nervosas, os neurônios, distribuídos em redes complexas, que se comunicam uns com os outros constantemente. O neurônio típico tem múltiplas extensões filamentosas (uma chamada axônio e as outras chamadas dendritos), por meio das quais ele envia e recebe sinais de outros neurônios. Para um neurônio se comunicar com outro, no entanto, o sinal deve ser transmitido através do minúsculo espaço que os separa, a sinapse. Para conseguir isso, o axônio do neurônio libera na sinapse uma substância química chamada neurotransmissor.
O neurotransmissor atravessa a sinapse e liga-se a receptores no segundo neurônio, muitas vezes um dendrito, ativando ou inibindo a célula receptora. Os axônios têm vários terminais e, desse modo, cada neurônio tem múltiplas sinapses. Depois, o neurotransmissor é reabsorvido pelo primeiro neurônio ou metabolizado pelas enzimas, de tal modo que o status quo anterior é restaurado.
uando se descobriu que as drogas psicoativas afetam os níveis de neurotransmissores, surgiu a teoria de que a causa da doença mental é uma anormalidade na concentração cerebral desses elementos químicos, a qual é combatida pelo medicamento apropriado.
Por exemplo: como o Thorazine diminui os níveis de dopamina no cérebro, postulou-se que psicoses como a esquizofrenia são causadas por excesso de dopamina. Ou então: tendo em vista que alguns antidepressivos aumentam os níveis do neurotransmissor chamado serotonina, defendeu-se que a depressão é causada pela escassez de serotonina. Antidepressivos como o Prozac ou o Celexa impedem a reabsorção de serotonina pelos neurônios que a liberam, e assim ela permanece mais nas sinapses e ativa outros neurônios. Desse modo, em vez de desenvolver um medicamento para tratar uma anormalidade, uma anormalidade foi postulada para se adequar a um medicamento.
Trata-se de uma grande pirueta lógica, como apontam os três autores. Era perfeitamente possível que as drogas que afetam os níveis dos neurotransmissores pudessem aliviar os sintomas, mesmo que os neurotransmissores não tivessem nada a ver com a doença. Como escreve Carlat: “Por essa mesma lógica, se poderia argumentar que a causa de todos os estados de dor é uma deficiência de opiáceos, uma vez que analgésicos narcóticos ativam os receptores de opiáceos do cérebro.” Ou, do mesmo modo, se poderia dizer que as febres são causadas pela escassez de aspirina.
Mas o principal problema com essa teoria é que, após décadas tentando prová-la, os pesquisadores ainda estão de mãos vazias. Os três autores documentam o fracasso dos cientistas para encontrar boas provas a seu favor. Antes do tratamento, a função dos neurotransmissores parece ser normal nas pessoas com doença mental. Nas palavras de Whitaker:
Antes do tratamento, os pacientes diagnosticados com depressão, esquizofrenia e outros transtornos psiquiátricos não sofrem nenhum “desequilíbrio químico”. No entanto, depois que uma pessoa passa a tomar medicação psiquiátrica, que perturba a mecânica normal de uma via neuronal, seu cérebro começa a funcionar... anormalmente.
Carlat refere-se à teoria do desequilíbrio químico como um “mito” (que ele chama de “conveniente” porque reduziria o estigma da doença mental). E Kirsch,cujo livro centra-se na depressão, resume a questão assim: “Parece fora de dúvida que o conceito tradicional de considerar a depressão como um desequilíbrio químico no cérebro está simplesmente errado.” (O motivo da persistência dessa teoria, apesar da falta de provas, é um tema que tratarei adiante.)
Os remédios funcionam? Afinal de contas, independentemente da teoria, essa é a questão prática. Em seu livro seco e extremamente cativante, The Emperor’s New Drugs [As Novas Drogas do Imperador], Kirsch descreve os seus quinze anos de pesquisa científica para responder a essa pergunta, no que diz respeito aos antidepressivos.
Quando começou o trabalho em 1995, seu principal interesse eram os efeitos de placebos. Para estudá-los, ele e um colega revisaram 38 ensaios clínicos que comparavam vários tratamentos da depressão com placebos, ou comparavam a psicoterapia com nenhum tratamento. A maioria dessas experiências durava de seis a oito semanas, e durante esse período os pacientes tendiam a melhorar um pouco, mesmo se não tivessem nenhum tratamento.
Mas Kirsch descobriu que os placebos eram três vezes mais eficazes do que a ausência de tratamento. Isso não o surpreendeu. O que o surpreendeu mesmo foi que os antidepressivos foram apenas marginalmente mais úteis do que os placebos: 75% dos placebos foram tão eficazes quanto os antidepressivos. Kirsch resolveu então repetir o estudo, dessa vez com a análise de um conjunto de dados mais completo e padronizado.
Os dados que ele usou foram obtidos da Food and Drug Administration, a FDA [o órgão público americano encarregado do licenciamento e controle de medicamentos]. Quando buscam a aprovação da FDA para comercializar um novo remédio, os laboratórios farmacêuticos devem apresentar à agência todos os testes clínicos que patrocinaram. Os testes são geralmente duplo-cego e controlados com placebo. Ou seja: os pacientes participantes recebem aleatoriamente a droga ou o placebo, e nem eles nem os seus médicos sabem o que receberam.
Os pacientes são informados de que receberão ou um medicamento ativo ou um placebo. E também são avisados dos efeitos colaterais que podem ocorrer. Se dois testes comprovam que o medicamento é mais eficaz do que o placebo, ele é geralmente aprovado. Mas os laboratórios podem patrocinar quantos testes quiserem, e a maioria deles pode dar negativo – isto é, não mostrar a eficácia do remédio. Tudo o que eles precisam é de dois testes com resultados positivos. (Os resultados dos testes de um mesmo medicamento podem variar por muitas razões, entre elas a forma como o ensaio foi concebido e realizado, seu tamanho e os tipos de pacientes pesquisados.)
Por razões óbvias, as indústrias farmacêuticas fazem questão de que seus testes positivos sejam publicados em revistas médicas, e os médicos fiquem sabendo deles. Já os testes negativos ficam nas gavetas da FDA, que os considera propriedade privada e, portanto, confidenciais. Essa prática distorce a literatura médica, o ensino da medicina e as decisões de tratamento.
irsch e seus colegas usaram a Lei de Liberdade de Informação para obter as revisões da FDA de todos os testes clínicos controlados por placebo, positivos ou negativos, submetidos para a aprovação dos seis antidepressivos mais utilizados, aprovados entre 1987 e 1999: Prozac, Paxil, Zoloft, Celexa, Serzone e Effexor.
Ao todo, havia 42 testes das seis drogas. A maioria deles era negativo. No total, os placebos eram 82% tão eficazes quanto os medicamentos, tal como medido pela Escala de Depressão de Hamilton, uma classificação dos sintomas de depressão amplamente utilizada. A diferença média entre remédio e placebo era de apenas 1,8 ponto na Escala, uma diferença que, embora estatisticamente significativa, era insignificante do ponto de vista clínico. Os resultados foram quase os mesmos para as seis drogas: todos igualmente inexpressivos. No entanto, como os estudos positivos foram amplamente divulgados, enquanto os negativos eram escondidos, o público e os médicos passaram a acreditar que esses medicamentos antidepressivos eram altamente eficazes.
Kirsch ficou impressionado com outro achado inesperado. Em seu estudo anterior, e em trabalhos de outros, observara que até mesmo tratamentos com substâncias que não eram consideradas antidepressivas – como hormônio sintético da tireoide, opiáceos, sedativos, estimulantes e algumas ervas medicinais – eram tão eficazes quanto os antidepressivos para aliviar os sintomas da depressão. Kirsch escreve: “Quando administrados como antidepressivos, remédios que aumentam, diminuem ou não têm nenhuma influência sobre a serotonina aliviam a depressão mais ou menos no mesmo grau.”
que todos esses medicamentos “eficazes” tinham em comum era que produziam efeitos colaterais, sobre os quais os pacientes participantes haviam sido informados de que poderiam ocorrer.
Diante da descoberta de que quase qualquer comprimido com efeitos colaterais era ligeiramente mais eficaz no tratamento da depressão do que um placebo, Kirsch especulou que a presença de efeitos colaterais em indivíduos que recebem medicamentos lhes permitia adivinhar que recebiam tratamento ativo – e isso foi corroborado por entrevistas com pacientes e médicos –, o que os tornava mais propensos a relatar uma melhora. Ele sugere que a razão pela qual os antidepressivos parecem funcionar melhor no alívio de depressão grave do que em casos menos graves é que os pacientes com sintomas graves provavelmente tomam doses mais elevadas e, portanto, sofrem mais efeitos colaterais.
ara investigar melhor se os efeitos colaterais distorciam as respostas, Kirsch analisou alguns ensaios que utilizaram placebos “ativos”, em vez de inertes. Um placebo ativo é aquele que produz efeitos colaterais, como a atropina – droga que bloqueia a ação de certos tipos de fibras nervosas. Apesar de não ser um antidepressivo, a atropina causa, entre outras coisas, secura da boca. Em testes utilizando atropina como placebo, não houve diferença entre os antidepressivos e o placebo ativo. Todos tinham efeitos colaterais, e todos relataram o mesmo nível de melhora.
Kirsch registrou outras descobertas estranhas em testes clínicos de antidepressivos, entre elas o fato de que não há nenhuma curva de dose-resposta, ou seja, altas doses não funcionavam melhor do que as baixas, o que é extremamente improvável para medicamentos eficazes.
“Ao se juntar tudo isso”, escreve Kirsch,“chega-se à conclusão de que a diferença relativamente pequena entre medicamentos e placebos pode não ser um efeito verdadeiro do remédio. Em vez disso, pode ser um efeito placebo acentuado, produzido pelo fato de que alguns pacientes passaram a perceber que recebiam medicamentos ou placebos. Se este for o caso, então não há nenhum efeito antidepressivo dos medicamentos. Em vez de compararmos placebo com remédio, estávamos comparando placebos ‘normais’ com placebos ‘extrafortes’.”
Trata-se de uma conclusão surpreendente, que desafia a opinião médica, mas Kirsch chega a ela de uma forma cuidadosa e lógica. Psiquiatras que usam antidepressivos – e isso significa a maioria deles – e pacientes que os tomam talvez insistam que sabem por experiência clínica que os medicamentos funcionam.
Mas casos individuais são uma forma traiçoeira de avaliar tratamentos médicos, pois estão sujeitos a distorções. Eles podem sugerir hipóteses a serem estudadas, mas não podem prová-las. É por isso que o desenvolvimento do teste clínico duplo-cego, aleatório e controlado com placebo, foi um avanço tão importante na ciência médica, em meados do século passado. Histórias sobre sanguessugas, megadoses de vitamina cou vários outros tratamentos populares não suportariam o escrutínio de testes bem planejados. Kirsch é um defensor devotado do método científico e sua voz, portanto, traz objetividade a um tema muitas vezes influenciado por subjetividade, emoções ou, como veremos, interesse pessoal.
livro de Whitaker, Anatomy of an Epidemic [Anatomia de uma Epidemia], é mais amplo e polêmico. Ele leva em conta todas as doenças mentais, não apenas a depressão. EnquantoKirsch conclui que os antidepressivos não são provavelmente mais eficazes do que placebos, Whitaker conclui que eles e a maioria das drogas psicoativas não são apenas ineficazes, mas prejudiciais. Whitaker começa por observar que, se o tratamento de doenças mentais por meio de medicamentos disparou, o mesmo aconteceu com as patologias tratadas:
O número de doentes mentais incapacitados aumentou imensamente desde 1955 e durante as duas últimas décadas, período em que a prescrição de medicamentos psiquiátricos explodiu e o número de adultos e crianças incapacitados por doença mental aumentou numa taxa alucinante. Assim, chegamos a uma pergunta óbvia, embora herética: o paradigma de tratamento baseado em drogas poderia estar alimentando, de alguma maneira imprevista, essa praga dos tempos modernos?
Além disso, Whitaker sustenta que a história natural da doença mental mudou. Enquanto transtornos como esquizofrenia e depressão eram outrora episódicos, e cada episódio durava não mais de seis meses, sendo intercalado por longos períodos de normalidade, os distúrbios agora são crônicos e duram a vida inteira. Whitaker acredita que isso talvez aconteça porque os medicamentos, mesmo aqueles que aliviam os sintomas em curto prazo, causam em longo prazo danos mentais que continuam depois que a doença teria naturalmente se resolvido.
As provas que ele apresenta para essa teoria variam em qualidade. Whitaker não reconhece suficientemente a dificuldade de estudar a história natural de qualquer doença durante um período de cinquenta anos, no qual muitas circunstâncias mudaram, além do uso de medicamentos. É ainda mais difícil comparar resultados de longo prazo de pacientes tratados e não tratados. No entanto, os indícios de Whitaker são sugestivos, se não conclusivos.
e as drogas psicoativas causam danos, como afirma Whitaker, qual é o seu mecanismo? A resposta, ele acredita, encontra-se em seus efeitos sobre os neurotransmissores. É bem sabido que as drogas psicoativas perturbam os neurotransmissores, mesmo que essa não seja a causa primeira da doença.
Whitaker descreve uma cadeia de efeitos. Quando, por exemplo, um antidepressivo como o Celexa aumenta os níveis de serotonina nas sinapses, ele estimula mudanças compensatórias por meio de um processo chamado feedback negativo. Em reação aos altos níveis de serotonina, os neurônios que a secretam liberam menos dela, e os neurônios pós-sinápticos tornam-se insensíveis a ela. Na verdade, o cérebro está tentando anular os efeitos da droga. O mesmo vale para os medicamentos que bloqueiam neurotransmissores, exceto no sentido inverso.
A maioria dos antipsicóticos, por exemplo, bloqueia a dopamina, mas os neurônios pré-sinápticos compensam isso liberando mais dopamina, e os neurônios pós-sinápticos a aceitam com mais avidez.
As consequências do uso prolongado de drogas psicoativas, nas palavras de Steve Hyman, até recentemente reitor da Universidade de Harvard, são “alterações substanciais e de longa duração na função neural”.
Depois de várias semanas de drogas psicoativas, os esforços de compensação do cérebro começam a falhar e surgem efeitos colaterais que refletem o mecanismo de ação dos medicamentos. Antipsicóticos causam efeitos secundários que se assemelham ao mal de Parkinson, por causa do esgotamento de dopamina (que também se esgota no Parkinson). À medida que surgem efeitos colaterais, eles são tratados por outros medicamentos, e muitos pacientes acabam tomando um coquetel de drogas psicoativas, prescrito para um coquetel de diagnósticos. Os episódios de mania causada por antidepressivos podem levar a um novo diagnóstico de “transtorno bipolar” e ao tratamento com um “estabilizador de humor”, como Depokote (anticonvulsivo), acompanhado de uma das novas drogas antipsicóticas. E assim por diante.
A respeitada pesquisadora Nancy Andreasen e seus colegas publicaram indícios de que o uso de antipsicóticos está associado ao encolhimento do cérebro, e que o efeito está diretamente relacionado à dose e à duração do tratamento. Como Andreasen explicou ao New York Times: “O córtex pré-frontal não obtém o que precisa e vai sendo fechado pelos medicamentos. Isso reduz os sintomas psicóticos. E faz também com que o córtex pré-frontal se atrofie lentamente.”
Largar os remédios é extremamente difícil, segundo Whitaker, porque quando eles são retirados, os mecanismos compensatórios ficam sem oposição. Quando se retira o Celexa, os níveis de serotonina caem bruscamente porque os neurônios pré-sinápticos não estão liberando quantidades normais. Da mesma forma, quando se suspende um antipsicótico, os níveis de dopamina podem disparar.Os sintomas produzidos pela retirada de drogas psicoativas são confundidos com recaídas da doença original, o que pode levar psiquiatras a retomar o tratamento com remédios, talvez em doses mais elevadas.
Whitaker está indignado com o que considera uma epidemia iatrogênica (isto é, introduzida inadvertidamente pelos médicos) de disfunção cerebral, especialmente a causada pelo uso generalizado dos novos antipsicóticos, como o Zyprexa, que provoca graves efeitos colaterais. Eis o que ele chama de “experimento de pensamento rápido”:
Imagine que aparece de repente um vírus que faz com que as pessoas durmam doze, catorze horas por dia. As pessoas infectadas se movimentam devagar e parecem emocionalmente desligadas. Muitas ganham quantidades imensas de peso – 10, 20 e até 50 quilos. Os seus níveis de açúcar no sangue disparam, assim como os de colesterol.
Vários dos atingidos pela doença misteriosa – entre eles, crianças e adolescentes – se tornam diabéticos. O governo federal dá centenas de milhões de dólares aos cientistas para decifrar o funcionamento do vírus, e eles relatam que ele bloqueia uma multidão de receptores no cérebro. Enquanto isso, exames de ressonância magnética descobrem que, ao longo de vários anos, o vírus encolhe o córtex cerebral, e esta diminuição está ligada ao declínio cognitivo. O público aterrorizado clama por uma cura.
Ora, essa doença está, de fato, atingindo milhões de crianças e adultos. Acabamos de descrever os efeitos do antipsicótico Zyprexa, um dos mais vendidos do laboratório Eli Lilly.
eon Eisenberg, professor da Universidade Johns Hopkins e da Escola de Medicina de Harvard, escreveu que a psiquiatria americana passou,no final do século XX, de uma fase “descerebrada” para uma “desmentalizada”. Ele quis dizer que, antes das drogas psicoativas, os psiquiatras tinham pouco interesse por neurotransmissores ou outros aspectos físicos do cérebro. Em vez disso, aceitavam a visão freudiana de que a doença mental tinha suas raízes em conflitos inconscientes, geralmente com origem na infância, que afetavam a mente como se ela fosse separada do cérebro.
om a entrada em cena dessas drogas, na década de 50 – processo que se acelerou na década de 80 –, o foco mudou para o cérebro. Os psiquiatras começaram a se referir a si mesmos como psicofarmacologistas, e se interessaram cada vez menos pelas histórias de vida dos pacientes.
A preocupação deles era eliminar ou reduzir os sintomas, tratando os pacientes com medicamentos que alterariam a função cerebral. Tendo sido um dos primeiros defensores do modelo biológico de doença mental, Eisenberg veio a se tornar um crítico do uso indiscriminado de drogas psicoativas, impulsionado pelas maquinações da indústria farmacêutica.
Quando as drogas psicoativas surgiram, houve um período de otimismo na profissão psiquiátrica, mas na década de 70 o otimismo deu lugar a uma sensação de ameaça. Ficaram claros os graves efeitos colaterais dos medicamentos e um movimento de antipsiquiatria lançou raízes, como exemplificam os escritos de Thomas Szasz e o filme Um Estranho no Ninho.
Havia também a concorrência crescente de psicólogos e terapeutas. Além disso, os psiquiatras sofreram divisões internas: alguns abraçaram o modelo biológico, outros se agarraram ao modelo freudiano, e uns poucos viam a doença mental como uma resposta sadia a um mundo insano. Ademais, dentro da medicina, os psiquiatras eram considerados uma espécie de parentes pobres: mesmo com suas novas drogas, eram vistos como menos científicos do que os outros especialistas, e sua renda era geralmente mais baixa.
No final da década de 70, os psiquiatras contra-atacaram, e com força. Como conta Robert Whitaker em Anatomy of an Epidemic, o diretor médico da Associação Americana de Psiquiatria, Melvin Sabshin, declarou, em 1977: “Devemos apoiar fortemente um esforço vigoroso para remedicalizar a psiquiatria.” E lançou uma campanha maciça de relações públicas para fazer exatamente isso.
A psiquiatria detinha uma arma poderosa, que seus concorrentes não podiam ter. Como cursaram medicina, os psiquiatras têm autoridade legal para escrever receitas. Ao abraçar o modelo biológico de doença mental, e o uso de drogas psicoativas para tratá-la, a psiquiatria conseguiu relegar os outros prestadores de serviços de saúde mental para cargos secundários. E se apresentou também como uma disciplina científica. E, o que é mais importante, ao enfatizar o tratamento medicamentoso, a psiquiatria tornou-se a queridinha da indústria farmacêutica, que logo tornou tangível sua gratidão.
Associação Americana de Psiquiatria, a APA, estava preparando então a terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM, que estabelece os critérios de diagnóstico para todos os transtornos mentais. O presidente da Associação havia indicado Robert Spitzer, eminente professor de psiquiatria da Universidade de Columbia, para chefiar a força-tarefa que supervisionaria o Manual.
As duas primeiras edições, publicadas em 1952 e 1968, refletiam a visão freudiana da doença mental, e eram pouco conhecidas fora da profissão. Spitzer decidiu fazer da terceira edição, o DSM-III, algo bem diferente. Ele prometeu que o Manual seria “uma defesa do modelo médico aplicado a problemas psiquiátricos”, e o presidente da Associação, Jack Weinberg, disse que ele “deixaria claro para quem tivesse dúvidas que consideramos a psiquiatria uma especialidade da medicina”.
Quando foi publicado, em 1980, o DSM-III continha 265 diagnósticos (acima dos 182 da edição anterior) e logo teve um uso quase universal: não apenas por parte de psiquiatras, mas também por companhias de seguros, hospitais, tribunais, prisões, escolas, pesquisadores, agências governamentais e médicos de todas as especialidades. Seu principal objetivo era trazer coerência (normalmente chamada de “confiabilidade”) ao diagnóstico psiquiátrico. Ou seja, garantir que os psiquiatras que viam o mesmo paciente concordassem com o diagnóstico. Para isso, cada diagnóstico era definido por uma lista de sintomas, com limites numéricos. Por exemplo, ter pelo menos cinco de nove sintomas determinados garantia ao paciente um diagnóstico definitivo de episódio depressivo dentro da ampla categoria de “transtornos do humor”.
Mas havia outro objetivo: justificar o uso de drogas psicoativas. Com efeito, Carol Bernstein, a presidente da apa, reconheceu isso ao escrever: “Na década de 70, foi preciso facilitar um acordo sobre diagnósticos entre clínicos, cientistas e autoridades reguladoras, dada a necessidade de ligar os pacientes aos novos tratamentos farmacológicos.”
A terceira edição do Manual era talvez mais “confiável” do que as versões anteriores, mas confiabilidade não é a mesma coisa que validade. O termo confiabilidade é usado como sinônimo de “coerência”; validade refere-se à correção ou solidez. Se todos os médicos concordassem que as sardas são um sinal de câncer, o diagnóstico seria “confiável”, mas não válido.
O problema com o Manual é que, em todas as suas edições, ele simplesmente refletia as opiniões de seus autores. E, no caso do DSM-III, sobretudo as opiniões do próprio Spitzer, que foi apontado com justiça como um dos psiquiatras mais influentes do século xx. Em suas palavras, ele “pegou todo mundo com quem se sentia à vontade” para participar da força-tarefa de quinze membros, e houve queixas de que ele convocou poucas reuniões e conduziu o processo de uma maneira desordenada, mas ditatorial.
Num artigo de 1984 intitulado “As desvantagens do DSM-III superam suas vantagens”, George Vaillant, professor de psiquiatria de Harvard, afirmou que o DSM-III representou “uma audaciosa série de escolhas baseadas em palpite, gosto, preconceito e esperança”, o que parece ser uma boa descrição.
DSM se tornou a bíblia da psiquiatria e, tal como a Bíblia cristã, dependia muito de algo parecido com a fé: não há nele citações de estudos científicos para sustentar suas decisões. É uma omissão espantosa, porque em todas as publicações médicas, sejam revistas ou livros didáticos, as declarações de fatos devem estar apoiadas em referências comprováveis. (Há quatro “livros de consulta” separados para a edição atual do DSM, que apresentam a razão para algumas decisões, junto com referências, mas isso não é a mesma coisa que referências específicas.)
Pode ser de muito interesse para um grupo de especialistas se reunir e dar suas opiniões, mas a menos que essas opiniões possam ser sustentadas por provas, elas não autorizam a deferência extraordinária dedicada ao DSM. “A cada edição subsequente”, escreve Daniel Carlat, “o número de categorias de diagnósticos se multiplicava, e os livros se tornaram maiores e mais caros. Cada um deles se tornou um best-seller, e o DSM é hoje uma das principais fontes de renda da Associação Americana de Psiquiatria.” O Manual atual, o DSM-IV, vendeu mais de 1 milhão de exemplares.
Os laboratórios farmacêuticos passaram a dar toda a atenção e generosidade aos psiquiatras, tanto individual como coletivamente, direta e indiretamente. Choveram presentes e amostras grátis, contratos de consultores e palestrantes, refeições, ajuda para participar de conferências. Quando os estados de Minnesota e Vermont implantaram “leis de transparência”, que exigem que os laboratórios informem todos os pagamentos a médicos, descobriu-se que os psiquiatras recebiam mais dinheiro do que os médicos de qualquer outra especialidade. A indústria farmacêutica também subsidia as reuniões da APA e outras conferências psiquiátricas. Cerca de um quinto do financiamento da APA vem agora da indústria farmacêutica.
Os laboratórios buscam conquistar psiquiatras de centros médicos universitários de prestígio. Chamados pela indústria de “líderes-chave de opinião”, eles são os profissionais que, por meio do que escrevem e ensinam, influenciam o tratamento das doenças mentais. Eles também publicam grande parte da pesquisa clínica sobre medicamentos e, o que é fundamental, determinam o conteúdo do DSM. Em certo sentido, eles são a melhor equipe de vendas que a indústria poderia ter e valem cada centavo gasto com eles. Dos 170 colaboradores da versão atual do DSM, dos quais quase todos poderiam ser descritos como líderes-chave, 95 tinham vínculos financeiros com laboratórios farmacêuticos, inclusive todos os colaboradores das seções sobre transtornos de humor e esquizofrenia.
Carlat pergunta: “Por que os psiquiatras estão na frente de todos os outros especialistas quando se trata de tomar dinheiro de laboratórios?” Sua resposta: “Nossos diagnósticos são subjetivos e expansíveis, e temos poucas razões racionais para a escolha de um tratamento em relação a outro.” Ao contrário das enfermidades tratadas pela maioria dos outros ramos da medicina, não há sinais ou exames objetivos para as doenças mentais – nenhum dado de laboratório ou descoberta por ressonância magnética – e as fronteiras entre o normal e o anormal são muitas vezes pouco claras. Isso torna possível expandir as fronteiras do diagnóstico ou até mesmo criar novas diagnoses, de uma forma que seria impossível, por exemplo, em um campo como a cardiologia. E as empresas farmacêuticas têm todo o interesse em induzir os psiquiatras a fazer exatamente isso.
Além do dinheiro gasto com os psiquiatras, os laboratórios apoiam muitos grupos de defesa de pacientes e organizações educacionais. Whitaker informa que, somente no primeiro trimestre de 2009, o “Eli Lilly deu 551 mil dólares à Aliança Nacional para Doenças Mentais, 465 mil dólares para a Associação Nacional de Saúde Mental, 130 mil dólares para um grupo de defesa dos pacientes de déficit de atenção/hiperatividade, e 69 250 dólares para a Fundação Americana de Prevenção ao Suicídio”.
E isso foi o que apenas um laboratório gastou em três meses; pode-se imaginar qual deve ser o total anual de todas as empresas que produzem drogas psicoativas. Esses grupos aparentemente existem para conscientizar a opinião pública sobre transtornos psiquiátricos, mas também têm o efeito de promover o uso de drogas psicoativas e influenciar os planos de saúde para cobri-los.
omo a maioria dos psiquiatras, Carlat trata seus pacientes apenas com medicamentos, sem terapia de conversa, e é sincero a respeito das vantagens de fazer isso. Ele calcula que, se atender três pacientes por hora com psicofarmacologia, ganha cerca de 180 dólares por hora dos planos de saúde. Em contrapartida, poderia atender apenas um paciente por hora com terapia de conversa, pela qual os planos lhe pagariam menos de 100 dólares. Carlat não acredita que a psicofarmacologia seja particularmente complicada, muito menos precisa, embora o público seja levado a acreditar que é.
Seu trabalho consiste em fazer aos pacientes uma série de perguntas sobre seus sintomas, para ver se eles combinam com algum dos transtornos catalogados no DSM. Esse exercício de correspondência, diz ele, propicia “a ilusão de que compreendemos os nossos pacientes, quando tudo o que estamos fazendo é atribuir-lhes rótulos”. Muitas vezes os pacientes preenchem critérios para mais de um diagnóstico, porque há sobreposição de sintomas.
Um dos pacientes de Carlat acabou com sete diagnósticos distintos. “Nós miramos sintomas distintos com os tratamentos, e outros medicamentos são adicionados para tratar os efeitos colaterais.” Um paciente típico, diz ele, pode estar tomando Celexa para depressão, Ativan para ansiedade, Ambien para insônia, Provigil para fadiga (um efeito colateral do Celexa) e Viagra para impotência (outro efeito colateral do Celexa).
Quanto aos próprios medicamentos, Carlat escreve que “há apenas um punhado de categorias guarda-chuva de drogas psicotrópicas”, sob as quais os medicamentos não são muito diferentes uns dos outros. Ele não acredita que exista muita base para escolher entre eles. E resume:
Assim é a moderna psicofarmacologia. Guiados apenas por sintomas, tentamos diferentes medicamentos, sem nenhuma concepção verdadeira do que estamos tentando corrigir, ou de como as drogas estão funcionando. Espanto-me que sejamos tão eficazes para tantos pacientes.
Carlat passa então a especular, como Kirsch em The Emperor’s New Drugs, que os pacientes talvez estejam respondendo a um efeito placebo ativado. Se as drogas psicoativas não são tudo o que é alardeado – e os indícios indicam que não são –, o que acontece com os próprios diagnósticos? Como eles se multiplicam a cada edição do DSM?
m 1999, a APA começou a trabalhar em sua quinta revisão do DSM, programado para ser publicado em 2013. A força-tarefa de 27 membros é chefiada por David Kupfer, professor de psiquiatria da Universidade de Pittsburgh. Tal como nas edições anteriores, a força-tarefa é assessorada por vários grupos de trabalho, que agora totalizam cercade 140 membros, correspondentes às categorias principais de diagnóstico. As deliberações e propostas em curso foram amplamente divulgadas, e parece que a constelação de transtornos mentais vai crescer ainda mais.
Em particular, os limites dos diagnósticos serão ampliados para incluir os precursores dos transtornos, tais como “síndrome do risco de psicose” e “transtorno cognitivo leve” (possível início do mal de Alzheimer). O termo “espectro” é usado para ampliar categorias, e temos,por exemplo, “espectro de transtorno obsessivo-compulsivo”, “transtorno do espectro da esquizofrenia” e “transtorno do espectro do autismo”. E há propostas para a inclusão de distúrbios totalmente novos, como “transtorno hipersexual”, “síndrome das pernas inquietas” e “compulsão alimentar”. Até mesmo Allen Frances, presidente da força-tarefa do DSM-IV, escreveu que a próxima edição do Manual será uma “mina de ouro para a indústria farmacêutica”.
A indústria farmacêutica influencia psiquiatras a receitar drogas psicoativas até mesmo a pacientes para os quais os medicamentos não foram considerados seguros e eficazes. O que deveria preocupar enormemente é o aumento espantoso do diagnóstico e tratamento de doenças mentais em crianças, algumas com apenas 2 anos de idade. Essas crianças são tratadas muitas vezes com medicamentos que nunca foram aprovados pela FDA para uso nessa faixa etária, e têm efeitos colaterais graves. A prevalência de “transtorno bipolar juvenil” aumentou quarenta vezes entre 1993 e 2004, e a de “autismo” aumentou de 1 em 500 crianças para 1 em 90 ao longo da mesma década. Dez por cento dos meninos de 10 anos de idade tomam agora estimulantes diários para o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade.
Seria muito difícil achar uma criança de 2 anos que não seja às vezes irritante, um menino de 5ª série que não seja ocasionalmente desatento, ou uma menina no ensino médio que não seja ansiosa. Rotular essas crianças como tendo um transtorno mental e tratá-las com medicamentos depende muito de quem elas são e das pressões que seus pais enfrentam.
Como as famílias de baixa renda estão passando por dificuldades econômicas crescentes, muitas descobriram que o pedido de renda de seguridade suplementar com base na invalidez mental é a única maneira de sobreviver. Segundo um estudo da Universidade Rutgers, descobriu-se que crianças de famílias de baixa renda têm quatro vezes mais probabilidade de receber medicamentos antipsicóticos do que crianças com plano de saúde privado.
Os livros de Irving Kirsch, Robert Whitaker e Daniel Carlat são acusações enérgicas ao modo como a psiquiatria é praticada hoje em dia. Eles documentam o “frenesi” do diagnóstico, o uso excessivo de medicamentos com efeitos colaterais devastadores e os conflitos de interesse generalizados. Os críticos podem argumentar, como Nancy Andreasen o faz em seu artigo sobre a perda de tecido cerebral no tratamento antipsicótico de longo prazo, que os efeitos colaterais são o preço que se deve pagar para aliviar o sofrimento causado pela doença mental. Se soubéssemos que os benefícios das drogas psicoativas superam seus danos, isso seria um argumento forte, uma vez que não há dúvida de que muitas pessoas sofrem gravemente com doenças mentais. Mas como Kirsch, Whitaker e Carlat argumentam, essa expectativa pode estar errada.
o mínimo, precisamos parar de pensar que as drogas psicoativas são o melhor e, muitas vezes, o único tratamento para as doenças mentais. Tanto a psicoterapia como os exercícios físicos têm se mostrado tão eficazes quanto os medicamentos para a depressão, e seus efeitos são mais duradouros. Mas, infelizmente, não existe indústria que promova essas alternativas. Mais pesquisas são necessárias para estudar alternativas às drogas psicoativas.
Em particular, precisamos repensar o tratamento de crianças. Nesse ponto, o problema é muitas vezes uma família perturbada em circunstâncias conturbadas. Tratamentos voltados para essas condições ambientais – como auxílio individual para pais ou centros pós-escola para as crianças – devem ser estudados e comparados com o tratamento farmacológico.
No longo prazo, essas alternativas seriam provavelmente mais baratas. Nossa confiança nas drogas psicoativas, receitadas para todos os descontentes com a vida, tende a excluir as outras opções. Em vista dos riscos, e da eficácia questionável dos medicamentos em longo prazo, precisamos fazer melhor do que isso. Acima de tudo, devemos lembrar o consagrado ditado médico: em primeiro lugar, não causar dano (primum non nocere).
Meu comentário: exatamente, a indústria farmacêutica manipula dados e os médicos para vender mais e ter lucro, sem se importar verdadeiramente com o bem estar das pessoas. Por isso, nesse mundo, a ibogaína não encontra espaço.
por Marcia Angell
Fonte : Revista Piauí
Parece que os americanos estão em meio a uma violenta epidemia de doenças mentais. A quantidade de pessoas incapacitadas por transtornos mentais, e com direito a receber a renda de seguridade suplementar ou o seguro por incapacidade, aumentou quase duas vezes e meia entre 1987 e 2007 – de 1 em cada 184 americanos passou para 1 em 76.
No que se refere às crianças, o número é ainda mais espantoso: um aumento de 35 vezes nas mesmas duas décadas. A doença mental é hoje a principal causa de incapacitação de crianças, bem à frente de deficiências físicas como a paralisia cerebral ou a síndrome de Down.
Um grande estudo de adultos (selecionados aleatoriamente), patrocinado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental, realizado entre 2001 e 2003, descobriu que um percentual assombroso de 46% se encaixava nos critérios estabelecidos pela Associação Americana de Psiquiatria, por ter tido em algum momento de suas vidas pelo menos uma doença mental, entre quatro categorias.
As categorias seriam “transtornos de ansiedade”, que incluem fobias e estresse pós-traumático; “transtornos de humor”, como depressão e transtorno bipolar; “transtornos de controle dos impulsos”, que abrangem problemas de comportamento e de déficit de atenção/hiperatividade; e “transtornos causados pelo uso de substâncias”, como o abuso de álcool e drogas. A maioria dos pesquisados se encaixava em mais de um diagnóstico.
O tratamento médico desses transtornos quase sempre implica o uso de drogas psicoativas, os medicamentos que afetam o estado mental.Na verdade, a maioria dos psiquiatras usa apenas remédios no tratamento e encaminha os pacientes para psicólogos ou terapeutas se acha que uma psicoterapia é igualmente necessária.
A substituição da “terapia de conversa” pela das drogas como tratamento majoritário coincide com o surgimento, nas últimas quatro décadas, da teoria de que as doenças mentais são causadas por desequilíbrios químicos no cérebro, que podem ser corrigidos pelo uso de medicamentos. Essa teoria passou a ser amplamente aceita pela mídia e pelo público, bem como pelos médicos, depois que o Prozac chegou ao mercado, em 1987, e foi intensamente divulgado como um corretivo para a deficiência de serotonina no cérebro.
O número de pessoas depressivas tratadas triplicou nos dez anos seguintes e, hoje, cerca de 10% dos americanos com mais de 6 anos de idade tomam antidepressivos. O aumento do uso de drogas para tratar a psicose é ainda mais impressionante. A nova geração de antipsicóticos, como o Risperdal, o Zyprexa e o Seroquel, ultrapassou os redutores do colesterol no topo da lista de remédios mais vendidos nos Estados Unidos.
que está acontecendo? A preponderância das doenças mentais sobre as físicas é de fato tão alta, e continua a crescer? Se os transtornos mentais são biologicamente determinados e não um produto de influências ambientais, é plausível supor que o seu crescimento seja real? Ou será que estamos aprendendo a diagnosticar transtornos mentais que sempre existiram? Ou, por outro lado, será que simplesmente ampliamos os critérios para definir as doenças mentais, de modo que quase todo mundo agora sofre de uma delas? E o que dizer dos medicamentos que viraram a base dos tratamentos? Eles funcionam? E, se funcionam, não deveríamos esperar que o número de doentes mentais estivesse em declínio e não em ascensão?
Essas são as questões que preocupam os autores de três livros provocativos, aqui analisados. Eles vêm de diferentes formações: Irving Kirsch é psicólogo da Universidade de Hull, no Reino Unido; Robert Whitaker é jornalista; e Daniel Carlat é um psiquiatra que clinica num subúrbio de Boston.
Os autores enfatizam diferentes aspectos da epidemia de doença mental. Kirsch está preocupado em saber se os antidepressivos funcionam. Whitaker pergunta se as drogas psicoativas não criam problemas piores do que aqueles que resolvem. Carlat examina como a sua profissão se aliou à indústria farmacêutica e é manipulada por ela. Mas, apesar de suas diferenças, os três estão de acordo sobre algumas questões importantes.
Em primeiro lugar, concordam que é preocupante a extensão com a qual as empresas que vendem drogas psicoativas – por meio de várias formas de marketing, tanto legal como ilegal, e usando o que muita gente chamaria de suborno – passaram a determinar o que constitui uma doença mental e como os distúrbios devem ser diagnosticados e tratados.
Em segundo lugar, nenhum dos três aceita a teoria de que a doença mental é provocada por um desequilíbrio químico no cérebro. Whitaker conta que essa teoria surgiu pouco depois que os remédios psicotrópicos foram introduzidos no mercado, na década de 50. O primeiro foi o Amplictil (clorpromazina), lançado em 1954, que rapidamente passou a ser muito usado em hospitais psiquiátricos, para acalmar pacientes psicóticos, sobretudo os com esquizofrenia. No ano seguinte, chegou o Miltown (meprobamato), vendido para tratar a ansiedade em pacientes ambulatoriais. Em 1957, o Marsilid (iproniazid) entrou no mercado como um “energizador psíquico” para tratar a depressão.
Desse modo, no curto espaço de três anos, tornaram-se disponíveis medicamentos para tratar aquelas que, na época, eram consideradas as três principais categorias de doença mental – ansiedade, psicose e depressão – e a psiquiatria transformou-se totalmente. Essas drogas, no entanto, não haviam sido desenvolvidas para tratar doenças mentais. Elas foram derivadas de remédios destinados ao combate de infecções, e se descobriu por acaso que alteravam o estado mental.
No início, ninguém tinha ideia de como funcionavam. Elas simplesmente embotavam sintomas mentais perturbadores. Durante a década seguinte, pesquisadores descobriram que essas drogas afetavam os níveis de certas substâncias químicas no cérebro.
m pouco de pano de fundo, e necessariamente muito simplificado: o cérebro contém bilhões de células nervosas, os neurônios, distribuídos em redes complexas, que se comunicam uns com os outros constantemente. O neurônio típico tem múltiplas extensões filamentosas (uma chamada axônio e as outras chamadas dendritos), por meio das quais ele envia e recebe sinais de outros neurônios. Para um neurônio se comunicar com outro, no entanto, o sinal deve ser transmitido através do minúsculo espaço que os separa, a sinapse. Para conseguir isso, o axônio do neurônio libera na sinapse uma substância química chamada neurotransmissor.
O neurotransmissor atravessa a sinapse e liga-se a receptores no segundo neurônio, muitas vezes um dendrito, ativando ou inibindo a célula receptora. Os axônios têm vários terminais e, desse modo, cada neurônio tem múltiplas sinapses. Depois, o neurotransmissor é reabsorvido pelo primeiro neurônio ou metabolizado pelas enzimas, de tal modo que o status quo anterior é restaurado.
uando se descobriu que as drogas psicoativas afetam os níveis de neurotransmissores, surgiu a teoria de que a causa da doença mental é uma anormalidade na concentração cerebral desses elementos químicos, a qual é combatida pelo medicamento apropriado.
Por exemplo: como o Thorazine diminui os níveis de dopamina no cérebro, postulou-se que psicoses como a esquizofrenia são causadas por excesso de dopamina. Ou então: tendo em vista que alguns antidepressivos aumentam os níveis do neurotransmissor chamado serotonina, defendeu-se que a depressão é causada pela escassez de serotonina. Antidepressivos como o Prozac ou o Celexa impedem a reabsorção de serotonina pelos neurônios que a liberam, e assim ela permanece mais nas sinapses e ativa outros neurônios. Desse modo, em vez de desenvolver um medicamento para tratar uma anormalidade, uma anormalidade foi postulada para se adequar a um medicamento.
Trata-se de uma grande pirueta lógica, como apontam os três autores. Era perfeitamente possível que as drogas que afetam os níveis dos neurotransmissores pudessem aliviar os sintomas, mesmo que os neurotransmissores não tivessem nada a ver com a doença. Como escreve Carlat: “Por essa mesma lógica, se poderia argumentar que a causa de todos os estados de dor é uma deficiência de opiáceos, uma vez que analgésicos narcóticos ativam os receptores de opiáceos do cérebro.” Ou, do mesmo modo, se poderia dizer que as febres são causadas pela escassez de aspirina.
Mas o principal problema com essa teoria é que, após décadas tentando prová-la, os pesquisadores ainda estão de mãos vazias. Os três autores documentam o fracasso dos cientistas para encontrar boas provas a seu favor. Antes do tratamento, a função dos neurotransmissores parece ser normal nas pessoas com doença mental. Nas palavras de Whitaker:
Antes do tratamento, os pacientes diagnosticados com depressão, esquizofrenia e outros transtornos psiquiátricos não sofrem nenhum “desequilíbrio químico”. No entanto, depois que uma pessoa passa a tomar medicação psiquiátrica, que perturba a mecânica normal de uma via neuronal, seu cérebro começa a funcionar... anormalmente.
Carlat refere-se à teoria do desequilíbrio químico como um “mito” (que ele chama de “conveniente” porque reduziria o estigma da doença mental). E Kirsch,cujo livro centra-se na depressão, resume a questão assim: “Parece fora de dúvida que o conceito tradicional de considerar a depressão como um desequilíbrio químico no cérebro está simplesmente errado.” (O motivo da persistência dessa teoria, apesar da falta de provas, é um tema que tratarei adiante.)
Os remédios funcionam? Afinal de contas, independentemente da teoria, essa é a questão prática. Em seu livro seco e extremamente cativante, The Emperor’s New Drugs [As Novas Drogas do Imperador], Kirsch descreve os seus quinze anos de pesquisa científica para responder a essa pergunta, no que diz respeito aos antidepressivos.
Quando começou o trabalho em 1995, seu principal interesse eram os efeitos de placebos. Para estudá-los, ele e um colega revisaram 38 ensaios clínicos que comparavam vários tratamentos da depressão com placebos, ou comparavam a psicoterapia com nenhum tratamento. A maioria dessas experiências durava de seis a oito semanas, e durante esse período os pacientes tendiam a melhorar um pouco, mesmo se não tivessem nenhum tratamento.
Mas Kirsch descobriu que os placebos eram três vezes mais eficazes do que a ausência de tratamento. Isso não o surpreendeu. O que o surpreendeu mesmo foi que os antidepressivos foram apenas marginalmente mais úteis do que os placebos: 75% dos placebos foram tão eficazes quanto os antidepressivos. Kirsch resolveu então repetir o estudo, dessa vez com a análise de um conjunto de dados mais completo e padronizado.
Os dados que ele usou foram obtidos da Food and Drug Administration, a FDA [o órgão público americano encarregado do licenciamento e controle de medicamentos]. Quando buscam a aprovação da FDA para comercializar um novo remédio, os laboratórios farmacêuticos devem apresentar à agência todos os testes clínicos que patrocinaram. Os testes são geralmente duplo-cego e controlados com placebo. Ou seja: os pacientes participantes recebem aleatoriamente a droga ou o placebo, e nem eles nem os seus médicos sabem o que receberam.
Os pacientes são informados de que receberão ou um medicamento ativo ou um placebo. E também são avisados dos efeitos colaterais que podem ocorrer. Se dois testes comprovam que o medicamento é mais eficaz do que o placebo, ele é geralmente aprovado. Mas os laboratórios podem patrocinar quantos testes quiserem, e a maioria deles pode dar negativo – isto é, não mostrar a eficácia do remédio. Tudo o que eles precisam é de dois testes com resultados positivos. (Os resultados dos testes de um mesmo medicamento podem variar por muitas razões, entre elas a forma como o ensaio foi concebido e realizado, seu tamanho e os tipos de pacientes pesquisados.)
Por razões óbvias, as indústrias farmacêuticas fazem questão de que seus testes positivos sejam publicados em revistas médicas, e os médicos fiquem sabendo deles. Já os testes negativos ficam nas gavetas da FDA, que os considera propriedade privada e, portanto, confidenciais. Essa prática distorce a literatura médica, o ensino da medicina e as decisões de tratamento.
irsch e seus colegas usaram a Lei de Liberdade de Informação para obter as revisões da FDA de todos os testes clínicos controlados por placebo, positivos ou negativos, submetidos para a aprovação dos seis antidepressivos mais utilizados, aprovados entre 1987 e 1999: Prozac, Paxil, Zoloft, Celexa, Serzone e Effexor.
Ao todo, havia 42 testes das seis drogas. A maioria deles era negativo. No total, os placebos eram 82% tão eficazes quanto os medicamentos, tal como medido pela Escala de Depressão de Hamilton, uma classificação dos sintomas de depressão amplamente utilizada. A diferença média entre remédio e placebo era de apenas 1,8 ponto na Escala, uma diferença que, embora estatisticamente significativa, era insignificante do ponto de vista clínico. Os resultados foram quase os mesmos para as seis drogas: todos igualmente inexpressivos. No entanto, como os estudos positivos foram amplamente divulgados, enquanto os negativos eram escondidos, o público e os médicos passaram a acreditar que esses medicamentos antidepressivos eram altamente eficazes.
Kirsch ficou impressionado com outro achado inesperado. Em seu estudo anterior, e em trabalhos de outros, observara que até mesmo tratamentos com substâncias que não eram consideradas antidepressivas – como hormônio sintético da tireoide, opiáceos, sedativos, estimulantes e algumas ervas medicinais – eram tão eficazes quanto os antidepressivos para aliviar os sintomas da depressão. Kirsch escreve: “Quando administrados como antidepressivos, remédios que aumentam, diminuem ou não têm nenhuma influência sobre a serotonina aliviam a depressão mais ou menos no mesmo grau.”
que todos esses medicamentos “eficazes” tinham em comum era que produziam efeitos colaterais, sobre os quais os pacientes participantes haviam sido informados de que poderiam ocorrer.
Diante da descoberta de que quase qualquer comprimido com efeitos colaterais era ligeiramente mais eficaz no tratamento da depressão do que um placebo, Kirsch especulou que a presença de efeitos colaterais em indivíduos que recebem medicamentos lhes permitia adivinhar que recebiam tratamento ativo – e isso foi corroborado por entrevistas com pacientes e médicos –, o que os tornava mais propensos a relatar uma melhora. Ele sugere que a razão pela qual os antidepressivos parecem funcionar melhor no alívio de depressão grave do que em casos menos graves é que os pacientes com sintomas graves provavelmente tomam doses mais elevadas e, portanto, sofrem mais efeitos colaterais.
ara investigar melhor se os efeitos colaterais distorciam as respostas, Kirsch analisou alguns ensaios que utilizaram placebos “ativos”, em vez de inertes. Um placebo ativo é aquele que produz efeitos colaterais, como a atropina – droga que bloqueia a ação de certos tipos de fibras nervosas. Apesar de não ser um antidepressivo, a atropina causa, entre outras coisas, secura da boca. Em testes utilizando atropina como placebo, não houve diferença entre os antidepressivos e o placebo ativo. Todos tinham efeitos colaterais, e todos relataram o mesmo nível de melhora.
Kirsch registrou outras descobertas estranhas em testes clínicos de antidepressivos, entre elas o fato de que não há nenhuma curva de dose-resposta, ou seja, altas doses não funcionavam melhor do que as baixas, o que é extremamente improvável para medicamentos eficazes.
“Ao se juntar tudo isso”, escreve Kirsch,“chega-se à conclusão de que a diferença relativamente pequena entre medicamentos e placebos pode não ser um efeito verdadeiro do remédio. Em vez disso, pode ser um efeito placebo acentuado, produzido pelo fato de que alguns pacientes passaram a perceber que recebiam medicamentos ou placebos. Se este for o caso, então não há nenhum efeito antidepressivo dos medicamentos. Em vez de compararmos placebo com remédio, estávamos comparando placebos ‘normais’ com placebos ‘extrafortes’.”
Trata-se de uma conclusão surpreendente, que desafia a opinião médica, mas Kirsch chega a ela de uma forma cuidadosa e lógica. Psiquiatras que usam antidepressivos – e isso significa a maioria deles – e pacientes que os tomam talvez insistam que sabem por experiência clínica que os medicamentos funcionam.
Mas casos individuais são uma forma traiçoeira de avaliar tratamentos médicos, pois estão sujeitos a distorções. Eles podem sugerir hipóteses a serem estudadas, mas não podem prová-las. É por isso que o desenvolvimento do teste clínico duplo-cego, aleatório e controlado com placebo, foi um avanço tão importante na ciência médica, em meados do século passado. Histórias sobre sanguessugas, megadoses de vitamina cou vários outros tratamentos populares não suportariam o escrutínio de testes bem planejados. Kirsch é um defensor devotado do método científico e sua voz, portanto, traz objetividade a um tema muitas vezes influenciado por subjetividade, emoções ou, como veremos, interesse pessoal.
livro de Whitaker, Anatomy of an Epidemic [Anatomia de uma Epidemia], é mais amplo e polêmico. Ele leva em conta todas as doenças mentais, não apenas a depressão. EnquantoKirsch conclui que os antidepressivos não são provavelmente mais eficazes do que placebos, Whitaker conclui que eles e a maioria das drogas psicoativas não são apenas ineficazes, mas prejudiciais. Whitaker começa por observar que, se o tratamento de doenças mentais por meio de medicamentos disparou, o mesmo aconteceu com as patologias tratadas:
O número de doentes mentais incapacitados aumentou imensamente desde 1955 e durante as duas últimas décadas, período em que a prescrição de medicamentos psiquiátricos explodiu e o número de adultos e crianças incapacitados por doença mental aumentou numa taxa alucinante. Assim, chegamos a uma pergunta óbvia, embora herética: o paradigma de tratamento baseado em drogas poderia estar alimentando, de alguma maneira imprevista, essa praga dos tempos modernos?
Além disso, Whitaker sustenta que a história natural da doença mental mudou. Enquanto transtornos como esquizofrenia e depressão eram outrora episódicos, e cada episódio durava não mais de seis meses, sendo intercalado por longos períodos de normalidade, os distúrbios agora são crônicos e duram a vida inteira. Whitaker acredita que isso talvez aconteça porque os medicamentos, mesmo aqueles que aliviam os sintomas em curto prazo, causam em longo prazo danos mentais que continuam depois que a doença teria naturalmente se resolvido.
As provas que ele apresenta para essa teoria variam em qualidade. Whitaker não reconhece suficientemente a dificuldade de estudar a história natural de qualquer doença durante um período de cinquenta anos, no qual muitas circunstâncias mudaram, além do uso de medicamentos. É ainda mais difícil comparar resultados de longo prazo de pacientes tratados e não tratados. No entanto, os indícios de Whitaker são sugestivos, se não conclusivos.
e as drogas psicoativas causam danos, como afirma Whitaker, qual é o seu mecanismo? A resposta, ele acredita, encontra-se em seus efeitos sobre os neurotransmissores. É bem sabido que as drogas psicoativas perturbam os neurotransmissores, mesmo que essa não seja a causa primeira da doença.
Whitaker descreve uma cadeia de efeitos. Quando, por exemplo, um antidepressivo como o Celexa aumenta os níveis de serotonina nas sinapses, ele estimula mudanças compensatórias por meio de um processo chamado feedback negativo. Em reação aos altos níveis de serotonina, os neurônios que a secretam liberam menos dela, e os neurônios pós-sinápticos tornam-se insensíveis a ela. Na verdade, o cérebro está tentando anular os efeitos da droga. O mesmo vale para os medicamentos que bloqueiam neurotransmissores, exceto no sentido inverso.
A maioria dos antipsicóticos, por exemplo, bloqueia a dopamina, mas os neurônios pré-sinápticos compensam isso liberando mais dopamina, e os neurônios pós-sinápticos a aceitam com mais avidez.
As consequências do uso prolongado de drogas psicoativas, nas palavras de Steve Hyman, até recentemente reitor da Universidade de Harvard, são “alterações substanciais e de longa duração na função neural”.
Depois de várias semanas de drogas psicoativas, os esforços de compensação do cérebro começam a falhar e surgem efeitos colaterais que refletem o mecanismo de ação dos medicamentos. Antipsicóticos causam efeitos secundários que se assemelham ao mal de Parkinson, por causa do esgotamento de dopamina (que também se esgota no Parkinson). À medida que surgem efeitos colaterais, eles são tratados por outros medicamentos, e muitos pacientes acabam tomando um coquetel de drogas psicoativas, prescrito para um coquetel de diagnósticos. Os episódios de mania causada por antidepressivos podem levar a um novo diagnóstico de “transtorno bipolar” e ao tratamento com um “estabilizador de humor”, como Depokote (anticonvulsivo), acompanhado de uma das novas drogas antipsicóticas. E assim por diante.
A respeitada pesquisadora Nancy Andreasen e seus colegas publicaram indícios de que o uso de antipsicóticos está associado ao encolhimento do cérebro, e que o efeito está diretamente relacionado à dose e à duração do tratamento. Como Andreasen explicou ao New York Times: “O córtex pré-frontal não obtém o que precisa e vai sendo fechado pelos medicamentos. Isso reduz os sintomas psicóticos. E faz também com que o córtex pré-frontal se atrofie lentamente.”
Largar os remédios é extremamente difícil, segundo Whitaker, porque quando eles são retirados, os mecanismos compensatórios ficam sem oposição. Quando se retira o Celexa, os níveis de serotonina caem bruscamente porque os neurônios pré-sinápticos não estão liberando quantidades normais. Da mesma forma, quando se suspende um antipsicótico, os níveis de dopamina podem disparar.Os sintomas produzidos pela retirada de drogas psicoativas são confundidos com recaídas da doença original, o que pode levar psiquiatras a retomar o tratamento com remédios, talvez em doses mais elevadas.
Whitaker está indignado com o que considera uma epidemia iatrogênica (isto é, introduzida inadvertidamente pelos médicos) de disfunção cerebral, especialmente a causada pelo uso generalizado dos novos antipsicóticos, como o Zyprexa, que provoca graves efeitos colaterais. Eis o que ele chama de “experimento de pensamento rápido”:
Imagine que aparece de repente um vírus que faz com que as pessoas durmam doze, catorze horas por dia. As pessoas infectadas se movimentam devagar e parecem emocionalmente desligadas. Muitas ganham quantidades imensas de peso – 10, 20 e até 50 quilos. Os seus níveis de açúcar no sangue disparam, assim como os de colesterol.
Vários dos atingidos pela doença misteriosa – entre eles, crianças e adolescentes – se tornam diabéticos. O governo federal dá centenas de milhões de dólares aos cientistas para decifrar o funcionamento do vírus, e eles relatam que ele bloqueia uma multidão de receptores no cérebro. Enquanto isso, exames de ressonância magnética descobrem que, ao longo de vários anos, o vírus encolhe o córtex cerebral, e esta diminuição está ligada ao declínio cognitivo. O público aterrorizado clama por uma cura.
Ora, essa doença está, de fato, atingindo milhões de crianças e adultos. Acabamos de descrever os efeitos do antipsicótico Zyprexa, um dos mais vendidos do laboratório Eli Lilly.
eon Eisenberg, professor da Universidade Johns Hopkins e da Escola de Medicina de Harvard, escreveu que a psiquiatria americana passou,no final do século XX, de uma fase “descerebrada” para uma “desmentalizada”. Ele quis dizer que, antes das drogas psicoativas, os psiquiatras tinham pouco interesse por neurotransmissores ou outros aspectos físicos do cérebro. Em vez disso, aceitavam a visão freudiana de que a doença mental tinha suas raízes em conflitos inconscientes, geralmente com origem na infância, que afetavam a mente como se ela fosse separada do cérebro.
om a entrada em cena dessas drogas, na década de 50 – processo que se acelerou na década de 80 –, o foco mudou para o cérebro. Os psiquiatras começaram a se referir a si mesmos como psicofarmacologistas, e se interessaram cada vez menos pelas histórias de vida dos pacientes.
A preocupação deles era eliminar ou reduzir os sintomas, tratando os pacientes com medicamentos que alterariam a função cerebral. Tendo sido um dos primeiros defensores do modelo biológico de doença mental, Eisenberg veio a se tornar um crítico do uso indiscriminado de drogas psicoativas, impulsionado pelas maquinações da indústria farmacêutica.
Quando as drogas psicoativas surgiram, houve um período de otimismo na profissão psiquiátrica, mas na década de 70 o otimismo deu lugar a uma sensação de ameaça. Ficaram claros os graves efeitos colaterais dos medicamentos e um movimento de antipsiquiatria lançou raízes, como exemplificam os escritos de Thomas Szasz e o filme Um Estranho no Ninho.
Havia também a concorrência crescente de psicólogos e terapeutas. Além disso, os psiquiatras sofreram divisões internas: alguns abraçaram o modelo biológico, outros se agarraram ao modelo freudiano, e uns poucos viam a doença mental como uma resposta sadia a um mundo insano. Ademais, dentro da medicina, os psiquiatras eram considerados uma espécie de parentes pobres: mesmo com suas novas drogas, eram vistos como menos científicos do que os outros especialistas, e sua renda era geralmente mais baixa.
No final da década de 70, os psiquiatras contra-atacaram, e com força. Como conta Robert Whitaker em Anatomy of an Epidemic, o diretor médico da Associação Americana de Psiquiatria, Melvin Sabshin, declarou, em 1977: “Devemos apoiar fortemente um esforço vigoroso para remedicalizar a psiquiatria.” E lançou uma campanha maciça de relações públicas para fazer exatamente isso.
A psiquiatria detinha uma arma poderosa, que seus concorrentes não podiam ter. Como cursaram medicina, os psiquiatras têm autoridade legal para escrever receitas. Ao abraçar o modelo biológico de doença mental, e o uso de drogas psicoativas para tratá-la, a psiquiatria conseguiu relegar os outros prestadores de serviços de saúde mental para cargos secundários. E se apresentou também como uma disciplina científica. E, o que é mais importante, ao enfatizar o tratamento medicamentoso, a psiquiatria tornou-se a queridinha da indústria farmacêutica, que logo tornou tangível sua gratidão.
Associação Americana de Psiquiatria, a APA, estava preparando então a terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM, que estabelece os critérios de diagnóstico para todos os transtornos mentais. O presidente da Associação havia indicado Robert Spitzer, eminente professor de psiquiatria da Universidade de Columbia, para chefiar a força-tarefa que supervisionaria o Manual.
As duas primeiras edições, publicadas em 1952 e 1968, refletiam a visão freudiana da doença mental, e eram pouco conhecidas fora da profissão. Spitzer decidiu fazer da terceira edição, o DSM-III, algo bem diferente. Ele prometeu que o Manual seria “uma defesa do modelo médico aplicado a problemas psiquiátricos”, e o presidente da Associação, Jack Weinberg, disse que ele “deixaria claro para quem tivesse dúvidas que consideramos a psiquiatria uma especialidade da medicina”.
Quando foi publicado, em 1980, o DSM-III continha 265 diagnósticos (acima dos 182 da edição anterior) e logo teve um uso quase universal: não apenas por parte de psiquiatras, mas também por companhias de seguros, hospitais, tribunais, prisões, escolas, pesquisadores, agências governamentais e médicos de todas as especialidades. Seu principal objetivo era trazer coerência (normalmente chamada de “confiabilidade”) ao diagnóstico psiquiátrico. Ou seja, garantir que os psiquiatras que viam o mesmo paciente concordassem com o diagnóstico. Para isso, cada diagnóstico era definido por uma lista de sintomas, com limites numéricos. Por exemplo, ter pelo menos cinco de nove sintomas determinados garantia ao paciente um diagnóstico definitivo de episódio depressivo dentro da ampla categoria de “transtornos do humor”.
Mas havia outro objetivo: justificar o uso de drogas psicoativas. Com efeito, Carol Bernstein, a presidente da apa, reconheceu isso ao escrever: “Na década de 70, foi preciso facilitar um acordo sobre diagnósticos entre clínicos, cientistas e autoridades reguladoras, dada a necessidade de ligar os pacientes aos novos tratamentos farmacológicos.”
A terceira edição do Manual era talvez mais “confiável” do que as versões anteriores, mas confiabilidade não é a mesma coisa que validade. O termo confiabilidade é usado como sinônimo de “coerência”; validade refere-se à correção ou solidez. Se todos os médicos concordassem que as sardas são um sinal de câncer, o diagnóstico seria “confiável”, mas não válido.
O problema com o Manual é que, em todas as suas edições, ele simplesmente refletia as opiniões de seus autores. E, no caso do DSM-III, sobretudo as opiniões do próprio Spitzer, que foi apontado com justiça como um dos psiquiatras mais influentes do século xx. Em suas palavras, ele “pegou todo mundo com quem se sentia à vontade” para participar da força-tarefa de quinze membros, e houve queixas de que ele convocou poucas reuniões e conduziu o processo de uma maneira desordenada, mas ditatorial.
Num artigo de 1984 intitulado “As desvantagens do DSM-III superam suas vantagens”, George Vaillant, professor de psiquiatria de Harvard, afirmou que o DSM-III representou “uma audaciosa série de escolhas baseadas em palpite, gosto, preconceito e esperança”, o que parece ser uma boa descrição.
DSM se tornou a bíblia da psiquiatria e, tal como a Bíblia cristã, dependia muito de algo parecido com a fé: não há nele citações de estudos científicos para sustentar suas decisões. É uma omissão espantosa, porque em todas as publicações médicas, sejam revistas ou livros didáticos, as declarações de fatos devem estar apoiadas em referências comprováveis. (Há quatro “livros de consulta” separados para a edição atual do DSM, que apresentam a razão para algumas decisões, junto com referências, mas isso não é a mesma coisa que referências específicas.)
Pode ser de muito interesse para um grupo de especialistas se reunir e dar suas opiniões, mas a menos que essas opiniões possam ser sustentadas por provas, elas não autorizam a deferência extraordinária dedicada ao DSM. “A cada edição subsequente”, escreve Daniel Carlat, “o número de categorias de diagnósticos se multiplicava, e os livros se tornaram maiores e mais caros. Cada um deles se tornou um best-seller, e o DSM é hoje uma das principais fontes de renda da Associação Americana de Psiquiatria.” O Manual atual, o DSM-IV, vendeu mais de 1 milhão de exemplares.
Os laboratórios farmacêuticos passaram a dar toda a atenção e generosidade aos psiquiatras, tanto individual como coletivamente, direta e indiretamente. Choveram presentes e amostras grátis, contratos de consultores e palestrantes, refeições, ajuda para participar de conferências. Quando os estados de Minnesota e Vermont implantaram “leis de transparência”, que exigem que os laboratórios informem todos os pagamentos a médicos, descobriu-se que os psiquiatras recebiam mais dinheiro do que os médicos de qualquer outra especialidade. A indústria farmacêutica também subsidia as reuniões da APA e outras conferências psiquiátricas. Cerca de um quinto do financiamento da APA vem agora da indústria farmacêutica.
Os laboratórios buscam conquistar psiquiatras de centros médicos universitários de prestígio. Chamados pela indústria de “líderes-chave de opinião”, eles são os profissionais que, por meio do que escrevem e ensinam, influenciam o tratamento das doenças mentais. Eles também publicam grande parte da pesquisa clínica sobre medicamentos e, o que é fundamental, determinam o conteúdo do DSM. Em certo sentido, eles são a melhor equipe de vendas que a indústria poderia ter e valem cada centavo gasto com eles. Dos 170 colaboradores da versão atual do DSM, dos quais quase todos poderiam ser descritos como líderes-chave, 95 tinham vínculos financeiros com laboratórios farmacêuticos, inclusive todos os colaboradores das seções sobre transtornos de humor e esquizofrenia.
Carlat pergunta: “Por que os psiquiatras estão na frente de todos os outros especialistas quando se trata de tomar dinheiro de laboratórios?” Sua resposta: “Nossos diagnósticos são subjetivos e expansíveis, e temos poucas razões racionais para a escolha de um tratamento em relação a outro.” Ao contrário das enfermidades tratadas pela maioria dos outros ramos da medicina, não há sinais ou exames objetivos para as doenças mentais – nenhum dado de laboratório ou descoberta por ressonância magnética – e as fronteiras entre o normal e o anormal são muitas vezes pouco claras. Isso torna possível expandir as fronteiras do diagnóstico ou até mesmo criar novas diagnoses, de uma forma que seria impossível, por exemplo, em um campo como a cardiologia. E as empresas farmacêuticas têm todo o interesse em induzir os psiquiatras a fazer exatamente isso.
Além do dinheiro gasto com os psiquiatras, os laboratórios apoiam muitos grupos de defesa de pacientes e organizações educacionais. Whitaker informa que, somente no primeiro trimestre de 2009, o “Eli Lilly deu 551 mil dólares à Aliança Nacional para Doenças Mentais, 465 mil dólares para a Associação Nacional de Saúde Mental, 130 mil dólares para um grupo de defesa dos pacientes de déficit de atenção/hiperatividade, e 69 250 dólares para a Fundação Americana de Prevenção ao Suicídio”.
E isso foi o que apenas um laboratório gastou em três meses; pode-se imaginar qual deve ser o total anual de todas as empresas que produzem drogas psicoativas. Esses grupos aparentemente existem para conscientizar a opinião pública sobre transtornos psiquiátricos, mas também têm o efeito de promover o uso de drogas psicoativas e influenciar os planos de saúde para cobri-los.
omo a maioria dos psiquiatras, Carlat trata seus pacientes apenas com medicamentos, sem terapia de conversa, e é sincero a respeito das vantagens de fazer isso. Ele calcula que, se atender três pacientes por hora com psicofarmacologia, ganha cerca de 180 dólares por hora dos planos de saúde. Em contrapartida, poderia atender apenas um paciente por hora com terapia de conversa, pela qual os planos lhe pagariam menos de 100 dólares. Carlat não acredita que a psicofarmacologia seja particularmente complicada, muito menos precisa, embora o público seja levado a acreditar que é.
Seu trabalho consiste em fazer aos pacientes uma série de perguntas sobre seus sintomas, para ver se eles combinam com algum dos transtornos catalogados no DSM. Esse exercício de correspondência, diz ele, propicia “a ilusão de que compreendemos os nossos pacientes, quando tudo o que estamos fazendo é atribuir-lhes rótulos”. Muitas vezes os pacientes preenchem critérios para mais de um diagnóstico, porque há sobreposição de sintomas.
Um dos pacientes de Carlat acabou com sete diagnósticos distintos. “Nós miramos sintomas distintos com os tratamentos, e outros medicamentos são adicionados para tratar os efeitos colaterais.” Um paciente típico, diz ele, pode estar tomando Celexa para depressão, Ativan para ansiedade, Ambien para insônia, Provigil para fadiga (um efeito colateral do Celexa) e Viagra para impotência (outro efeito colateral do Celexa).
Quanto aos próprios medicamentos, Carlat escreve que “há apenas um punhado de categorias guarda-chuva de drogas psicotrópicas”, sob as quais os medicamentos não são muito diferentes uns dos outros. Ele não acredita que exista muita base para escolher entre eles. E resume:
Assim é a moderna psicofarmacologia. Guiados apenas por sintomas, tentamos diferentes medicamentos, sem nenhuma concepção verdadeira do que estamos tentando corrigir, ou de como as drogas estão funcionando. Espanto-me que sejamos tão eficazes para tantos pacientes.
Carlat passa então a especular, como Kirsch em The Emperor’s New Drugs, que os pacientes talvez estejam respondendo a um efeito placebo ativado. Se as drogas psicoativas não são tudo o que é alardeado – e os indícios indicam que não são –, o que acontece com os próprios diagnósticos? Como eles se multiplicam a cada edição do DSM?
m 1999, a APA começou a trabalhar em sua quinta revisão do DSM, programado para ser publicado em 2013. A força-tarefa de 27 membros é chefiada por David Kupfer, professor de psiquiatria da Universidade de Pittsburgh. Tal como nas edições anteriores, a força-tarefa é assessorada por vários grupos de trabalho, que agora totalizam cercade 140 membros, correspondentes às categorias principais de diagnóstico. As deliberações e propostas em curso foram amplamente divulgadas, e parece que a constelação de transtornos mentais vai crescer ainda mais.
Em particular, os limites dos diagnósticos serão ampliados para incluir os precursores dos transtornos, tais como “síndrome do risco de psicose” e “transtorno cognitivo leve” (possível início do mal de Alzheimer). O termo “espectro” é usado para ampliar categorias, e temos,por exemplo, “espectro de transtorno obsessivo-compulsivo”, “transtorno do espectro da esquizofrenia” e “transtorno do espectro do autismo”. E há propostas para a inclusão de distúrbios totalmente novos, como “transtorno hipersexual”, “síndrome das pernas inquietas” e “compulsão alimentar”. Até mesmo Allen Frances, presidente da força-tarefa do DSM-IV, escreveu que a próxima edição do Manual será uma “mina de ouro para a indústria farmacêutica”.
A indústria farmacêutica influencia psiquiatras a receitar drogas psicoativas até mesmo a pacientes para os quais os medicamentos não foram considerados seguros e eficazes. O que deveria preocupar enormemente é o aumento espantoso do diagnóstico e tratamento de doenças mentais em crianças, algumas com apenas 2 anos de idade. Essas crianças são tratadas muitas vezes com medicamentos que nunca foram aprovados pela FDA para uso nessa faixa etária, e têm efeitos colaterais graves. A prevalência de “transtorno bipolar juvenil” aumentou quarenta vezes entre 1993 e 2004, e a de “autismo” aumentou de 1 em 500 crianças para 1 em 90 ao longo da mesma década. Dez por cento dos meninos de 10 anos de idade tomam agora estimulantes diários para o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade.
Seria muito difícil achar uma criança de 2 anos que não seja às vezes irritante, um menino de 5ª série que não seja ocasionalmente desatento, ou uma menina no ensino médio que não seja ansiosa. Rotular essas crianças como tendo um transtorno mental e tratá-las com medicamentos depende muito de quem elas são e das pressões que seus pais enfrentam.
Como as famílias de baixa renda estão passando por dificuldades econômicas crescentes, muitas descobriram que o pedido de renda de seguridade suplementar com base na invalidez mental é a única maneira de sobreviver. Segundo um estudo da Universidade Rutgers, descobriu-se que crianças de famílias de baixa renda têm quatro vezes mais probabilidade de receber medicamentos antipsicóticos do que crianças com plano de saúde privado.
Os livros de Irving Kirsch, Robert Whitaker e Daniel Carlat são acusações enérgicas ao modo como a psiquiatria é praticada hoje em dia. Eles documentam o “frenesi” do diagnóstico, o uso excessivo de medicamentos com efeitos colaterais devastadores e os conflitos de interesse generalizados. Os críticos podem argumentar, como Nancy Andreasen o faz em seu artigo sobre a perda de tecido cerebral no tratamento antipsicótico de longo prazo, que os efeitos colaterais são o preço que se deve pagar para aliviar o sofrimento causado pela doença mental. Se soubéssemos que os benefícios das drogas psicoativas superam seus danos, isso seria um argumento forte, uma vez que não há dúvida de que muitas pessoas sofrem gravemente com doenças mentais. Mas como Kirsch, Whitaker e Carlat argumentam, essa expectativa pode estar errada.
o mínimo, precisamos parar de pensar que as drogas psicoativas são o melhor e, muitas vezes, o único tratamento para as doenças mentais. Tanto a psicoterapia como os exercícios físicos têm se mostrado tão eficazes quanto os medicamentos para a depressão, e seus efeitos são mais duradouros. Mas, infelizmente, não existe indústria que promova essas alternativas. Mais pesquisas são necessárias para estudar alternativas às drogas psicoativas.
Em particular, precisamos repensar o tratamento de crianças. Nesse ponto, o problema é muitas vezes uma família perturbada em circunstâncias conturbadas. Tratamentos voltados para essas condições ambientais – como auxílio individual para pais ou centros pós-escola para as crianças – devem ser estudados e comparados com o tratamento farmacológico.
No longo prazo, essas alternativas seriam provavelmente mais baratas. Nossa confiança nas drogas psicoativas, receitadas para todos os descontentes com a vida, tende a excluir as outras opções. Em vista dos riscos, e da eficácia questionável dos medicamentos em longo prazo, precisamos fazer melhor do que isso. Acima de tudo, devemos lembrar o consagrado ditado médico: em primeiro lugar, não causar dano (primum non nocere).
Meu comentário: exatamente, a indústria farmacêutica manipula dados e os médicos para vender mais e ter lucro, sem se importar verdadeiramente com o bem estar das pessoas. Por isso, nesse mundo, a ibogaína não encontra espaço.
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07 julho, 2011
Desmistificando a Ibogaína
Estou republicando o texto abaixo, pois o mesmo foi publicado neste blog originalmente em Fevereiro de 2010, e alguns leitores estão tendo dificuldade para encontrá-lo nos arquivos
Desmistificando a Ibogaína
Muito se tem falado a respeito da Ibogaína aqui no Brasil nos últimos tempos... bem e mal, com discussões apaixonadas, e, às vezes, desprovidas de cunho científico e repletas de preconceito.
Para quem não sabe, Ibogaína é uma substância extraída da planta Tabernanthe iboga, originária do Gabão, e planta sagrada utilizada nos rituais da religião Bwiti, religião e rituais estes existentes desde a pré-história. Em 1962 Howard Lotsof, na época dependente de heroína, descobriu que uma única dose de Ibogaína foi suficiente para curar a dependência sua e de alguns amigos. A partir daí surgiu com força uma rede internacional de provedores de tratamentos para dependência em todo o mundo, alguns oficiais, outros underground. Desde essa época até hoje cerca de 15.000 pessoas já fizeram o uso médico da substância, com resultados, em sua maioria, muito bons. Realmente os efeitos são surpreendentes, e, em muitos casos, ocorre uma melhora do quadro de dependência significativa, em apenas 24 horas.
Como tudo que é diferente, e como tudo que é inovador, existem também em relação à Ibogaína controvérsias e dúvidas, que tem origem na desinformação e no preconceito, e algumas vezes também em interesses econômicos. Este texto visa esclarecer as dúvidas e orientar as pessoas sobre o assunto. É interessante o fato de que a maioria das pessoas que é contra esse tratamento, não sabe absolutamente nada a respeito, mesmo alguns sendo renomados profissionais da área. É o estilo “não li e não gostei”. Na área da dependência química no Brasil, alguns egos são imensos.
Sempre que se fala de Ibogaína, cita-se o fato de a mesma ser proibida nos Estados Unidos e em mais 3 ou 4 países, sendo em todos os outros (inclusive no Brasil) isso não ocorre. Pelo contrário, o Brasil é um dos pioneiros nesse tratamento e os profissionais envolvidos, apesar de pouco conhecidos aqui, têm reconhecimento internacional. Essa proibição da Ibogaína em poucos países deve-se à desinformação e a interesses econômicos e políticos.
Primeiramente, essa medicação não interessa à grande indústria farmacêutica, visto ser derivada de plantas, com a patente de 1962 já expirada, tendo, portanto, um baixo potencial de lucro.
Alem disso, em muitos locais, o preconceito contra os dependentes faz com que eles sejam vistos como pessoas que não merecem serem tratadas e sim presas ou escorraçadas. Assim sendo, o fato da Ibogaína ter sido descoberta por um dependente químico, para algumas pessoas, já a desqualifica.
Fora isso, o falso conceito de que a planta é alucinógena, gera uma quase histeria em determinados profissionais da área, que mal informados, com má vontade, e baseados em informações conflitantes pinçadas na internet, repassam informações errôneas adiante. A Ibogaína não é alucinógena, é onirofrênica, (Naranjo, 1974; Goutarel, Gollnhofer, and Sillans 1993), ou talvez seja melhor dizer, remogênica, ela estimula a mente de maneira a fazer com que o cérebro sonhe, mesmo com a pessoa acordada. Isso é comprovado por inúmeros estudos ao redor do mundo, mas é fácil confirmar, basta fazer um eletroencefalograma (EEG) durante o efeito da substância pra se ver que o padrão que vai aparecer é o do sono REM, não de alucinações. Alem disso, a ibogaína não se liga ao receptor 5HT 2a, o alvo clássico de alucinógenos como LSD, por exemplo.
Outra crítica relacionada à Ibogaína, que é sempre citada, são as até agora 14 mortes que ocorreram, em 48 anos, como comentado acima, em cerca de 15000 tratamentos realizados. Isso dá menos de 1 fatalidade em cada 1000 tratamentos, número muito menor por exemplo do que as fatalidades provocadas por metadona, que é outra substância utilizada no tratamento da adicção, e que é de 1 fatalidade para cada 350 tratamentos.
O detalhe, sempre deixado de lado pelos detratores da Ibogaína, é que em todos os casos de fatalidades registrados, comprovadamente se detectou o uso sub-reptício concomitante de heroína, cocaína e/ou álcool, confirmado por necropsia, o que nos leva à conclusão de que não existem fatalidades relacionadas à Ibogaína e sim à heroína/cocaína/álcool e à mistura dessas substâncias... além disso, poucas coisas no mundo são mais mortais do que usar drogas.. isso sim é perigoso.
Mais outra crítica é sobre o uso em humanos, sendo que no Gabão, há 5000 anos humanos já usam a substância em seus rituais, sem problemas. Já foram feitos vários trabalhos científicos, por cientistas renomados, que comprovam a baixa toxicidade e a segurança do tratamento, desde que feito dentro dos protocolos.
A taxa média de eficácia da Ibogaína para tratamento da dependência de crack é de 70 a 80%, que é altíssima, principalmente se lembrarmos que, além de ser uma doença gravíssima, as taxas de sucesso dos tratamentos tradicionais é de 5%. Incrivelmente, essa taxa de 80% também é alvo de críticas... Porque não são 100%, eles dizem? Já que é tão bom, porque não cura todo mundo? Ora, nenhum tratamento médico é 100%, existem variáveis ponderáveis e imponderáveis que influenciam a evolução dos pacientes, como motivação, características individuais de cada paciente, preparação adequada, com psicoterapia pré e pós tratamento de alto nível, tudo isso faz com que haja variações na eficácia. O fato é que a Ibogaína é hoje, de longe, o tratamento mais eficaz contra a dependência que se tem notícia, em toda a história da humanidade. Feito com os cuidados necessários, é seguro, eficaz, e não existem relatos de seqüelas, nem físicas, nem psicológicas.
Assim sendo, pessoas que vivem da cronicidade da doença, para as quais não interessa que haja cura e sim perpetuação do quadro, e assim, indiretamente, perpetuação dos lucros, se insurgem contra ela.
Em toda a história da humanidade, as inovações, as mudanças de paradigma, sempre foram combatidas.
E apenas mais um detalhe: as outras opções de tratamento, são bastante ineficazes, para que se possa dar ao luxo de não dar à ibogaína a atenção que ela merece.
Postado em 20/02/2010
Atualizado em 08/12/2010, em 17/06/2011 e em 07/07/2011
Desmistificando a Ibogaína
Muito se tem falado a respeito da Ibogaína aqui no Brasil nos últimos tempos... bem e mal, com discussões apaixonadas, e, às vezes, desprovidas de cunho científico e repletas de preconceito.
Para quem não sabe, Ibogaína é uma substância extraída da planta Tabernanthe iboga, originária do Gabão, e planta sagrada utilizada nos rituais da religião Bwiti, religião e rituais estes existentes desde a pré-história. Em 1962 Howard Lotsof, na época dependente de heroína, descobriu que uma única dose de Ibogaína foi suficiente para curar a dependência sua e de alguns amigos. A partir daí surgiu com força uma rede internacional de provedores de tratamentos para dependência em todo o mundo, alguns oficiais, outros underground. Desde essa época até hoje cerca de 15.000 pessoas já fizeram o uso médico da substância, com resultados, em sua maioria, muito bons. Realmente os efeitos são surpreendentes, e, em muitos casos, ocorre uma melhora do quadro de dependência significativa, em apenas 24 horas.
Como tudo que é diferente, e como tudo que é inovador, existem também em relação à Ibogaína controvérsias e dúvidas, que tem origem na desinformação e no preconceito, e algumas vezes também em interesses econômicos. Este texto visa esclarecer as dúvidas e orientar as pessoas sobre o assunto. É interessante o fato de que a maioria das pessoas que é contra esse tratamento, não sabe absolutamente nada a respeito, mesmo alguns sendo renomados profissionais da área. É o estilo “não li e não gostei”. Na área da dependência química no Brasil, alguns egos são imensos.
Sempre que se fala de Ibogaína, cita-se o fato de a mesma ser proibida nos Estados Unidos e em mais 3 ou 4 países, sendo em todos os outros (inclusive no Brasil) isso não ocorre. Pelo contrário, o Brasil é um dos pioneiros nesse tratamento e os profissionais envolvidos, apesar de pouco conhecidos aqui, têm reconhecimento internacional. Essa proibição da Ibogaína em poucos países deve-se à desinformação e a interesses econômicos e políticos.
Primeiramente, essa medicação não interessa à grande indústria farmacêutica, visto ser derivada de plantas, com a patente de 1962 já expirada, tendo, portanto, um baixo potencial de lucro.
Alem disso, em muitos locais, o preconceito contra os dependentes faz com que eles sejam vistos como pessoas que não merecem serem tratadas e sim presas ou escorraçadas. Assim sendo, o fato da Ibogaína ter sido descoberta por um dependente químico, para algumas pessoas, já a desqualifica.
Fora isso, o falso conceito de que a planta é alucinógena, gera uma quase histeria em determinados profissionais da área, que mal informados, com má vontade, e baseados em informações conflitantes pinçadas na internet, repassam informações errôneas adiante. A Ibogaína não é alucinógena, é onirofrênica, (Naranjo, 1974; Goutarel, Gollnhofer, and Sillans 1993), ou talvez seja melhor dizer, remogênica, ela estimula a mente de maneira a fazer com que o cérebro sonhe, mesmo com a pessoa acordada. Isso é comprovado por inúmeros estudos ao redor do mundo, mas é fácil confirmar, basta fazer um eletroencefalograma (EEG) durante o efeito da substância pra se ver que o padrão que vai aparecer é o do sono REM, não de alucinações. Alem disso, a ibogaína não se liga ao receptor 5HT 2a, o alvo clássico de alucinógenos como LSD, por exemplo.
Outra crítica relacionada à Ibogaína, que é sempre citada, são as até agora 14 mortes que ocorreram, em 48 anos, como comentado acima, em cerca de 15000 tratamentos realizados. Isso dá menos de 1 fatalidade em cada 1000 tratamentos, número muito menor por exemplo do que as fatalidades provocadas por metadona, que é outra substância utilizada no tratamento da adicção, e que é de 1 fatalidade para cada 350 tratamentos.
O detalhe, sempre deixado de lado pelos detratores da Ibogaína, é que em todos os casos de fatalidades registrados, comprovadamente se detectou o uso sub-reptício concomitante de heroína, cocaína e/ou álcool, confirmado por necropsia, o que nos leva à conclusão de que não existem fatalidades relacionadas à Ibogaína e sim à heroína/cocaína/álcool e à mistura dessas substâncias... além disso, poucas coisas no mundo são mais mortais do que usar drogas.. isso sim é perigoso.
Mais outra crítica é sobre o uso em humanos, sendo que no Gabão, há 5000 anos humanos já usam a substância em seus rituais, sem problemas. Já foram feitos vários trabalhos científicos, por cientistas renomados, que comprovam a baixa toxicidade e a segurança do tratamento, desde que feito dentro dos protocolos.
A taxa média de eficácia da Ibogaína para tratamento da dependência de crack é de 70 a 80%, que é altíssima, principalmente se lembrarmos que, além de ser uma doença gravíssima, as taxas de sucesso dos tratamentos tradicionais é de 5%. Incrivelmente, essa taxa de 80% também é alvo de críticas... Porque não são 100%, eles dizem? Já que é tão bom, porque não cura todo mundo? Ora, nenhum tratamento médico é 100%, existem variáveis ponderáveis e imponderáveis que influenciam a evolução dos pacientes, como motivação, características individuais de cada paciente, preparação adequada, com psicoterapia pré e pós tratamento de alto nível, tudo isso faz com que haja variações na eficácia. O fato é que a Ibogaína é hoje, de longe, o tratamento mais eficaz contra a dependência que se tem notícia, em toda a história da humanidade. Feito com os cuidados necessários, é seguro, eficaz, e não existem relatos de seqüelas, nem físicas, nem psicológicas.
Assim sendo, pessoas que vivem da cronicidade da doença, para as quais não interessa que haja cura e sim perpetuação do quadro, e assim, indiretamente, perpetuação dos lucros, se insurgem contra ela.
Em toda a história da humanidade, as inovações, as mudanças de paradigma, sempre foram combatidas.
E apenas mais um detalhe: as outras opções de tratamento, são bastante ineficazes, para que se possa dar ao luxo de não dar à ibogaína a atenção que ela merece.
Postado em 20/02/2010
Atualizado em 08/12/2010, em 17/06/2011 e em 07/07/2011
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06 junho, 2011
Ibogaína: droga usada para curar a dependência
Tratamento é feito com uma dose de substância extraída da raiz de uma planta africana. Medicamento não é regulamentado pela Anvisa
Gabriel Azevedo
Gazeta do Povo
Diogo Nascimento Busse, 28 anos, era usuário de crack. Durante 13 anos, a vida dele foi semelhante à de outros usuários: passava dias fora de casa, perdeu amigos, namoradas, oportunidades. Tentou inúmeros tratamentos psiquiátricos, psicológicos, medicamentos e internações. Nada deu resultado. Sem saída, mas com esperança de largar a dependência, há dois anos e meio, a curiosidade empurrou Busse para uma substância pouco conhecida no Brasil: a ibogaína.
Substância extraída da raiz da iboga, arbusto encontrado em países africanos, a ibogaína é usada para fins terapêuticos no país há dez anos, por uma única clínica, com sede em Curitiba. Nesse período, 130 usuários de drogas usaram o medicamento, Diogo foi um deles. Há dois anos e meio livre do crack, o advogado e professor universitário conta como foi a experiência. “Foi um renascimento. Foi uma viagem espiritual, de autoconhecimento, expandiu meus horizontes. É inexplicável. Hoje eu analiso o passado e não tenho lembranças positivas daquele tempo”, diz.
De acordo com o médico gastroenterologista da clínica Bruno Daniel Rasmussen Chaves, a ibogaína produz uma grande quantidade do hormônio GDNF, que estimula a criação de conexões neuronais, o que ajuda o paciente a perder a vontade de usar drogas. A ibogaína, segundo ele, também produz serotonina e dopamina, neurotransmissores responsáveis pelas sensações de prazer. A droga é processada na Inglaterra e vendida em forma de cápsulas. O preço de uma unidade, quantidade suficiente para o tratamento, gira em torno de R$ 5 mil.
As imagens que as pessoas enxergam enquanto estão sob o efeito da droga, segundo o médico, são sonhos. “Não se trata de alucinações, a ibogaína não é alucinógena. É como sonhar de olhos abertos, só que durante muito tempo. Durante o sono temos apenas cinco minutos de sonhos a cada duas horas. Com a ibogaína são 12 horas”, explica Chaves.
Não é um milagre
Mesmo que os resultados sejam animadores – a taxa de recaída entre os usuários da ibogaína gira em torno de 15%, enquanto nos tratamentos convencionais varia entre 60% e 70% – a substância não é um milagre e nem faz tudo sozinha. De acordo com a psicóloga Cleuza Canan, que há mais de 30 anos trabalha com dependência química, os pacientes passam por três fases. “Avaliamos clinicamente e psiquicamente o paciente. Existe uma fase de desintoxicação. São necessários 60 dias de abstinência para o paciente ir para a ibogaína. Depois que ele toma, começa uma fase que consiste na reorganização e readaptação, com terapia individual e de grupo”, afirma.
A reportagem Gazeta do Povo conversou com ex-usuários de drogas que recorreram à ibogaína. Eles foram unânimes em afirmar que, depois de tomar a substância, nunca mais tiveram vontade de se drogar. “Eu nunca mais tive vontade. Aquela fissura desapareceu. A droga é apenas uma lembrança, nada mais que isso”, diz um paciente que não quis se identificar. Segundo Cleuza, a recaída só é possível se o paciente mantiver os mesmos hábitos. “Se ele frenquentar os mesmos lugares, conviver com os mesmos amigos, achar que está imune”, explica.
Não existe comprovação científica
Atualmente, a ibogaína é usada em países como Nova Zelândia e Holanda. Nos Estados Unidos ela serve apenas para fins acadêmicos. No Brasil, a substância não é regulamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Apesar de não haver restrições legais ao consumo, a droga não pode ser comercializada em farmácias e nem produzida em laboratórios nacionais. Para consumi-la é necessário importar de outros países.
O Conselho Regional de Medicina do Paraná chegou a fazer um parecer sobre a substância. De acordo com o psiquiatra Marco Antonio Bessa, que assina o documento, não há estudos científicos sérios sobre a droga. “Ela [ibogaína] é totalmente contraindicada. É uma droga alucinógena muito potente, que pode causar sérios problemas psiquiátricos”, diz. Sobre o sucesso da ibogaína, o médico afirma que são apenas relatos. “Não existe comprovação científica. O crack é uma dependência grave, desesperadora para a família, que fica sensibilizada. Mas não existe uma cura milagrosa. É uma grande ilusão achar que a ibogaína pode acabar com o vício”, afirma.
Pesquisas
O médico Rasmussen Chaves rebate as críticas afirmando que existem várias pesquisas sendo desenvolvidas e cita as universidades de Nova York e Miami, nos Estados Unidos, e o Hospital de Sant Pau, em Barcelona, como exemplos. “As pesquisas nestas instituições demonstram que a ibogaína é uma substância efetiva no combate à dependência não só do crack, mas da cocaína e heroína. Não existem relatos de nenhuma complicação psiquiátrica desde o início do uso da substância há 40 anos”, diz. (GA)
Gabriel Azevedo
Gazeta do Povo
Diogo Nascimento Busse, 28 anos, era usuário de crack. Durante 13 anos, a vida dele foi semelhante à de outros usuários: passava dias fora de casa, perdeu amigos, namoradas, oportunidades. Tentou inúmeros tratamentos psiquiátricos, psicológicos, medicamentos e internações. Nada deu resultado. Sem saída, mas com esperança de largar a dependência, há dois anos e meio, a curiosidade empurrou Busse para uma substância pouco conhecida no Brasil: a ibogaína.
Substância extraída da raiz da iboga, arbusto encontrado em países africanos, a ibogaína é usada para fins terapêuticos no país há dez anos, por uma única clínica, com sede em Curitiba. Nesse período, 130 usuários de drogas usaram o medicamento, Diogo foi um deles. Há dois anos e meio livre do crack, o advogado e professor universitário conta como foi a experiência. “Foi um renascimento. Foi uma viagem espiritual, de autoconhecimento, expandiu meus horizontes. É inexplicável. Hoje eu analiso o passado e não tenho lembranças positivas daquele tempo”, diz.
De acordo com o médico gastroenterologista da clínica Bruno Daniel Rasmussen Chaves, a ibogaína produz uma grande quantidade do hormônio GDNF, que estimula a criação de conexões neuronais, o que ajuda o paciente a perder a vontade de usar drogas. A ibogaína, segundo ele, também produz serotonina e dopamina, neurotransmissores responsáveis pelas sensações de prazer. A droga é processada na Inglaterra e vendida em forma de cápsulas. O preço de uma unidade, quantidade suficiente para o tratamento, gira em torno de R$ 5 mil.
As imagens que as pessoas enxergam enquanto estão sob o efeito da droga, segundo o médico, são sonhos. “Não se trata de alucinações, a ibogaína não é alucinógena. É como sonhar de olhos abertos, só que durante muito tempo. Durante o sono temos apenas cinco minutos de sonhos a cada duas horas. Com a ibogaína são 12 horas”, explica Chaves.
Não é um milagre
Mesmo que os resultados sejam animadores – a taxa de recaída entre os usuários da ibogaína gira em torno de 15%, enquanto nos tratamentos convencionais varia entre 60% e 70% – a substância não é um milagre e nem faz tudo sozinha. De acordo com a psicóloga Cleuza Canan, que há mais de 30 anos trabalha com dependência química, os pacientes passam por três fases. “Avaliamos clinicamente e psiquicamente o paciente. Existe uma fase de desintoxicação. São necessários 60 dias de abstinência para o paciente ir para a ibogaína. Depois que ele toma, começa uma fase que consiste na reorganização e readaptação, com terapia individual e de grupo”, afirma.
A reportagem Gazeta do Povo conversou com ex-usuários de drogas que recorreram à ibogaína. Eles foram unânimes em afirmar que, depois de tomar a substância, nunca mais tiveram vontade de se drogar. “Eu nunca mais tive vontade. Aquela fissura desapareceu. A droga é apenas uma lembrança, nada mais que isso”, diz um paciente que não quis se identificar. Segundo Cleuza, a recaída só é possível se o paciente mantiver os mesmos hábitos. “Se ele frenquentar os mesmos lugares, conviver com os mesmos amigos, achar que está imune”, explica.
Não existe comprovação científica
Atualmente, a ibogaína é usada em países como Nova Zelândia e Holanda. Nos Estados Unidos ela serve apenas para fins acadêmicos. No Brasil, a substância não é regulamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Apesar de não haver restrições legais ao consumo, a droga não pode ser comercializada em farmácias e nem produzida em laboratórios nacionais. Para consumi-la é necessário importar de outros países.
O Conselho Regional de Medicina do Paraná chegou a fazer um parecer sobre a substância. De acordo com o psiquiatra Marco Antonio Bessa, que assina o documento, não há estudos científicos sérios sobre a droga. “Ela [ibogaína] é totalmente contraindicada. É uma droga alucinógena muito potente, que pode causar sérios problemas psiquiátricos”, diz. Sobre o sucesso da ibogaína, o médico afirma que são apenas relatos. “Não existe comprovação científica. O crack é uma dependência grave, desesperadora para a família, que fica sensibilizada. Mas não existe uma cura milagrosa. É uma grande ilusão achar que a ibogaína pode acabar com o vício”, afirma.
Pesquisas
O médico Rasmussen Chaves rebate as críticas afirmando que existem várias pesquisas sendo desenvolvidas e cita as universidades de Nova York e Miami, nos Estados Unidos, e o Hospital de Sant Pau, em Barcelona, como exemplos. “As pesquisas nestas instituições demonstram que a ibogaína é uma substância efetiva no combate à dependência não só do crack, mas da cocaína e heroína. Não existem relatos de nenhuma complicação psiquiátrica desde o início do uso da substância há 40 anos”, diz. (GA)
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