23 junho, 2010
Vício em drogas é doença e deve ser tratado com remédios, diz especialista
Nora Volkow é chefe do Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas dos EUA.
Para ela, dependência precisa ser vista como problema crônico do cérebro.
Uma das maiores especialistas em drogas da atualidade esteve em São Paulo na última quarta-feira (24/03/10) e foi enfática ao caracterizar a dependência de substâncias químicas como a cocaína, o cigarro e a bebida: “A dependência é uma doença crônica no cérebro humano.”
Nora Volkow, diretora do Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas (Nida) dos EUA, afirma que o vício em substâncias químicas afeta uma região do cérebro chamada córtex orbitofrontal, responsável pela tomada de decisões. “Essas pessoas perdem o livre arbítrio para dizer ‘não’”.
A médica, que estuda nos EUA como a dependência química pode alterar as funções cerebrais, deu uma palestra para cerca de 400 profissionais da saúde na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Segundo Nora, há muitas pessoas que julgam os dependentes como pessoas moralmente fracas, e ignoram que elas perderam o controle de suas ações. “Se você está dirigindo um veículo e tenta não atropelar um gato, o freio pode falhar e você não consegue fazer o que quer. É difícil fazer as pessoas acreditarem algo semelhante ocorre com as drogas”, afirma. “Mesmo quando a pessoa tem a melhor das intenções de não tomar a droga, ela perde a cabeça, o ‘freio’ do cérebro não funciona.”
Genética e stress
De acordo com a especialista, os jovens correm um risco maior de se tornar dependentes químicos. “Na infância e na adolescência, o cérebro é muito plástico [fácil de ser ‘modelado’]. isso é bom para o aprendizado, mas ao mesmo tempo ajuda a pessoa a se tornar dependente de drogas.”
Nora aponta que correm mais riscos aqueles que têm predisposição genética para a dependência ou os que vivem sob condições estressantes, como os que não se dão bem com os pais ou com os amigos. Por isso, segundo ela, um dos métodos que funcionam melhor para a prevenção são os programas que estimulam a auto-estima dos adolescentes, como a prática de esportes.
Medicamentos
A diretora do Nida, que é psiquiatra, defende também maior uso de medicamentos para o controle da dependência. Segundo ela, os remédios conseguem ajudar as pessoas a romper o ciclo vicioso que as leva usarem drogas compulsivamente.
“Assim como a hipertensão, a dependência de drogas é crônica e exige cuidado contínuo. Entre os tratamentos que funcionaram bem estão os que foram levados a cabo por cinco anos, e não um ou três meses”, diz.
O psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Unifesp concorda com a médica. “Se você parte do princípio que o cérebro está com problemas, uma abordagem apenas psicológica pode deixar a desejar.”
Legalização
Segundo Nora, um dos fatores que leva ao vício é o acesso livre às drogas, e por isso ela é contra a legalização. “Hoje os maiores vícios que temos são álcool e nicotina, não porque são as drogas que causam mais dependência, mas porque são as mais disponíveis. Não é uma questão ideológica. É uma questão epidemiológica.”
Ao mesmo tempo, a psiquiatra diz ser contra encarar o dependente como um criminoso. Ela defende que o estado ofereça tratamento e ao mesmo tempo penalize quem não se submete a ele. “Nos Estados Unidos, médicos dependentes que não seguem o tratamento perdem sua licença para trabalhar”, conta.
Fonte : G1 25/03/10
Meu comentário: apesar desta notícia ser de 3 meses atrás (Março), decidi publicá-la pela ainda atualidade do assunto e pelas valiosas informações que o texto contem.
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22 junho, 2010
Consumo de Opiáceos dobrou em 5 anos no Afeganistão, diz ONU
Fonte : Gazeta do Povo
Mães usam fumaça de ópio para acalmar bebês. Afeganistão, Rússia e Irã são os maiores consumidores de opiáceos do mundo
Viciados em drogas com apenas um mês de idade. Mães que acalmam suas crianças soprando fumaça de ópio em seus rostos. Comunidades inteiras dependentes de heroína e com poucas oportunidades de tratamento. O uso de opiáceos como heroína e ópio dobrou no Afeganistão nos últimos cinco anos, informou a Organização das Nações Unidas (ONU) nesta segunda-feira, enquanto centenas de milhares de afegãos usam as drogas para escapar da miséria, da pobreza e da guerra.
Quase 3% dos afegãos com idades entre 15 e 64 anos são viciados em opiáceos, segundo um estudo do escritório da ONU para drogas e crime. A ONU define viciados como usuários regulares.
Isso coloca o Afeganistão, além da Rússia e do Irã, como os três países onde mais se usa opiáceos em todo o mundo, segundo Sarah Waller, funcionária do Escritório para Drogas da ONU em Cabul. Segundo ela, uma pesquisa de 2005 descobriu que cerca de 1,4% dos adultos afegãos eram viciados em opiáceos.
Os dados sugerem que apesar de os Estados Unidos e seus aliados colocarem bilhões de dólares em programas que tentam retirar a economia afegã da ligação com as drogas, ópio e heroína tornaram-se mais presentes na vida dos afegãos comuns. Isso cria uma outra barreira para os esforços internacionais para o combate do comércio de drogas, que ajuda a financiar a insurgência taleban.
"A face humana do problema de drogas no Afeganistão não é vista apenas nas ruas de Moscou, Londres ou Paris. Está nos olhos de seus próprios cidadãos, dependentes principalmente de uma dose diária de ópio e heroína, mas também de maconha, analgésicos e tranquilizantes", disse Antonio Maria Costa, diretor executivo do Escritório da ONU para Drogas e Crime.
O Afeganistão fornece 90% do ópio consumido no mundo, o principal ingrediente da heroína, e é o líder mundial na produção da haxixe. A produção das plantas que dão origem a essas drogas ajuda a financiar os insurgentes e encoraja a corrupção, particularmente no sul, onde o Taleban controla o cultivo de papoula e rotas de contrabando.
O governo afegão e seus apoiadores internacionais têm feito enormes esforços nos últimos anos para desencorajar os agricultores a produzirem papoula e o cultivo caiu 22% no ano passado. Parte da queda deve ter ocorrido por causa dos baixos preços da droga no mercado, mas o governo disse que isso também mostra que a guerra afegã contra as drogas está tendo sucesso. Vinte das 34 província do país foram declaradas livres do cultivo de papoula em 2009.
Ainda assim, cerca de 1 milhão de afegãos - 8% do grupo entre 15 e 64 anos - são usuários regulares de drogas - viciados em opiáceos, bem como em maconha e em tranquilizantes, segundo o relatório, que foi baseado em pesquisas com cerca de 2.500 usuários de drogas, líderes comunitários, professores e médicos.
Em termos de comparação, 0,7% da população no vizinho Paquistão e 0,58% dos norte-americanos com idades entre 15 e 64 anos são usuários regulares de opiáceos, segundo os dados mais recentes da ONU.
Instalações para tratamento são raras no Afeganistão. Apenas 10% dos usuários pesquisados haviam recebido algum tipo de tratamento, embora 90% tenham afirmado que queriam se tratar, segundo a pesquisa.
Em um desses locais, o Centro de Tratamento para Mulheres Sanja Amaj, em Cabul, algumas dezenas de mulheres e crianças recebem cuidados diários. As mulheres esperam em macas para ver os médicos enquanto as crianças passam o dia pintando, brincando e recebendo educação em uma creche.
Quase todas as crianças são viciadas, disse Abdul Bair Ibrahimi, o coordenador de cuidados infantis de Sanja Amaj.
Há uma série de crianças viciadas de 4 e 5 anos. A mais jovem que eles viram tinha um mês de idade.
A Associated Press esteve no centro em fevereiro e conversou com uma mulher de meia-idade que disse ter começado a usar ópio durante o regime do Taleban, que foi encerrado com a invasão liderada pelos Estados Unidos em 2001.
"Eu perdi meus irmãos durante os confrontos e a vida era insuportável. Meu cunhado usava ópio. Ele me viu chorar e sugeriu que eu experimentasse", disse Shirin Gul. Então, dois anos atrás, um sobrinho viciado em heroína veio morar na casa e ela passou a usar a droga, mais pesada. Gul está no centro de tratamento pela segunda vez, pois teve uma recaída.
Sua filha de 15 anos, Gul Paris, também estava sendo tratada por vício em heroína. Ela disse que começou roubando pequenas porções de sua mãe e de seu irmão. "Eu não sabia se era ruim ou não para mim", disse a menina, sentada com os pés descalços numa cama, usando um vestido azul e um lenço de cabeça lilás. Ela tivera uma recaída dois meses antes, depois que seu irmão voltou a usar a droga.
Segundo o relatório da ONU, o número de usuários regulares de ópio subiu 53%, de 150 mil em 2005 para 230 mil em 2009, enquanto os usuários regulares de heroína mais do que dobraram, de 50 mil para 120 mil. A maior parte do aumento aconteceu no sul do país, onde a maior parte da papoula é cultivada.
Entre 12% e 41% dos recrutas da polícia afegã apresentam resultados positivos para o uso de drogas em centros de treinamento regionais, segundo um relatório do governo dos Estados Unidos divulgado em março. Soldados norte-americanos reclamam que seus colegas afegãos estão algumas vezes "alterados" durante operações militares.
"É uma tragédia nacional", disse Ibrahim Azhaar, vice-ministro afegão de combate aos narcóticos.
O aumento do uso de drogas tem efeitos desestabilizadores em comunidades, segundo líderes comunitários entrevistados para o estudo. Eles dizem que os usuários de droga aumentam a violência, insegurança e roubos em suas áreas. "Tem um efeito devastador no desenvolvimento social do país. Tem um efeito devastador em pessoas que são afetadas pelo vício e tem um efeito maior, multiplicado, sobre o restante do Afeganistão", disse Robert Watkins, o enviado da ONU ao Afeganistão.
Não está claro se o preço internacional do ópio nos últimos anos fez com que os traficantes impulsionassem o uso do produto dentro do país, disse o czar norte-americano de combate às drogas Gil Kerlikowske, que visitou o centro Sanja Amaj em fevereiro.
"Claramente, há uma população viciada em expansão neste país. Não importa para um traficante que as pessoas que estão se viciando sejam pobres", disse Kerlikowske. "Se elas se tornarem viciadas, encontrarão formas de pagar pela droga".
Mães usam fumaça de ópio para acalmar bebês. Afeganistão, Rússia e Irã são os maiores consumidores de opiáceos do mundo
Viciados em drogas com apenas um mês de idade. Mães que acalmam suas crianças soprando fumaça de ópio em seus rostos. Comunidades inteiras dependentes de heroína e com poucas oportunidades de tratamento. O uso de opiáceos como heroína e ópio dobrou no Afeganistão nos últimos cinco anos, informou a Organização das Nações Unidas (ONU) nesta segunda-feira, enquanto centenas de milhares de afegãos usam as drogas para escapar da miséria, da pobreza e da guerra.
Quase 3% dos afegãos com idades entre 15 e 64 anos são viciados em opiáceos, segundo um estudo do escritório da ONU para drogas e crime. A ONU define viciados como usuários regulares.
Isso coloca o Afeganistão, além da Rússia e do Irã, como os três países onde mais se usa opiáceos em todo o mundo, segundo Sarah Waller, funcionária do Escritório para Drogas da ONU em Cabul. Segundo ela, uma pesquisa de 2005 descobriu que cerca de 1,4% dos adultos afegãos eram viciados em opiáceos.
Os dados sugerem que apesar de os Estados Unidos e seus aliados colocarem bilhões de dólares em programas que tentam retirar a economia afegã da ligação com as drogas, ópio e heroína tornaram-se mais presentes na vida dos afegãos comuns. Isso cria uma outra barreira para os esforços internacionais para o combate do comércio de drogas, que ajuda a financiar a insurgência taleban.
"A face humana do problema de drogas no Afeganistão não é vista apenas nas ruas de Moscou, Londres ou Paris. Está nos olhos de seus próprios cidadãos, dependentes principalmente de uma dose diária de ópio e heroína, mas também de maconha, analgésicos e tranquilizantes", disse Antonio Maria Costa, diretor executivo do Escritório da ONU para Drogas e Crime.
O Afeganistão fornece 90% do ópio consumido no mundo, o principal ingrediente da heroína, e é o líder mundial na produção da haxixe. A produção das plantas que dão origem a essas drogas ajuda a financiar os insurgentes e encoraja a corrupção, particularmente no sul, onde o Taleban controla o cultivo de papoula e rotas de contrabando.
O governo afegão e seus apoiadores internacionais têm feito enormes esforços nos últimos anos para desencorajar os agricultores a produzirem papoula e o cultivo caiu 22% no ano passado. Parte da queda deve ter ocorrido por causa dos baixos preços da droga no mercado, mas o governo disse que isso também mostra que a guerra afegã contra as drogas está tendo sucesso. Vinte das 34 província do país foram declaradas livres do cultivo de papoula em 2009.
Ainda assim, cerca de 1 milhão de afegãos - 8% do grupo entre 15 e 64 anos - são usuários regulares de drogas - viciados em opiáceos, bem como em maconha e em tranquilizantes, segundo o relatório, que foi baseado em pesquisas com cerca de 2.500 usuários de drogas, líderes comunitários, professores e médicos.
Em termos de comparação, 0,7% da população no vizinho Paquistão e 0,58% dos norte-americanos com idades entre 15 e 64 anos são usuários regulares de opiáceos, segundo os dados mais recentes da ONU.
Instalações para tratamento são raras no Afeganistão. Apenas 10% dos usuários pesquisados haviam recebido algum tipo de tratamento, embora 90% tenham afirmado que queriam se tratar, segundo a pesquisa.
Em um desses locais, o Centro de Tratamento para Mulheres Sanja Amaj, em Cabul, algumas dezenas de mulheres e crianças recebem cuidados diários. As mulheres esperam em macas para ver os médicos enquanto as crianças passam o dia pintando, brincando e recebendo educação em uma creche.
Quase todas as crianças são viciadas, disse Abdul Bair Ibrahimi, o coordenador de cuidados infantis de Sanja Amaj.
Há uma série de crianças viciadas de 4 e 5 anos. A mais jovem que eles viram tinha um mês de idade.
A Associated Press esteve no centro em fevereiro e conversou com uma mulher de meia-idade que disse ter começado a usar ópio durante o regime do Taleban, que foi encerrado com a invasão liderada pelos Estados Unidos em 2001.
"Eu perdi meus irmãos durante os confrontos e a vida era insuportável. Meu cunhado usava ópio. Ele me viu chorar e sugeriu que eu experimentasse", disse Shirin Gul. Então, dois anos atrás, um sobrinho viciado em heroína veio morar na casa e ela passou a usar a droga, mais pesada. Gul está no centro de tratamento pela segunda vez, pois teve uma recaída.
Sua filha de 15 anos, Gul Paris, também estava sendo tratada por vício em heroína. Ela disse que começou roubando pequenas porções de sua mãe e de seu irmão. "Eu não sabia se era ruim ou não para mim", disse a menina, sentada com os pés descalços numa cama, usando um vestido azul e um lenço de cabeça lilás. Ela tivera uma recaída dois meses antes, depois que seu irmão voltou a usar a droga.
Segundo o relatório da ONU, o número de usuários regulares de ópio subiu 53%, de 150 mil em 2005 para 230 mil em 2009, enquanto os usuários regulares de heroína mais do que dobraram, de 50 mil para 120 mil. A maior parte do aumento aconteceu no sul do país, onde a maior parte da papoula é cultivada.
Entre 12% e 41% dos recrutas da polícia afegã apresentam resultados positivos para o uso de drogas em centros de treinamento regionais, segundo um relatório do governo dos Estados Unidos divulgado em março. Soldados norte-americanos reclamam que seus colegas afegãos estão algumas vezes "alterados" durante operações militares.
"É uma tragédia nacional", disse Ibrahim Azhaar, vice-ministro afegão de combate aos narcóticos.
O aumento do uso de drogas tem efeitos desestabilizadores em comunidades, segundo líderes comunitários entrevistados para o estudo. Eles dizem que os usuários de droga aumentam a violência, insegurança e roubos em suas áreas. "Tem um efeito devastador no desenvolvimento social do país. Tem um efeito devastador em pessoas que são afetadas pelo vício e tem um efeito maior, multiplicado, sobre o restante do Afeganistão", disse Robert Watkins, o enviado da ONU ao Afeganistão.
Não está claro se o preço internacional do ópio nos últimos anos fez com que os traficantes impulsionassem o uso do produto dentro do país, disse o czar norte-americano de combate às drogas Gil Kerlikowske, que visitou o centro Sanja Amaj em fevereiro.
"Claramente, há uma população viciada em expansão neste país. Não importa para um traficante que as pessoas que estão se viciando sejam pobres", disse Kerlikowske. "Se elas se tornarem viciadas, encontrarão formas de pagar pela droga".
21 junho, 2010
Estudo diz que 19% dos brasileiros exageram na bebida
Fonte : AE - Agência Estado
A proporção de pessoas que declaram consumo abusivo de álcool cresceu de 16,2% da população, em 2006, para 18,9%, em 2009, de acordo com pesquisa divulgada hoje pelo Ministério da Saúde. Os dados fazem parte da pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), que entrevistou 54 mil adultos.
O ministério considera consumo excessivo de bebida alcoólica a ingestão de cinco ou mais doses na mesma ocasião em um mês, no caso dos homens, e quatro ou mais doses, no caso das mulheres.
O levantamento mostra também que os homens são mais descontrolados na hora de beber. Em 2009, 28,8% deles beberam demais, contra 10,4% das mulheres. "É um nível de consumo elevado e preocupante, pois é fator de risco para acidentes de trânsito, violência e doenças", afirmou Deborah Malta, coordenadora de Vigilância de Agravos e Doenças Não Transmissíveis do Ministério da Saúde. Ela ressaltou que, considerando apenas a população masculina, o índice do Brasil (28,8%) é superior ao do Chile (17%), Estados Unidos (15,7%) e Argentina (14%).
De acordo com a pesquisa, o consumo abusivo de bebida alcoólica é mais frequente entre os jovens de 18 a 24 anos (23%). À medida que a idade avança, o número de exageros diminui. De 45 a 54 anos e de 55 a 64 anos, 17% e 10,5% da população, respectivamente, relatam que beberam em excesso.
São Paulo está entre as cidades onde o índice de consumo abusivo é menor (14,4%), precedida por Curitiba (13,9%) e Rio Branco (14,1%). O maior índice é de Salvador, com 25,6%, seguido por Boa Vista (23,5%) e Macapá (23,9%).
A proporção de pessoas que declaram consumo abusivo de álcool cresceu de 16,2% da população, em 2006, para 18,9%, em 2009, de acordo com pesquisa divulgada hoje pelo Ministério da Saúde. Os dados fazem parte da pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), que entrevistou 54 mil adultos.
O ministério considera consumo excessivo de bebida alcoólica a ingestão de cinco ou mais doses na mesma ocasião em um mês, no caso dos homens, e quatro ou mais doses, no caso das mulheres.
O levantamento mostra também que os homens são mais descontrolados na hora de beber. Em 2009, 28,8% deles beberam demais, contra 10,4% das mulheres. "É um nível de consumo elevado e preocupante, pois é fator de risco para acidentes de trânsito, violência e doenças", afirmou Deborah Malta, coordenadora de Vigilância de Agravos e Doenças Não Transmissíveis do Ministério da Saúde. Ela ressaltou que, considerando apenas a população masculina, o índice do Brasil (28,8%) é superior ao do Chile (17%), Estados Unidos (15,7%) e Argentina (14%).
De acordo com a pesquisa, o consumo abusivo de bebida alcoólica é mais frequente entre os jovens de 18 a 24 anos (23%). À medida que a idade avança, o número de exageros diminui. De 45 a 54 anos e de 55 a 64 anos, 17% e 10,5% da população, respectivamente, relatam que beberam em excesso.
São Paulo está entre as cidades onde o índice de consumo abusivo é menor (14,4%), precedida por Curitiba (13,9%) e Rio Branco (14,1%). O maior índice é de Salvador, com 25,6%, seguido por Boa Vista (23,5%) e Macapá (23,9%).
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20 junho, 2010
Droga não é Demônio
por Elaine Brum
É possível que nunca tenha se falado tanto em drogas como hoje, pelo menos como caso de polícia ou de saúde pública. Nos anos 60, quando as drogas faziam parte do movimento de contracultura, o olhar sobre elas e a função que desempenhavam era outro. E os “malucos beleza” eram vistos de forma muito diversa dos consumidores de crack de agora. A própria diferença de linguagem é reveladora, já que antes se “experimentava” drogas, com a ideia de ampliação de consciência – e hoje se “consome”, como tudo. Um verbo expressa uma vivência – outro o uso. O que mudou, para que o crack tenha se tornado tema de campanha eleitoral, assunto para candidatos à presidência do país?
Ao acompanhar o debate travado em várias instâncias, me parece empobrecedor que um tema tão amplo e cheio de nuances seja reduzido a apenas dois discursos, duas maneiras de olhar: ou é caso de polícia/segurança ou é caso de saúde pública – ou de ambos. Será que estas duas abordagens – repressão e cura – dão conta da complexidade da questão? Desconfio que não.
Por outro lado, me parece bastante curioso que o debate sobre as drogas ilegais atinja esse nível de decibéis justamente numa época em que há um consumo massivo de drogas lícitas, na forma de antidepressivos, ansiolíticos e hipnóticos, receitadas por médicos das mais variadas especialidades. Drogas para ser feliz, para ficar calmo, para dormir. Sem contar as drogas para perder o apetite e aumentar o desejo sexual.
Por que algumas se tornam um problema e outras são vendidas como solução? Quem determina o que o indivíduo pode consumir? E com quais argumentos? E por que aquela que possivelmente seja a droga que causa mais estrago na nossa sociedade – o álcool – é abordada com muito menos estridência?
Ao acompanhar o debate, me chama a atenção o fato de a droga ser encarada como uma espécie de alienígena, desenraizada da sociedade em que é usada e produz sentidos. É como se ela fosse um demônio ou um vírus que entra no corpo à revelia de todo o contexto – desligada de tudo e de todos. E que bastaria ou exorcizá-la, do ponto de vista religioso, ou extirpá-la, no campo da medicina, para que o problema acabasse. Ou ainda reprimir, na visão policial.
Parece que não é tão simples assim – ou o problema já seria menor. Se os mais diversos tipos de drogas sempre foram usados por todas as sociedades, em diferentes momentos históricos, por que a nossa não consegue lidar com elas? Será que não valeria a pena, além de reprimir e tentar “curar”, pensar um pouco mais nos porquês?
exatamente por ser uma questão que produz muito sofrimento é que acho importante refletirmos sobre ela com mais amplidão – e alargar nosso campo de visão. Em busca de respostas – não definitivas, mas possibilidades de respostas –, procurei o psicanalista Eduardo Mendes Ribeiro. Ele é membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (Appoa), mestre em Filosofia pela PUC/RS, doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e consultor do Ministério da Saúde na Política de Humanização do SUS. Estuda o tema das drogas desde os anos 90 e tem vários artigos publicados sobre o assunto.
Nesta conversa, ele nos ajuda a pensar sobre uma questão tão crucial – para além dos estereótipos.
Eu – Hoje, as drogas ou são caso de polícia ou de cura. É como se toda a complexidade da questão coubesse nesses dois modos de ver e não existisse outra possibilidade de abordagem. Por quê?
Eduardo Mendes Ribeiro – Por ao menos duas razões: a primeira é a tendência à simplificação do problema, o que, em tese, ajudaria a entendê-lo e enfrentá-lo. Por essa via, elege-se a droga como a causa do mal e os traficantes como os agentes promotores deste mal. Ora, sendo assim, é fácil concluir que o que devemos fazer é, por um lado, tentar evitar que o mal nos atinja: repressão. E, por outro, se fracassarmos no primeiro intento, temos de extrair o mal de nossos corpos: desintoxicação e abstinência. Essa visão também nos poupa dos complexos e incômodos questionamentos acerca das razões pelas quais tantas pessoas decidem se drogar.
Eu – E quais seriam esses questionamentos tão incômodos? Afinal, por que tantos se drogam, legal e ilegalmente?
Ribeiro - São questionamentos relacionados aos conflitos psíquicos que cada um de nós vivencia: inibições, frustrações, angústias, etc. É muito mais incômodo enfrentar estes fantasmas do que usar uma droga que pode fazer nosso humor melhorar quase imediatamente. O problema é que os fantasmas continuam lá – e nem sempre em silêncio.
Eu – Em sua opinião, quem é mais drogado? O consumidor de crack do centro de São Paulo ou uma faixa significativa da população mais idosa – assim como muitos jovens – que consome tranquilizantes todo dia?
Ribeiro - Atualmente, há uma tendência de se avaliar o grau de gravidade de uma dependência não mais através de escalas quantitativas de intensidade e frequência, mas a partir dos efeitos que essa prática produz na vida de cada sujeito. Nesse sentido, é provável que aquelas pessoas que passam o dia fumando pedra vivenciem um empobrecimento maior de suas interações sociais, além de se manterem em situações de maior vulnerabilidade. Mas, por outro lado, não há razão para acreditarmos que aqueles que vivem uma vida entorpecida estejam em uma situação muito melhor.
Eu – Mas por que o crack incomoda e a população que vive uma vida entorpecida não?
Ribeiro - O usuário de crack, ao menos o usuário estereotipado, com maior visibilidade, é alguém que expõe tudo o que nossa sociedade quer evitar: descontrole, desamparo, vulnerabilidade, improdutividade, laços sociais frágeis, ausência de projeto de futuro, etc. O sujeito entorpecido é muito mais identificado com as crenças e valores que nos orientam: ele é visto como um doente em tratamento, ou seja, ele tem um problema que nossa sociedade, através de seus saberes e especialistas, está tratando. Está tudo em seu lugar...
Eu – Por que o crack virou, hoje, um tema da política, como podemos ver nesse início de campanha eleitoral entre os candidatos a presidente?
Ribeiro - Talvez porque o crescimento rápido do número de dependentes e sua visibilidade pública façam com que se concentrem nesse fenômeno os temores relativos à fragilização de nosso laço social. Os crackeiros espelham, paradoxal e simultaneamente, nossos maiores sonhos e pesadelos: ansiamos por prazer e descompromisso, mas sabemos que precisamos de um conjunto de relações sociais que nos sustentem enquanto sujeitos. Infelizmente, a maior parte dos discursos político-eleitorais é dirigida à promessa de medidas voltadas ao fortalecimento do aparato repressivo e à criação de mais vagas para internação/desintoxicação de dependentes, que é o que responde aos anseios imediatos dos eleitores.
Eu – E como ampliar a abordagem dessa questão, para além da repressão e da cura?
Ribeiro - Nenhum país do mundo resolveu o problema da dependência de drogas por uma razão muito simples: não se trata de um problema de drogas, mas, sim, dos efeitos do tipo de laço social que construímos. Acho que o que podemos fazer é aumentar o repertório de alternativas através das quais as pessoas possam produzir para si um lugar social. Isto pode se dar de várias formas: através da educação, do esporte, da arte ou mesmo da religião. Mas, é claro que precisamos também de políticas de saúde para acolher e tratar aqueles que não conseguem mais controlar seu uso de drogas. Nessa direção, é preciso avançar na implementação do que já está previsto na Reforma Psiquiátrica e na atual Política de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Quando recebo um usuário de drogas em busca de tratamento, costumo propor que falemos de qualquer coisa, menos de drogas. Acho que é disso que eles precisam: encontrar outras coisas capazes de lhes interessar. De drogas eles já falam bastante.
Eu – Praticamente todas as sociedades usaram drogas, mas parece que só na nossa elas se tornaram um problema. Pelo menos um problema nessas proporções. Por que nossa sociedade, diferentemente de outras, não sabe como lidar com as drogas?
Ribeiro - Na maior parte das sociedades conhecidas, as drogas eram consumidas com alguma forma de controle social. Isto não significa que havia mecanismos repressivos para coibir abusos. Ao contrário, significa que havia um conjunto de entendimentos compartilhados que orientava o uso, em determinadas situações e com determinadas finalidades. Isso poderia se dar em rituais de cura, de mediação com o sagrado ou mesmo com finalidades orgiásticas, para aliviar tensões e produzir prazer. O conhecimento que temos acerca do uso de drogas em outras sociedades nos mostra que, se ele ocorresse com alguma forma de controle social, não trazia problemas pessoais ou para a comunidade. Provocar alterações dos estados de consciência representava algo de extraordinário que acontecia em situações muito específicas. Em nossa sociedade, este tipo de uso ocorre, por exemplo, no Carnaval, quando muitas pessoas se autorizam a fazer coisas que não fazem em seu cotidiano, o que inclui um consumo maior de drogas. E depois voltam à rotina.
Eu – E o que aconteceu na sociedade ocidental moderna para que a droga passasse a se integrar ao cotidiano e ser usada para o gozo individual?
Ribeiro - O desenvolvimento do liberalismo político e econômico trouxe consigo a constituição de um ethos fortemente individualista. A modernidade rompeu com o passado, afirmando o poder de autodeterminação dos indivíduos. No início, ainda se manteve orientada por um ideal coletivo, representado pelo progresso da ciência. Acreditava-se então que a ciência seria capaz de nos revelar, cada vez mais, o que era real e verdadeiro. Entretanto, no decorrer dos últimos séculos, esse ideal não cumpriu com suas promessas, como tampouco o fizeram outros ideais sociais, como o socialista e aqueles propostos pelos movimentos contraculturais. É nesse contexto que os laços sociais construídos a partir da tradição – passado – ou de projetos coletivos – futuro – se encontram desgastados, produzindo um achatamento do tempo e a percepção de que o que há para ser vivido tem que ocorrer agora. Os interesses pessoais e a pressa são elementos presentes em nosso cotidiano. E é nessa realidade que proliferam diferentes modalidades de uso de drogas: ora para aliviar tensões, ora para potencializar desempenhos.
Eu – Hoje há uma satanização das drogas, como se elas possuíssem a pessoa à revelia. Como se o processo de se drogar fosse externo ao indivíduo – e não algo movido por questões e necessidades internas, que começou pela escolha daquela pessoa de usar determinada droga, ainda que depois possa ter perdido o controle. Por quê?
Ribeiro - Diante de certos efeitos indesejáveis da ordem social moderna, tendemos a produzir práticas e representações originadas nos tempos pré-modernos. Explicando melhor: mesmo considerando que nossa sociedade se constituiu em torno de uma ética da responsabilidade – temos autonomia para pensar e agir, mas precisamos responder por nossos atos –, a consagração da visão simplista que sataniza as drogas representa um retorno às velhas crenças animistas que atribuem poderes e intenções a substâncias inanimadas. Algumas interpretações antropológicas evolucionistas defendiam que, no campo religioso, haveria um processo de “evolução” das sociedades. Ou seja: em seu início atribuíam poderes sobrenaturais a seres ou forças da natureza, depois teriam vindo as sociedades politeístas e, finalmente, as monoteístas. Estas teses evolucionistas encontram-se desacreditadas no campo antropológico, mas é fato que muitas sociedades “simples” acreditavam no poder sobrenatural de certas substâncias naturais. É um pouco como alguns setores da sociedade enxergam as drogas hoje.
Eu – Em um de seus artigos, você diz que, no início, as igrejas viam as drogas, todas elas, como coisa do demônio. Já a ciência se contrapunha a esta visão, apostando na autonomia das consciências. Hoje, ambas parecem demonizar as drogas. O que isso significa?
Ribeiro - Na Idade Média, a Igreja condenava o uso de drogas por razões teológicas: “só Deus tem o poder de curar”. Mas também por disputas de mercado envolvendo fé e poder, pois não lhe interessava permitir o crescimento da influência de feiticeiras e curandeiros. Hoje, esse discurso mudou e a condenação que grande parte das igrejas faz ao uso de drogas é fundamentada em sua suposta associação a práticas libertinas, hedonistas e promíscuas. Assim como também é uma eficaz estratégia de marketing para algumas denominações. Basta observar que muitos dos pastores se apresentam como ex-usuários de drogas que, com a ajuda de Deus – e da igreja, através dos dízimos –, conseguiram se libertar. Esse trânsito, das drogas para a religião, é muito frequente.
Eu – E a ciência?
Ribeiro - O deslocamento operado no campo científico é mais sutil. Partiu da afirmação do direito de qualquer um poder usar a droga que quiser e de uma posição liberal, em que o direito de experimentação fazia parte do processo em que se dava o progresso da ciência. Vale a pena lembrar que até o início do século passado todas as drogas conhecidas eram vendidas livremente em farmácias. Partiu-se disso para uma pretensão de controle e prescrição de uso. Ou seja, as drogas são instrumentos importantes no combate a doenças e na produção de bem-estar, mas seu uso deve ser orientado pelo saber científico, o quer exclui, evidentemente, as modalidades de uso espontâneas.
Eu – A abordagem atual das drogas parece intimamente ligada à questão do poder e do controle. Como você vê essa relação?
Ribeiro - Atualmente, a forma hegemônica de abordar a questão é resultante de um conjunto de fatores que pouco ou nada tem a ver com os que determinam o consumo. As estratégias de controle e repressão social defendidas por grupos orientados por ideais religiosos e/ou totalitários é um deles. Mesmo considerando que vivemos em uma sociedade fundada a partir de uma ética da responsabilidade – somos responsáveis pelos nossos atos e respondemos por eles – ou justamente por isso, convivemos com grupos que temem os efeitos dessa liberdade. Em vez de uma multiplicidade de formas de pensar e agir, eles prefeririam que todos agissem conforme seus princípios e crenças. Essa posição não se manifesta apenas no campo estritamente religioso, podendo estar presente em diferentes segmentos sociais. Nesse sentido, combate-se o uso de drogas porque ele seria potencialmente subversivo, pouco controlável. Outro fator são os interesses políticos e econômicos de laboratórios e setores da corporação médica, que reivindicam a exclusividade do direito de manipular corpos e mentes. Com o passar do tempo, no contexto da modernidade, o uso de drogas passou a ser cada vez menos controlado socialmente, seja por rituais tradicionais e/ou religiosos, seja por saberes autorizados, como médicos, curandeiros, etc. Este uso “individual” e espontâneo foge ao controle, não podendo ser utilizado como instrumento de poder político ou econômico. Daí a insistência em manter a produção e autorização de consumo de drogas sob o controle de laboratórios e médicos, respectivamente.
Eu – Você não acredita que a repressão possa causar a redução do consumo?
Ribeiro - Os conflitos oriundos da marginalização do comércio e consumo de algumas drogas acabam por produzir um senso comum que evita a complexidade da questão e produz a estigmatização dos usuários e a defesa de medidas paliativas – ainda que necessárias –, como a repressão do tráfico e o tratamento de dependentes. Basta lembrar o episódio da Lei Seca, nos Estados Unidos, para concluir que as estratégias repressivas pouco ou nada contribuíram para a diminuição do consumo. Pelo contrário, seu efeito foi de outra ordem: expansão da corrupção policial, aumento do número de problemas de saúde em função do consumo de drogas de má qualidade, criação de um mercado marginal e violento, etc. Essa avaliação foi feita pelo próprio governo dos Estados Unidos, por ocasião da promulgação do ato que aboliu a Lei Seca. Hoje, há um entendimento largamente difundido de que as drogas são a encarnação do mal em nossa sociedade. Trata-se de uma poderosa aliança entre os discursos religioso, científico e o da segurança pública. O mais produtivo seria abordar frontalmente o problema e reconhecer que o uso de drogas em nossa sociedade faz parte de nossa cultura, como fez de tantas outras. E que, em vez de lançar cruzadas antidrogas, hipócritas e inúteis, deveríamos discutir as diferentes modalidades de usos, lícitas e ilícitas, e encontrar formas de minimizar seus efeitos danosos, individuais e sociais. Acredito que essa realidade se constitui no campo das disputas simbólicas, onde se definem valores e sentidos.
Eu – Como assim?
Ribeiro - O que faz com que o uso de drogas assuma determinado valor e determinada função para algumas pessoas? Como intervir nessa realidade? É evidente que não bastam campanhas publicitárias afirmando que “fumar é brega” ou que o “crack mata”. Não são mais os saberes tradicionais, passados de pai para filho, que orientam nossa compreensão do mundo. Vivemos em uma sociedade fragmentada e individualista, mas que se articula através de uma complexa rede de relacionamentos, presenciais e virtuais. É nesse universo que os sentidos vão se definindo e se modificando. Sendo assim, é possível afirmar que, quanto maior for a troca de idéias e experiências, menor será a possibilidade de um ou mais discursos assumirem uma posição de domínio. Acredito que ganharíamos muito se “gastássemos” essa discussão sobre as drogas, diminuindo sua importância, fazendo com que elas deixem de ser vistas como solução de todos os problemas ou como causadora de todos os males.
Eu – Vivemos numa sociedade onde se consome muitas drogas legais, parte delas receitada por médicos das mais variadas especialidades. A mesma sociedade que parece ficar um pouco histérica com o crack, por exemplo, não parece ver nenhum problema na massificação do uso de antidepressivos e ansiolíticos. Por que algumas drogas podem ser usadas e outras não? Umas são desejáveis e “terapêuticas” e outras são demonizadas? Qual é a diferença, afinal? Se tomamos drogas para dormir, para ficar feliz, para ficar calmo, para não sentir fome, para ter tesão, por que é ruim cheirar coca, fumar maconha e usar crack? Não estou dizendo que é bom, apenas questionando a lógica de que uma pode e a outra não, uma está incluída e a outra é marginal...
Ribeiro - Do ponto de vista do funcionamento subjetivo, não há nenhuma diferença entre cheirar cocaína, fumar maconha, usar crack ou beber cachaça, consumir antidepressivos, anfetaminas, ansiolíticos. É a mesma lógica: se faz uso de uma substância para produzir uma desejada alteração do estado de consciência e humor. É importante que se diga que as razões pelas quais algumas drogas são proibidas e outras não são proibidas não tem qualquer fundamento epidemiológico, médico, psicológico ou antropológico. Certas drogas são proibidas não por serem mais “fortes” ou “pesadas”, nem por terem maior potencial de criar dependência, ou por causarem mais problemas orgânicos. As origens da proibição podem ser buscadas em um conjunto de preconceitos morais e sectários do início do século XX. Nos Estados Unidos, por exemplo, a proibição de algumas drogas esteve ligada à desconfiança que os puritanos manifestavam com relação à massa de imigrantes que chegava às grandes cidades americanas no início do século. Assim, diferentes drogas foram associadas a diferentes etnias: a condenação do uso de ópio resultou das acusações de corrupção infantil feitas aos chineses; a cocaína era associada à permissividade sexual atribuída aos negros; a maconha à “invasão” dos mexicanos; e o álcool às “imoralidades” de judeus e irlandeses. É evidente que, posteriormente, os interesses econômicos – indústria de bebidas alcoólicas, de cigarros e laboratórios – passaram a atuar fortemente com vistas à manutenção de sua reserva de mercado. É sabido que hoje o maior número de dependentes de drogas é alcoolista. E o álcool é uma droga legal.
Eu – Por que está tudo certo se as drogas são receitadas por médicos, mas tudo errado se não? O problema estaria no controle, as que são consideradas ilegais seriam aquelas que não podem ser controladas por ninguém?
Ribeiro - Os remédios vendidos apenas sob prescrição médica não são as únicas drogas legais, nem as mais usadas. As bebidas alcoólicas não estão sob controle e podem produzir efeitos da mesma intensidade que os provocados por outras drogas lícitas e ilícitas. Portanto, o “controle” se refere muito mais a questões relativas à produção, circulação e, evidentemente, acumulação de lucros. Neste sentido, as drogas ilegais estão “fora do controle”.
Eu – Qual é a aposta que se faz na droga? Como a droga se aproxima da sociedade de consumo na medida em que promete – e por um tempo realiza – a possibilidade de ser feliz ou do gozo pleno, tão caro à nossa época?
Ribeiro - Se considerarmos que o capitalismo produziu algo que seria da ordem de uma perversão no campo das relações sociais, na medida em que promoveu o que Marx chamou de “fetichismo das mercadorias”, poderíamos pensar que o aumento significativo de casos de dependência de drogas seria efeito de uma nova perversão, que se constitui como desdobramento da primeira. Ou seja: a lógica da sociedade de consumo se encontra orientada para um progressivo aumento na produção e consumo de bens, que, neste contexto, operam como mediadores das relações sociais, índices de prestígio e elementos produtores de identidades sociais. Entretanto, quando certas modalidades de uso de drogas fazem com que elas se tornem o objeto único de desejo, subverte-se a lógica capitalista. Paradoxalmente, a crença no poder dos objetos pode se constituir numa ameaça a um sistema alicerçado em torno do consumo. Na lógica capitalista, o prazer ou a felicidade que supostamente poderia ser alcançado através da posse de um objeto deve ser sempre parcial e efêmero, fazendo com que o desejo deslize para outros objetos, retroalimentando o sistema, que se constitui numa forma de laço social. O prazer derivado do uso de drogas, mesmo podendo ser intenso, também é parcial e efêmero. Mas, exatamente por sua intensidade e exclusividade, tende a deslocar o sujeito do contexto socialmente regulado de produção e consumo. Quando o sujeito passa a desejar um único objeto, ele deixa de consumir todos os demais. Além disso, dependentes de drogas também não costumam se manter atuantes em atividades laborais, o que faz com que ganhem pouco e consumam menos.
Eu – Nesse sentido, a droga é antissocial, como nós mesmos o somos, preocupados apenas com a satisfação dos nossos desejos, independentemente do desejo do outro – e não de um projeto coletivo, mais amplo, que inclui o outro? A droga, portanto, se encaixa perfeitamente no modelo individualista, que não está nem aí para o que não é a sua vida ou a vida de uns poucos ao seu redor?
Ribeiro - Exatamente. Mas é importante que fique claro que não se trata de um entendimento fundado em algum tipo de imperativo moral de fraternidade. O risco do uso de drogas em uma sociedade individualista se dá em função de um equívoco, socialmente produzido, de pensar que somos – ou deveríamos ser – radicalmente livres. Segundo esse ideal, não deveríamos depender de ninguém. Por exemplo: deveríamos desfazer qualquer casamento, aliança ou sociedade no momento em que não mais nos conviesse. O problema é que só nos constituímos e nos sustentamos enquanto sujeitos a partir das relações que mantemos com outros sujeitos. Quanto mais frágeis forem estas relações, mais instáveis nos tornamos. E seremos mais dependentes de outras estratégias para nos prover de alguma consistência identitária. Nesse sentido, é possível afirmar que o uso de drogas pode passar a ser um problema para aqueles sujeitos que não assumem ou constroem relações sociais de dependência.
Eu – Para estes, a droga toma o lugar do que?
Ribeiro - Eles dependem da droga para não depender das relações com outras pessoas. É uma tentativa extrema e paradoxal de manter sua independência.
Eu – As drogas legais, que mantêm o indivíduo produzindo e consumindo, não parecem ser vistas como um problema. Já as ilegais tornam-se um problema de polícia e/ou de saúde pública. Como você vê essa dicotomia de abordagem?
Ribeiro - Creio ser disseminado um equívoco intencional na abordagem dessa comparação entre os efeitos produzidos pelas drogas lícitas e ilícitas. Não há na literatura especializada nem nos estudos epidemiológicos qualquer evidência que fundamente o entendimento de que as drogas legais mantenham os sujeitos engajados socialmente, enquanto as ilegais produzam improdutividade. As estatísticas demonstram que a droga que mais incapacita seus usuários é o álcool, cujo consumo é legal. Além disso, faltam estudos que investiguem o quanto a prescrição excessiva de psicofármacos, por parte de médicos de diferentes especialidades, condena um grande número de sujeitos a uma vida anestesiada, desvitalizada. Se o médico está apenas preocupado em eliminar o sintoma de seu paciente, este é um processo que pode ir muito longe, porque dificilmente o sujeito apresenta uma única queixa. E, muitas vezes, novas queixas surgem como efeito das primeiras medicações. Assim, passado algum tempo, não há mais como saber o que está se passando com essa pessoa: o que é produto de sua história, de seus conflitos, e o que é efeito desta profusão de remédios. Na maior parte das vezes, o objetivo dessa orientação terapêutica é que o sujeito não sinta nada considerado indesejável. E esse objetivo é alcançado: o paciente não sente mais nada. Por outro lado, basta analisar as pesquisas epidemiológicas e as estatísticas policiais para comprovar que apenas uma ínfima parcela dos consumidores de drogas ilícitas se torna um dependente, incapaz de manter seus laços sociais, incluindo aí os laborais.
Eu – Não é curioso que o mesmo médico que receita drogas legais para anestesiar o sofrimento, já que sofrer parece ter virado uma anomalia, pretende “curar” os viciados em drogas ilegais?
Ribeiro - Temos aqui duas perspectivas diferentes: a do sujeito que busca uma ajuda para enfrentar seus sofrimentos, que podem ter múltiplos determinantes; e a destes médicos, que tendem a ver apenas o sintoma. Se o sujeito está deprimido, prescrevem-lhe um antidepressivo, se está ansioso, um ansiolítico. E assim por diante. Isso ocorre nos mais diversos contextos clínicos, não apenas no tratamento de dependentes de drogas. Por outro lado, a estratégia de prescrição de drogas de substituição, para combater a dependência a uma determinada droga, é muito antiga e largamente utilizada, principalmente nos Estados Unidos. Ela costuma funcionar quando a dependência é produzida por circunstâncias específicas e episódicas, como a utilização de morfina em feridos de guerra. Nos demais casos sua eficácia é muito duvidosa, pois parte da suposição de que foi a droga que viciou o sujeito.
Eu – E não foi a droga que o viciou?
Ribeiro - Esta é a principal questão: nenhuma droga vicia. São as pessoas que, eventualmente, se viciam com alguma droga. Isso lembra aquelas advertências de nossas avós, para que não aceitássemos balas de estranhos na saída do colégio, porque elas poderiam conter maconha e nós ficaríamos viciados. Ao contrário do que é veiculado pela maioria das campanhas, qualquer um de nós poderia experimentar até mesmo o crack algumas vezes, sem se viciar. É sempre um sujeito que decide usar uma droga e pode, ou não, optar por levar essa relação mais longe. É claro que existem sujeitos cujas circunstâncias fazem com que eles corram um maior risco na relação com a droga, mas as drogas não fazem nada, são substâncias inertes.
Eu – As substâncias podem não ter poderes sobrenaturais, como acreditavam e acreditam algumas culturas, mas está provado que algumas substâncias causam dependência, em menor ou maior grau. O que você quer dizer, exatamente, quando afirma que a drogas não viciam?
Ribeiro - Ninguém questiona a existência da dependência de drogas, mas faz muita diferença quem é o sujeito da frase. Dizer que as drogas viciam é diferente de dizer que pessoas se viciam com drogas. O que afirmo é que, para se estabelecer uma dependência, alguém decidiu usar drogas. E é esta motivação, e a história da relação do sujeito com a droga, no contexto mais amplo de suas circunstâncias, que vai definir se ele se tornará um dependente – ou não. Também é importante observar que, no contexto do tratamento de uma dependência de drogas, a primeira etapa, a desintoxicação, é a mais rápida e fácil. Em duas ou três semanas já não há mais nenhuma substância com princípio psicoativo atuando no corpo do sujeito. E todos sabem que ele não está curado de sua dependência. Permanece uma espécie de "memória", que não é exclusivamente orgânica, nem exclusivamente psíquica, e que se encontra associada a certas situações e sensações que fazem parte da vida do sujeito. Assim, diante de determinado conflito familiar, ou determinada frustração, ele pode voltar a sentir uma "necessidade" de usar a droga a que costumava recorrer.
Eu – Hoje há uma droga legal, adquirida com receita médica, para cada sentimento humano de desconforto ou conflito. Em que medida o fato de nossa sociedade considerar qualquer sofrimento um sintoma que precisa ser abafado e anestesiado com drogas influencia no uso das drogas ilegais?
Ribeiro - É verdade que os sintomas podem produzir sofrimento, mas, ao contrário do que acontece com as dores orgânicas, em que na maioria das vezes não há razão para não tentarmos eliminá-las, as dores psíquicas cumprem uma função importante de sinalizar a existência de um conflito que está exigindo uma resposta. Eliminar esse sinal apenas nos condena à impotência frente à causa de nosso sofrimento. E ao inevitável deslizamento, com a formação de outro sintoma, com o agravante de termos ainda que suportar os efeitos colaterais da medicação. Um conflito psíquico pode produzir sintomas, inibições, angústias e outros desconfortos. Geralmente isso perturba nossa vida, fazendo com que soframos com coisas que, para os outros, parecem banais. Esses conflitos podem ser tratados, mesmo que nunca completamente eliminados. Isso faz parte da vida de todos nós, mesmo fora do contexto de um tratamento psicológico: a gente tenta superar certas dificuldades, consegue alguns sucessos, volta a deparar com limites e carências, e a vida vai andando. Dá certo trabalho e não nos poupa de vários momentos de mal-estar, mas é a forma como assumimos a direção de nossas vidas – e pode também produzir muita satisfação. Algo diferente ocorre quando se busca evitar esse trabalho psíquico e o mal-estar que o acompanha: sofremos menos em um primeiro momento, mas perdemos a possibilidade de superar aquilo que está nos aprisionando: contornamos nossos conflitos sem nunca conseguir fazê-los mudar de lugar.
Eu – Mas o quanto a visão contemporânea de que o sofrimento é sinônimo de fracasso e deve ser suprimido da vida tem a ver com o uso de drogas ilegais?
Ribeiro - Acredito que isso tem a ver com o uso de drogas em geral, e não apenas das drogas ilícitas. As estatísticas médicas e farmacêuticas indicam que vivemos em tempos de depressão. Nada de novo nessa constatação. Entretanto, chama a atenção o fato de outras avaliações de nossa sociedade apontarem para a direção oposta: cada vez mais percebemos a existência de uma cultura dinâmica, voltada para a busca de prazeres imediatos, que reconhece e valoriza quase todas as formas de gozo. Tornamo-nos maníacos e depressivos, mas não necessariamente ciclotímicos. Talvez seja mais preciso afirmar que uma sociedade maníaca tende a produzir subjetividades depressivas, pois se o ideal social que nos serve de referência preconiza que todo sofrimento deve ser superado, encontra-se desvalorizado todo aquele que não consegue se ajustar aos modelos de felicidade propostos. Não é difícil entender o quanto o uso de drogas se “encaixa” bem nesse contexto: ele pode tanto nos aliviar de nossas frustrações quanto nos ajudar a melhorar nossos desempenhos. Basta escolher a droga certa para o momento certo.
Eu – Você faz, em seus artigos, uma afirmação muito interessante – e bastante polêmica – sobre como o saber médico e o toxicômano veem a droga da mesma maneira. Você afirma que a teoria médica coincide com a do toxicômano, na medida em que procura isolar o aparelho psíquico para gozar dele como um órgão. Ou seja, com o auxílio de determinadas drogas pretende-se tanto curar um corpo doente como uma vida doente, sem problematizar as modalidades de relação com o outro. Como é isso?
Ribeiro - Tomemos o exemplo fictício, mas não incomum, de um adolescente que cotidianamente observa seu pai chegar em casa meio estressado e tomar umas doses de cachaça ou uísque; sua mãe consumir religiosamente seu ansiolítico; o médico da família, frente ao primeiro sinal de tristeza e abatimento, receitar um antidepressivo. Esse adolescente, diante das angústias próprias de sua idade, teria alguma razão para se recusar a fazer uso de um cigarro de maconha de vez em quando? Qual seria a diferença? Nesse exemplo, estamos longe de uma toxicomania, mas percebemos uma mesma lógica, que pode vir a ser acionada em situações extraordinárias, como a de uma dependência de drogas. Isso nos lembra do Millôr, que afirmava ter nascido com duas doses de uísque a menos, pois, quando as tomava, se sentia muito melhor. É a mesma coisa: se a psique é vista como um órgão, e se o remédio faz com que este órgão funcione melhor, deduz-se que era ele o que estava faltando. Ou seja, depois de procurar curar o corpo, o órgão doente, hoje se pretende curar a vida doente.
Eu – O crack é a droga do momento, a grande epidemia. Você acha que o crack é diferente das outras drogas e deve ter uma abordagem diferente?
Ribeiro - Mesmo que se faça uma crítica a muitas abordagens acerca do uso de drogas e às propostas hegemônicas para enfrentar o problema – e é importante que a crítica seja feita –, não há como deixar de reconhecer que se trata de um problema social que exige respostas urgentes. Entretanto, independentemente do tipo de droga utilizada, e mesmo que se reconheça a enorme diferença que existe entre os efeitos do consumo de maconha e de crack, por exemplo, não acredito que devamos nos dedicar à proposição de “estratégias para combate do uso de drogas” ou de uma “clínica da dependência de drogas”. Da mesma forma que não acredito em uma “clínica da depressão” ou uma clínica da “síndrome do pânico”. Em vez de reduzirmos o sujeito ao seu sintoma, ganharíamos mais diversificando nossas estratégias para operar uma “clínica do sujeito”, levando em consideração os contextos sociais em que essas subjetividades são produzidas.
Eu – E como seria uma “clínica do sujeito”?
Ribeiro - Parto do entendimento de que cada sujeito é absolutamente singular, o que faz com que o trabalho terapêutico também tenha que ser construído caso a caso. É nesse sentido que recuso a idéia de uma “clínica da toxicomania”, como se esses sujeitos compusessem um conjunto, com problemas e saídas semelhantes. Mas é possível propor algumas estratégias e linhas de ação. Nos casos menos graves, atendidos em consultórios e ambulatórios, entendo que o uso de drogas deva ser abordado no contexto da história e do conjunto de relações mantidas por cada pessoa. Não é o uso de drogas que define sua posição subjetiva e o seu sofrimento, mas o contrário: a relação que ele estabelece com as drogas é resultante da forma como ele vivencia seus conflitos e relações. Já nos casos mais graves, em que há uma perda de autonomia do sujeito, se torna necessária uma vinculação institucional, de preferência sem internação, através da qual ele possa contar com o apoio de uma equipe multiprofissional que lhe auxilie em seu processo de reinserção social.
Eu – Como você vê os tratamentos oferecidos para “curar” a drogadicão, que em geral partem de uma oferta da medicina ou da religião ou de uma aliança entre ambas?
Ribeiro - A maioria dos dependentes de drogas que procuram – ou são levados a – tratamento se encontra em uma situação de fragilidade de suas inserções sociais. Normalmente não estão trabalhando ou estudando e vivenciam conflitos no âmbito familiar. Experimentam um sentimento de anomia, em uma errância que tem como únicos pontos de referência os caminhos que levam à droga. Ora, essa situação produz muita angústia, e não raro desespero. Diante dessa realidade, não é de surpreender que as ofertas de certas comunidades religiosas exerçam forte sedução, afinal elas prometem uma pertença comunitária, uma visão de mundo estruturada e uma função revestida de importância e dignidade – “a construção da Obra do Senhor”. Mas essa “solução” cobra seu preço, e não é barato: espera-se do sujeito que ele seja capaz de abrir mão de seus conflitos, ou seja, de sua história, e se engaje incondicionalmente em um projeto coletivo, que ele já recebe pronto. As correntes mais biológicas da psiquiatria, muitas vezes aliadas a determinadas versões da psicologia cognitivo-comportamental, apresentam outro entendimento do problema, de onde deriva outra proposta terapêutica. Esta é direcionada a uma reprogramação da mente e do comportamento, visando sua “normalização”. O que há de comum entre essas ofertas são as certezas de que partem. Não há lugar para dúvidas acerca do que é certo e do que é errado. Para quem está totalmente perdido, isso não é pouca coisa.
Eu – Mas, a longo prazo, funciona? A pessoa consegue manter esse engajamento no projeto, que, por sua vez, a mantém longe das drogas?
Ribeiro - Dificilmente. Essa reprogramação exige que o sujeito assuma uma nova vida, e sabemos que nossa liberdade de escolha é limitada: não podemos escolher quem queremos ser. Somos o produto de uma história, que não se deixa ignorar. Mas, embora hegemônicos, esses campos, felizmente, não detêm a exclusividade no tratamento da dependência química. “Felizmente” não porque eles sejam sempre ineficazes ou mal-intencionados, longe disso, mas porque muitos dependentes não se adaptam a suas propostas. Há muitas clínicas, ambulatórios e CAPS-ad (Centros de Atenção Psicossocial a usuários de substâncias psicoativas) que assumem um maior respeito à liberdade de escolha dos sujeitos, tomam como referência a estratégia de redução de danos e trabalham a partir de uma escuta das singularidades de cada caso.
Eu – Como você vê o jogo de culpa que se faz na abordagem das drogas: é culpa da família, é culpa do traficante, é culpa do Estado, é culpa dos amigos viciados, é culpa de um mundo sem valores ou há tantos culpados que ninguém mais tem culpa? A culpa cumpre algum papel nesse jogo?
Ribeiro - A culpa é um dos sentimentos – ou acusações – mais inúteis e produtores de sofrimento com que temos de conviver. Ela nada produz além de recriminações e ressentimentos. Além disso, a atribuição de culpa costuma ser utilizada por discursos autorizados – o científico, o policial ou o religioso – como estratégia de imposição autoritária de seus pontos de vista. Mais interessantes são as tentativas de produção de consensos mínimos sobre os problemas que envolvem o consumo de drogas e a pactuação de responsabilidades no que se refere à forma como o problema deverá ser enfrentado. Isso vale tanto para um contexto familiar, quanto para a elaboração e implementação de políticas públicas.
Eu – Qual é a sua opinião sobre a descriminalização das drogas, no geral, e a descriminalização só da maconha, como propõem alguns, inclusive o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso?
Ribeiro - Não vejo razões pelas quais consumir drogas deva ser considerado um crime, o que não é o mesmo que defender sua liberação irrestrita. É interessante notar que as origens da proibição ao uso de determinadas drogas não estão relacionadas a qualquer avaliação de ordem médica, psicológica, epidemiológica ou antropológica. Estão associadas de forma muito mais direta às pressões exercidas por certos segmentos sociais, a partir de preconceitos morais e estigmatizações sectárias. Deveríamos ser capazes de aprender com nossos erros e, no momento em que se evidenciam as contradições de nossa política proibicionista, investir em estudos multidisciplinares e promover um amplo debate, depurado de moralismos e respostas fáceis.
Eu – E quais seriam as questões centrais deste debate?
Ribeiro - Questões que discutam poder e responsabilidade. O que legitima que alguém legisle ou defina o que posso ou não consumir? Se é uma questão que extrapola o âmbito das liberdades individuais, envolvendo problemas de saúde pública, quais são os critérios para definir quem pode e quem não pode consumir tais e tais drogas? Repressão e marginalização são boas estratégias para a produção de saúde?
Eu – Qual é a sua opinião sobre a campanha nacional contra o crack lançada pelo Ministério da Saúde (e recentemente ampliada pelo presidente Lula)?
Ribeiro - A campanha promovida pelo Ministério da Saúde promove grandes avanços, entre eles o de respeitar os direitos dos usuários, o de operar a partir da lógica de redução de danos, o de priorizar a abordagem do problema no território em que vive o usuário e o de evitar internações prolongadas. Entretanto, é sabido que esse tipo de abordagem enfrenta fortes resistências de parte daqueles que se opõem a Reforma Psiquiátrica e se mostram saudosos dos antigos manicômios. Para estes, o melhor seria ampliar o número de leitos de internação, segregar e “tratar” o maior número possível de usuários, para depois “devolvê-los” – se possível – para o convívio social. Infelizmente, através dessa estratégia, muitos psiquiatras evitam a abordagem da intensidade dos dramas humanos - preferindo a calmaria dos sedativos.
Fonte : Elaine Brum - Revista Época
É possível que nunca tenha se falado tanto em drogas como hoje, pelo menos como caso de polícia ou de saúde pública. Nos anos 60, quando as drogas faziam parte do movimento de contracultura, o olhar sobre elas e a função que desempenhavam era outro. E os “malucos beleza” eram vistos de forma muito diversa dos consumidores de crack de agora. A própria diferença de linguagem é reveladora, já que antes se “experimentava” drogas, com a ideia de ampliação de consciência – e hoje se “consome”, como tudo. Um verbo expressa uma vivência – outro o uso. O que mudou, para que o crack tenha se tornado tema de campanha eleitoral, assunto para candidatos à presidência do país?
Ao acompanhar o debate travado em várias instâncias, me parece empobrecedor que um tema tão amplo e cheio de nuances seja reduzido a apenas dois discursos, duas maneiras de olhar: ou é caso de polícia/segurança ou é caso de saúde pública – ou de ambos. Será que estas duas abordagens – repressão e cura – dão conta da complexidade da questão? Desconfio que não.
Por outro lado, me parece bastante curioso que o debate sobre as drogas ilegais atinja esse nível de decibéis justamente numa época em que há um consumo massivo de drogas lícitas, na forma de antidepressivos, ansiolíticos e hipnóticos, receitadas por médicos das mais variadas especialidades. Drogas para ser feliz, para ficar calmo, para dormir. Sem contar as drogas para perder o apetite e aumentar o desejo sexual.
Por que algumas se tornam um problema e outras são vendidas como solução? Quem determina o que o indivíduo pode consumir? E com quais argumentos? E por que aquela que possivelmente seja a droga que causa mais estrago na nossa sociedade – o álcool – é abordada com muito menos estridência?
Ao acompanhar o debate, me chama a atenção o fato de a droga ser encarada como uma espécie de alienígena, desenraizada da sociedade em que é usada e produz sentidos. É como se ela fosse um demônio ou um vírus que entra no corpo à revelia de todo o contexto – desligada de tudo e de todos. E que bastaria ou exorcizá-la, do ponto de vista religioso, ou extirpá-la, no campo da medicina, para que o problema acabasse. Ou ainda reprimir, na visão policial.
Parece que não é tão simples assim – ou o problema já seria menor. Se os mais diversos tipos de drogas sempre foram usados por todas as sociedades, em diferentes momentos históricos, por que a nossa não consegue lidar com elas? Será que não valeria a pena, além de reprimir e tentar “curar”, pensar um pouco mais nos porquês?
exatamente por ser uma questão que produz muito sofrimento é que acho importante refletirmos sobre ela com mais amplidão – e alargar nosso campo de visão. Em busca de respostas – não definitivas, mas possibilidades de respostas –, procurei o psicanalista Eduardo Mendes Ribeiro. Ele é membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (Appoa), mestre em Filosofia pela PUC/RS, doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e consultor do Ministério da Saúde na Política de Humanização do SUS. Estuda o tema das drogas desde os anos 90 e tem vários artigos publicados sobre o assunto.
Nesta conversa, ele nos ajuda a pensar sobre uma questão tão crucial – para além dos estereótipos.
Eu – Hoje, as drogas ou são caso de polícia ou de cura. É como se toda a complexidade da questão coubesse nesses dois modos de ver e não existisse outra possibilidade de abordagem. Por quê?
Eduardo Mendes Ribeiro – Por ao menos duas razões: a primeira é a tendência à simplificação do problema, o que, em tese, ajudaria a entendê-lo e enfrentá-lo. Por essa via, elege-se a droga como a causa do mal e os traficantes como os agentes promotores deste mal. Ora, sendo assim, é fácil concluir que o que devemos fazer é, por um lado, tentar evitar que o mal nos atinja: repressão. E, por outro, se fracassarmos no primeiro intento, temos de extrair o mal de nossos corpos: desintoxicação e abstinência. Essa visão também nos poupa dos complexos e incômodos questionamentos acerca das razões pelas quais tantas pessoas decidem se drogar.
Eu – E quais seriam esses questionamentos tão incômodos? Afinal, por que tantos se drogam, legal e ilegalmente?
Ribeiro - São questionamentos relacionados aos conflitos psíquicos que cada um de nós vivencia: inibições, frustrações, angústias, etc. É muito mais incômodo enfrentar estes fantasmas do que usar uma droga que pode fazer nosso humor melhorar quase imediatamente. O problema é que os fantasmas continuam lá – e nem sempre em silêncio.
Eu – Em sua opinião, quem é mais drogado? O consumidor de crack do centro de São Paulo ou uma faixa significativa da população mais idosa – assim como muitos jovens – que consome tranquilizantes todo dia?
Ribeiro - Atualmente, há uma tendência de se avaliar o grau de gravidade de uma dependência não mais através de escalas quantitativas de intensidade e frequência, mas a partir dos efeitos que essa prática produz na vida de cada sujeito. Nesse sentido, é provável que aquelas pessoas que passam o dia fumando pedra vivenciem um empobrecimento maior de suas interações sociais, além de se manterem em situações de maior vulnerabilidade. Mas, por outro lado, não há razão para acreditarmos que aqueles que vivem uma vida entorpecida estejam em uma situação muito melhor.
Eu – Mas por que o crack incomoda e a população que vive uma vida entorpecida não?
Ribeiro - O usuário de crack, ao menos o usuário estereotipado, com maior visibilidade, é alguém que expõe tudo o que nossa sociedade quer evitar: descontrole, desamparo, vulnerabilidade, improdutividade, laços sociais frágeis, ausência de projeto de futuro, etc. O sujeito entorpecido é muito mais identificado com as crenças e valores que nos orientam: ele é visto como um doente em tratamento, ou seja, ele tem um problema que nossa sociedade, através de seus saberes e especialistas, está tratando. Está tudo em seu lugar...
Eu – Por que o crack virou, hoje, um tema da política, como podemos ver nesse início de campanha eleitoral entre os candidatos a presidente?
Ribeiro - Talvez porque o crescimento rápido do número de dependentes e sua visibilidade pública façam com que se concentrem nesse fenômeno os temores relativos à fragilização de nosso laço social. Os crackeiros espelham, paradoxal e simultaneamente, nossos maiores sonhos e pesadelos: ansiamos por prazer e descompromisso, mas sabemos que precisamos de um conjunto de relações sociais que nos sustentem enquanto sujeitos. Infelizmente, a maior parte dos discursos político-eleitorais é dirigida à promessa de medidas voltadas ao fortalecimento do aparato repressivo e à criação de mais vagas para internação/desintoxicação de dependentes, que é o que responde aos anseios imediatos dos eleitores.
Eu – E como ampliar a abordagem dessa questão, para além da repressão e da cura?
Ribeiro - Nenhum país do mundo resolveu o problema da dependência de drogas por uma razão muito simples: não se trata de um problema de drogas, mas, sim, dos efeitos do tipo de laço social que construímos. Acho que o que podemos fazer é aumentar o repertório de alternativas através das quais as pessoas possam produzir para si um lugar social. Isto pode se dar de várias formas: através da educação, do esporte, da arte ou mesmo da religião. Mas, é claro que precisamos também de políticas de saúde para acolher e tratar aqueles que não conseguem mais controlar seu uso de drogas. Nessa direção, é preciso avançar na implementação do que já está previsto na Reforma Psiquiátrica e na atual Política de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Quando recebo um usuário de drogas em busca de tratamento, costumo propor que falemos de qualquer coisa, menos de drogas. Acho que é disso que eles precisam: encontrar outras coisas capazes de lhes interessar. De drogas eles já falam bastante.
Eu – Praticamente todas as sociedades usaram drogas, mas parece que só na nossa elas se tornaram um problema. Pelo menos um problema nessas proporções. Por que nossa sociedade, diferentemente de outras, não sabe como lidar com as drogas?
Ribeiro - Na maior parte das sociedades conhecidas, as drogas eram consumidas com alguma forma de controle social. Isto não significa que havia mecanismos repressivos para coibir abusos. Ao contrário, significa que havia um conjunto de entendimentos compartilhados que orientava o uso, em determinadas situações e com determinadas finalidades. Isso poderia se dar em rituais de cura, de mediação com o sagrado ou mesmo com finalidades orgiásticas, para aliviar tensões e produzir prazer. O conhecimento que temos acerca do uso de drogas em outras sociedades nos mostra que, se ele ocorresse com alguma forma de controle social, não trazia problemas pessoais ou para a comunidade. Provocar alterações dos estados de consciência representava algo de extraordinário que acontecia em situações muito específicas. Em nossa sociedade, este tipo de uso ocorre, por exemplo, no Carnaval, quando muitas pessoas se autorizam a fazer coisas que não fazem em seu cotidiano, o que inclui um consumo maior de drogas. E depois voltam à rotina.
Eu – E o que aconteceu na sociedade ocidental moderna para que a droga passasse a se integrar ao cotidiano e ser usada para o gozo individual?
Ribeiro - O desenvolvimento do liberalismo político e econômico trouxe consigo a constituição de um ethos fortemente individualista. A modernidade rompeu com o passado, afirmando o poder de autodeterminação dos indivíduos. No início, ainda se manteve orientada por um ideal coletivo, representado pelo progresso da ciência. Acreditava-se então que a ciência seria capaz de nos revelar, cada vez mais, o que era real e verdadeiro. Entretanto, no decorrer dos últimos séculos, esse ideal não cumpriu com suas promessas, como tampouco o fizeram outros ideais sociais, como o socialista e aqueles propostos pelos movimentos contraculturais. É nesse contexto que os laços sociais construídos a partir da tradição – passado – ou de projetos coletivos – futuro – se encontram desgastados, produzindo um achatamento do tempo e a percepção de que o que há para ser vivido tem que ocorrer agora. Os interesses pessoais e a pressa são elementos presentes em nosso cotidiano. E é nessa realidade que proliferam diferentes modalidades de uso de drogas: ora para aliviar tensões, ora para potencializar desempenhos.
Eu – Hoje há uma satanização das drogas, como se elas possuíssem a pessoa à revelia. Como se o processo de se drogar fosse externo ao indivíduo – e não algo movido por questões e necessidades internas, que começou pela escolha daquela pessoa de usar determinada droga, ainda que depois possa ter perdido o controle. Por quê?
Ribeiro - Diante de certos efeitos indesejáveis da ordem social moderna, tendemos a produzir práticas e representações originadas nos tempos pré-modernos. Explicando melhor: mesmo considerando que nossa sociedade se constituiu em torno de uma ética da responsabilidade – temos autonomia para pensar e agir, mas precisamos responder por nossos atos –, a consagração da visão simplista que sataniza as drogas representa um retorno às velhas crenças animistas que atribuem poderes e intenções a substâncias inanimadas. Algumas interpretações antropológicas evolucionistas defendiam que, no campo religioso, haveria um processo de “evolução” das sociedades. Ou seja: em seu início atribuíam poderes sobrenaturais a seres ou forças da natureza, depois teriam vindo as sociedades politeístas e, finalmente, as monoteístas. Estas teses evolucionistas encontram-se desacreditadas no campo antropológico, mas é fato que muitas sociedades “simples” acreditavam no poder sobrenatural de certas substâncias naturais. É um pouco como alguns setores da sociedade enxergam as drogas hoje.
Eu – Em um de seus artigos, você diz que, no início, as igrejas viam as drogas, todas elas, como coisa do demônio. Já a ciência se contrapunha a esta visão, apostando na autonomia das consciências. Hoje, ambas parecem demonizar as drogas. O que isso significa?
Ribeiro - Na Idade Média, a Igreja condenava o uso de drogas por razões teológicas: “só Deus tem o poder de curar”. Mas também por disputas de mercado envolvendo fé e poder, pois não lhe interessava permitir o crescimento da influência de feiticeiras e curandeiros. Hoje, esse discurso mudou e a condenação que grande parte das igrejas faz ao uso de drogas é fundamentada em sua suposta associação a práticas libertinas, hedonistas e promíscuas. Assim como também é uma eficaz estratégia de marketing para algumas denominações. Basta observar que muitos dos pastores se apresentam como ex-usuários de drogas que, com a ajuda de Deus – e da igreja, através dos dízimos –, conseguiram se libertar. Esse trânsito, das drogas para a religião, é muito frequente.
Eu – E a ciência?
Ribeiro - O deslocamento operado no campo científico é mais sutil. Partiu da afirmação do direito de qualquer um poder usar a droga que quiser e de uma posição liberal, em que o direito de experimentação fazia parte do processo em que se dava o progresso da ciência. Vale a pena lembrar que até o início do século passado todas as drogas conhecidas eram vendidas livremente em farmácias. Partiu-se disso para uma pretensão de controle e prescrição de uso. Ou seja, as drogas são instrumentos importantes no combate a doenças e na produção de bem-estar, mas seu uso deve ser orientado pelo saber científico, o quer exclui, evidentemente, as modalidades de uso espontâneas.
Eu – A abordagem atual das drogas parece intimamente ligada à questão do poder e do controle. Como você vê essa relação?
Ribeiro - Atualmente, a forma hegemônica de abordar a questão é resultante de um conjunto de fatores que pouco ou nada tem a ver com os que determinam o consumo. As estratégias de controle e repressão social defendidas por grupos orientados por ideais religiosos e/ou totalitários é um deles. Mesmo considerando que vivemos em uma sociedade fundada a partir de uma ética da responsabilidade – somos responsáveis pelos nossos atos e respondemos por eles – ou justamente por isso, convivemos com grupos que temem os efeitos dessa liberdade. Em vez de uma multiplicidade de formas de pensar e agir, eles prefeririam que todos agissem conforme seus princípios e crenças. Essa posição não se manifesta apenas no campo estritamente religioso, podendo estar presente em diferentes segmentos sociais. Nesse sentido, combate-se o uso de drogas porque ele seria potencialmente subversivo, pouco controlável. Outro fator são os interesses políticos e econômicos de laboratórios e setores da corporação médica, que reivindicam a exclusividade do direito de manipular corpos e mentes. Com o passar do tempo, no contexto da modernidade, o uso de drogas passou a ser cada vez menos controlado socialmente, seja por rituais tradicionais e/ou religiosos, seja por saberes autorizados, como médicos, curandeiros, etc. Este uso “individual” e espontâneo foge ao controle, não podendo ser utilizado como instrumento de poder político ou econômico. Daí a insistência em manter a produção e autorização de consumo de drogas sob o controle de laboratórios e médicos, respectivamente.
Eu – Você não acredita que a repressão possa causar a redução do consumo?
Ribeiro - Os conflitos oriundos da marginalização do comércio e consumo de algumas drogas acabam por produzir um senso comum que evita a complexidade da questão e produz a estigmatização dos usuários e a defesa de medidas paliativas – ainda que necessárias –, como a repressão do tráfico e o tratamento de dependentes. Basta lembrar o episódio da Lei Seca, nos Estados Unidos, para concluir que as estratégias repressivas pouco ou nada contribuíram para a diminuição do consumo. Pelo contrário, seu efeito foi de outra ordem: expansão da corrupção policial, aumento do número de problemas de saúde em função do consumo de drogas de má qualidade, criação de um mercado marginal e violento, etc. Essa avaliação foi feita pelo próprio governo dos Estados Unidos, por ocasião da promulgação do ato que aboliu a Lei Seca. Hoje, há um entendimento largamente difundido de que as drogas são a encarnação do mal em nossa sociedade. Trata-se de uma poderosa aliança entre os discursos religioso, científico e o da segurança pública. O mais produtivo seria abordar frontalmente o problema e reconhecer que o uso de drogas em nossa sociedade faz parte de nossa cultura, como fez de tantas outras. E que, em vez de lançar cruzadas antidrogas, hipócritas e inúteis, deveríamos discutir as diferentes modalidades de usos, lícitas e ilícitas, e encontrar formas de minimizar seus efeitos danosos, individuais e sociais. Acredito que essa realidade se constitui no campo das disputas simbólicas, onde se definem valores e sentidos.
Eu – Como assim?
Ribeiro - O que faz com que o uso de drogas assuma determinado valor e determinada função para algumas pessoas? Como intervir nessa realidade? É evidente que não bastam campanhas publicitárias afirmando que “fumar é brega” ou que o “crack mata”. Não são mais os saberes tradicionais, passados de pai para filho, que orientam nossa compreensão do mundo. Vivemos em uma sociedade fragmentada e individualista, mas que se articula através de uma complexa rede de relacionamentos, presenciais e virtuais. É nesse universo que os sentidos vão se definindo e se modificando. Sendo assim, é possível afirmar que, quanto maior for a troca de idéias e experiências, menor será a possibilidade de um ou mais discursos assumirem uma posição de domínio. Acredito que ganharíamos muito se “gastássemos” essa discussão sobre as drogas, diminuindo sua importância, fazendo com que elas deixem de ser vistas como solução de todos os problemas ou como causadora de todos os males.
Eu – Vivemos numa sociedade onde se consome muitas drogas legais, parte delas receitada por médicos das mais variadas especialidades. A mesma sociedade que parece ficar um pouco histérica com o crack, por exemplo, não parece ver nenhum problema na massificação do uso de antidepressivos e ansiolíticos. Por que algumas drogas podem ser usadas e outras não? Umas são desejáveis e “terapêuticas” e outras são demonizadas? Qual é a diferença, afinal? Se tomamos drogas para dormir, para ficar feliz, para ficar calmo, para não sentir fome, para ter tesão, por que é ruim cheirar coca, fumar maconha e usar crack? Não estou dizendo que é bom, apenas questionando a lógica de que uma pode e a outra não, uma está incluída e a outra é marginal...
Ribeiro - Do ponto de vista do funcionamento subjetivo, não há nenhuma diferença entre cheirar cocaína, fumar maconha, usar crack ou beber cachaça, consumir antidepressivos, anfetaminas, ansiolíticos. É a mesma lógica: se faz uso de uma substância para produzir uma desejada alteração do estado de consciência e humor. É importante que se diga que as razões pelas quais algumas drogas são proibidas e outras não são proibidas não tem qualquer fundamento epidemiológico, médico, psicológico ou antropológico. Certas drogas são proibidas não por serem mais “fortes” ou “pesadas”, nem por terem maior potencial de criar dependência, ou por causarem mais problemas orgânicos. As origens da proibição podem ser buscadas em um conjunto de preconceitos morais e sectários do início do século XX. Nos Estados Unidos, por exemplo, a proibição de algumas drogas esteve ligada à desconfiança que os puritanos manifestavam com relação à massa de imigrantes que chegava às grandes cidades americanas no início do século. Assim, diferentes drogas foram associadas a diferentes etnias: a condenação do uso de ópio resultou das acusações de corrupção infantil feitas aos chineses; a cocaína era associada à permissividade sexual atribuída aos negros; a maconha à “invasão” dos mexicanos; e o álcool às “imoralidades” de judeus e irlandeses. É evidente que, posteriormente, os interesses econômicos – indústria de bebidas alcoólicas, de cigarros e laboratórios – passaram a atuar fortemente com vistas à manutenção de sua reserva de mercado. É sabido que hoje o maior número de dependentes de drogas é alcoolista. E o álcool é uma droga legal.
Eu – Por que está tudo certo se as drogas são receitadas por médicos, mas tudo errado se não? O problema estaria no controle, as que são consideradas ilegais seriam aquelas que não podem ser controladas por ninguém?
Ribeiro - Os remédios vendidos apenas sob prescrição médica não são as únicas drogas legais, nem as mais usadas. As bebidas alcoólicas não estão sob controle e podem produzir efeitos da mesma intensidade que os provocados por outras drogas lícitas e ilícitas. Portanto, o “controle” se refere muito mais a questões relativas à produção, circulação e, evidentemente, acumulação de lucros. Neste sentido, as drogas ilegais estão “fora do controle”.
Eu – Qual é a aposta que se faz na droga? Como a droga se aproxima da sociedade de consumo na medida em que promete – e por um tempo realiza – a possibilidade de ser feliz ou do gozo pleno, tão caro à nossa época?
Ribeiro - Se considerarmos que o capitalismo produziu algo que seria da ordem de uma perversão no campo das relações sociais, na medida em que promoveu o que Marx chamou de “fetichismo das mercadorias”, poderíamos pensar que o aumento significativo de casos de dependência de drogas seria efeito de uma nova perversão, que se constitui como desdobramento da primeira. Ou seja: a lógica da sociedade de consumo se encontra orientada para um progressivo aumento na produção e consumo de bens, que, neste contexto, operam como mediadores das relações sociais, índices de prestígio e elementos produtores de identidades sociais. Entretanto, quando certas modalidades de uso de drogas fazem com que elas se tornem o objeto único de desejo, subverte-se a lógica capitalista. Paradoxalmente, a crença no poder dos objetos pode se constituir numa ameaça a um sistema alicerçado em torno do consumo. Na lógica capitalista, o prazer ou a felicidade que supostamente poderia ser alcançado através da posse de um objeto deve ser sempre parcial e efêmero, fazendo com que o desejo deslize para outros objetos, retroalimentando o sistema, que se constitui numa forma de laço social. O prazer derivado do uso de drogas, mesmo podendo ser intenso, também é parcial e efêmero. Mas, exatamente por sua intensidade e exclusividade, tende a deslocar o sujeito do contexto socialmente regulado de produção e consumo. Quando o sujeito passa a desejar um único objeto, ele deixa de consumir todos os demais. Além disso, dependentes de drogas também não costumam se manter atuantes em atividades laborais, o que faz com que ganhem pouco e consumam menos.
Eu – Nesse sentido, a droga é antissocial, como nós mesmos o somos, preocupados apenas com a satisfação dos nossos desejos, independentemente do desejo do outro – e não de um projeto coletivo, mais amplo, que inclui o outro? A droga, portanto, se encaixa perfeitamente no modelo individualista, que não está nem aí para o que não é a sua vida ou a vida de uns poucos ao seu redor?
Ribeiro - Exatamente. Mas é importante que fique claro que não se trata de um entendimento fundado em algum tipo de imperativo moral de fraternidade. O risco do uso de drogas em uma sociedade individualista se dá em função de um equívoco, socialmente produzido, de pensar que somos – ou deveríamos ser – radicalmente livres. Segundo esse ideal, não deveríamos depender de ninguém. Por exemplo: deveríamos desfazer qualquer casamento, aliança ou sociedade no momento em que não mais nos conviesse. O problema é que só nos constituímos e nos sustentamos enquanto sujeitos a partir das relações que mantemos com outros sujeitos. Quanto mais frágeis forem estas relações, mais instáveis nos tornamos. E seremos mais dependentes de outras estratégias para nos prover de alguma consistência identitária. Nesse sentido, é possível afirmar que o uso de drogas pode passar a ser um problema para aqueles sujeitos que não assumem ou constroem relações sociais de dependência.
Eu – Para estes, a droga toma o lugar do que?
Ribeiro - Eles dependem da droga para não depender das relações com outras pessoas. É uma tentativa extrema e paradoxal de manter sua independência.
Eu – As drogas legais, que mantêm o indivíduo produzindo e consumindo, não parecem ser vistas como um problema. Já as ilegais tornam-se um problema de polícia e/ou de saúde pública. Como você vê essa dicotomia de abordagem?
Ribeiro - Creio ser disseminado um equívoco intencional na abordagem dessa comparação entre os efeitos produzidos pelas drogas lícitas e ilícitas. Não há na literatura especializada nem nos estudos epidemiológicos qualquer evidência que fundamente o entendimento de que as drogas legais mantenham os sujeitos engajados socialmente, enquanto as ilegais produzam improdutividade. As estatísticas demonstram que a droga que mais incapacita seus usuários é o álcool, cujo consumo é legal. Além disso, faltam estudos que investiguem o quanto a prescrição excessiva de psicofármacos, por parte de médicos de diferentes especialidades, condena um grande número de sujeitos a uma vida anestesiada, desvitalizada. Se o médico está apenas preocupado em eliminar o sintoma de seu paciente, este é um processo que pode ir muito longe, porque dificilmente o sujeito apresenta uma única queixa. E, muitas vezes, novas queixas surgem como efeito das primeiras medicações. Assim, passado algum tempo, não há mais como saber o que está se passando com essa pessoa: o que é produto de sua história, de seus conflitos, e o que é efeito desta profusão de remédios. Na maior parte das vezes, o objetivo dessa orientação terapêutica é que o sujeito não sinta nada considerado indesejável. E esse objetivo é alcançado: o paciente não sente mais nada. Por outro lado, basta analisar as pesquisas epidemiológicas e as estatísticas policiais para comprovar que apenas uma ínfima parcela dos consumidores de drogas ilícitas se torna um dependente, incapaz de manter seus laços sociais, incluindo aí os laborais.
Eu – Não é curioso que o mesmo médico que receita drogas legais para anestesiar o sofrimento, já que sofrer parece ter virado uma anomalia, pretende “curar” os viciados em drogas ilegais?
Ribeiro - Temos aqui duas perspectivas diferentes: a do sujeito que busca uma ajuda para enfrentar seus sofrimentos, que podem ter múltiplos determinantes; e a destes médicos, que tendem a ver apenas o sintoma. Se o sujeito está deprimido, prescrevem-lhe um antidepressivo, se está ansioso, um ansiolítico. E assim por diante. Isso ocorre nos mais diversos contextos clínicos, não apenas no tratamento de dependentes de drogas. Por outro lado, a estratégia de prescrição de drogas de substituição, para combater a dependência a uma determinada droga, é muito antiga e largamente utilizada, principalmente nos Estados Unidos. Ela costuma funcionar quando a dependência é produzida por circunstâncias específicas e episódicas, como a utilização de morfina em feridos de guerra. Nos demais casos sua eficácia é muito duvidosa, pois parte da suposição de que foi a droga que viciou o sujeito.
Eu – E não foi a droga que o viciou?
Ribeiro - Esta é a principal questão: nenhuma droga vicia. São as pessoas que, eventualmente, se viciam com alguma droga. Isso lembra aquelas advertências de nossas avós, para que não aceitássemos balas de estranhos na saída do colégio, porque elas poderiam conter maconha e nós ficaríamos viciados. Ao contrário do que é veiculado pela maioria das campanhas, qualquer um de nós poderia experimentar até mesmo o crack algumas vezes, sem se viciar. É sempre um sujeito que decide usar uma droga e pode, ou não, optar por levar essa relação mais longe. É claro que existem sujeitos cujas circunstâncias fazem com que eles corram um maior risco na relação com a droga, mas as drogas não fazem nada, são substâncias inertes.
Eu – As substâncias podem não ter poderes sobrenaturais, como acreditavam e acreditam algumas culturas, mas está provado que algumas substâncias causam dependência, em menor ou maior grau. O que você quer dizer, exatamente, quando afirma que a drogas não viciam?
Ribeiro - Ninguém questiona a existência da dependência de drogas, mas faz muita diferença quem é o sujeito da frase. Dizer que as drogas viciam é diferente de dizer que pessoas se viciam com drogas. O que afirmo é que, para se estabelecer uma dependência, alguém decidiu usar drogas. E é esta motivação, e a história da relação do sujeito com a droga, no contexto mais amplo de suas circunstâncias, que vai definir se ele se tornará um dependente – ou não. Também é importante observar que, no contexto do tratamento de uma dependência de drogas, a primeira etapa, a desintoxicação, é a mais rápida e fácil. Em duas ou três semanas já não há mais nenhuma substância com princípio psicoativo atuando no corpo do sujeito. E todos sabem que ele não está curado de sua dependência. Permanece uma espécie de "memória", que não é exclusivamente orgânica, nem exclusivamente psíquica, e que se encontra associada a certas situações e sensações que fazem parte da vida do sujeito. Assim, diante de determinado conflito familiar, ou determinada frustração, ele pode voltar a sentir uma "necessidade" de usar a droga a que costumava recorrer.
Eu – Hoje há uma droga legal, adquirida com receita médica, para cada sentimento humano de desconforto ou conflito. Em que medida o fato de nossa sociedade considerar qualquer sofrimento um sintoma que precisa ser abafado e anestesiado com drogas influencia no uso das drogas ilegais?
Ribeiro - É verdade que os sintomas podem produzir sofrimento, mas, ao contrário do que acontece com as dores orgânicas, em que na maioria das vezes não há razão para não tentarmos eliminá-las, as dores psíquicas cumprem uma função importante de sinalizar a existência de um conflito que está exigindo uma resposta. Eliminar esse sinal apenas nos condena à impotência frente à causa de nosso sofrimento. E ao inevitável deslizamento, com a formação de outro sintoma, com o agravante de termos ainda que suportar os efeitos colaterais da medicação. Um conflito psíquico pode produzir sintomas, inibições, angústias e outros desconfortos. Geralmente isso perturba nossa vida, fazendo com que soframos com coisas que, para os outros, parecem banais. Esses conflitos podem ser tratados, mesmo que nunca completamente eliminados. Isso faz parte da vida de todos nós, mesmo fora do contexto de um tratamento psicológico: a gente tenta superar certas dificuldades, consegue alguns sucessos, volta a deparar com limites e carências, e a vida vai andando. Dá certo trabalho e não nos poupa de vários momentos de mal-estar, mas é a forma como assumimos a direção de nossas vidas – e pode também produzir muita satisfação. Algo diferente ocorre quando se busca evitar esse trabalho psíquico e o mal-estar que o acompanha: sofremos menos em um primeiro momento, mas perdemos a possibilidade de superar aquilo que está nos aprisionando: contornamos nossos conflitos sem nunca conseguir fazê-los mudar de lugar.
Eu – Mas o quanto a visão contemporânea de que o sofrimento é sinônimo de fracasso e deve ser suprimido da vida tem a ver com o uso de drogas ilegais?
Ribeiro - Acredito que isso tem a ver com o uso de drogas em geral, e não apenas das drogas ilícitas. As estatísticas médicas e farmacêuticas indicam que vivemos em tempos de depressão. Nada de novo nessa constatação. Entretanto, chama a atenção o fato de outras avaliações de nossa sociedade apontarem para a direção oposta: cada vez mais percebemos a existência de uma cultura dinâmica, voltada para a busca de prazeres imediatos, que reconhece e valoriza quase todas as formas de gozo. Tornamo-nos maníacos e depressivos, mas não necessariamente ciclotímicos. Talvez seja mais preciso afirmar que uma sociedade maníaca tende a produzir subjetividades depressivas, pois se o ideal social que nos serve de referência preconiza que todo sofrimento deve ser superado, encontra-se desvalorizado todo aquele que não consegue se ajustar aos modelos de felicidade propostos. Não é difícil entender o quanto o uso de drogas se “encaixa” bem nesse contexto: ele pode tanto nos aliviar de nossas frustrações quanto nos ajudar a melhorar nossos desempenhos. Basta escolher a droga certa para o momento certo.
Eu – Você faz, em seus artigos, uma afirmação muito interessante – e bastante polêmica – sobre como o saber médico e o toxicômano veem a droga da mesma maneira. Você afirma que a teoria médica coincide com a do toxicômano, na medida em que procura isolar o aparelho psíquico para gozar dele como um órgão. Ou seja, com o auxílio de determinadas drogas pretende-se tanto curar um corpo doente como uma vida doente, sem problematizar as modalidades de relação com o outro. Como é isso?
Ribeiro - Tomemos o exemplo fictício, mas não incomum, de um adolescente que cotidianamente observa seu pai chegar em casa meio estressado e tomar umas doses de cachaça ou uísque; sua mãe consumir religiosamente seu ansiolítico; o médico da família, frente ao primeiro sinal de tristeza e abatimento, receitar um antidepressivo. Esse adolescente, diante das angústias próprias de sua idade, teria alguma razão para se recusar a fazer uso de um cigarro de maconha de vez em quando? Qual seria a diferença? Nesse exemplo, estamos longe de uma toxicomania, mas percebemos uma mesma lógica, que pode vir a ser acionada em situações extraordinárias, como a de uma dependência de drogas. Isso nos lembra do Millôr, que afirmava ter nascido com duas doses de uísque a menos, pois, quando as tomava, se sentia muito melhor. É a mesma coisa: se a psique é vista como um órgão, e se o remédio faz com que este órgão funcione melhor, deduz-se que era ele o que estava faltando. Ou seja, depois de procurar curar o corpo, o órgão doente, hoje se pretende curar a vida doente.
Eu – O crack é a droga do momento, a grande epidemia. Você acha que o crack é diferente das outras drogas e deve ter uma abordagem diferente?
Ribeiro - Mesmo que se faça uma crítica a muitas abordagens acerca do uso de drogas e às propostas hegemônicas para enfrentar o problema – e é importante que a crítica seja feita –, não há como deixar de reconhecer que se trata de um problema social que exige respostas urgentes. Entretanto, independentemente do tipo de droga utilizada, e mesmo que se reconheça a enorme diferença que existe entre os efeitos do consumo de maconha e de crack, por exemplo, não acredito que devamos nos dedicar à proposição de “estratégias para combate do uso de drogas” ou de uma “clínica da dependência de drogas”. Da mesma forma que não acredito em uma “clínica da depressão” ou uma clínica da “síndrome do pânico”. Em vez de reduzirmos o sujeito ao seu sintoma, ganharíamos mais diversificando nossas estratégias para operar uma “clínica do sujeito”, levando em consideração os contextos sociais em que essas subjetividades são produzidas.
Eu – E como seria uma “clínica do sujeito”?
Ribeiro - Parto do entendimento de que cada sujeito é absolutamente singular, o que faz com que o trabalho terapêutico também tenha que ser construído caso a caso. É nesse sentido que recuso a idéia de uma “clínica da toxicomania”, como se esses sujeitos compusessem um conjunto, com problemas e saídas semelhantes. Mas é possível propor algumas estratégias e linhas de ação. Nos casos menos graves, atendidos em consultórios e ambulatórios, entendo que o uso de drogas deva ser abordado no contexto da história e do conjunto de relações mantidas por cada pessoa. Não é o uso de drogas que define sua posição subjetiva e o seu sofrimento, mas o contrário: a relação que ele estabelece com as drogas é resultante da forma como ele vivencia seus conflitos e relações. Já nos casos mais graves, em que há uma perda de autonomia do sujeito, se torna necessária uma vinculação institucional, de preferência sem internação, através da qual ele possa contar com o apoio de uma equipe multiprofissional que lhe auxilie em seu processo de reinserção social.
Eu – Como você vê os tratamentos oferecidos para “curar” a drogadicão, que em geral partem de uma oferta da medicina ou da religião ou de uma aliança entre ambas?
Ribeiro - A maioria dos dependentes de drogas que procuram – ou são levados a – tratamento se encontra em uma situação de fragilidade de suas inserções sociais. Normalmente não estão trabalhando ou estudando e vivenciam conflitos no âmbito familiar. Experimentam um sentimento de anomia, em uma errância que tem como únicos pontos de referência os caminhos que levam à droga. Ora, essa situação produz muita angústia, e não raro desespero. Diante dessa realidade, não é de surpreender que as ofertas de certas comunidades religiosas exerçam forte sedução, afinal elas prometem uma pertença comunitária, uma visão de mundo estruturada e uma função revestida de importância e dignidade – “a construção da Obra do Senhor”. Mas essa “solução” cobra seu preço, e não é barato: espera-se do sujeito que ele seja capaz de abrir mão de seus conflitos, ou seja, de sua história, e se engaje incondicionalmente em um projeto coletivo, que ele já recebe pronto. As correntes mais biológicas da psiquiatria, muitas vezes aliadas a determinadas versões da psicologia cognitivo-comportamental, apresentam outro entendimento do problema, de onde deriva outra proposta terapêutica. Esta é direcionada a uma reprogramação da mente e do comportamento, visando sua “normalização”. O que há de comum entre essas ofertas são as certezas de que partem. Não há lugar para dúvidas acerca do que é certo e do que é errado. Para quem está totalmente perdido, isso não é pouca coisa.
Eu – Mas, a longo prazo, funciona? A pessoa consegue manter esse engajamento no projeto, que, por sua vez, a mantém longe das drogas?
Ribeiro - Dificilmente. Essa reprogramação exige que o sujeito assuma uma nova vida, e sabemos que nossa liberdade de escolha é limitada: não podemos escolher quem queremos ser. Somos o produto de uma história, que não se deixa ignorar. Mas, embora hegemônicos, esses campos, felizmente, não detêm a exclusividade no tratamento da dependência química. “Felizmente” não porque eles sejam sempre ineficazes ou mal-intencionados, longe disso, mas porque muitos dependentes não se adaptam a suas propostas. Há muitas clínicas, ambulatórios e CAPS-ad (Centros de Atenção Psicossocial a usuários de substâncias psicoativas) que assumem um maior respeito à liberdade de escolha dos sujeitos, tomam como referência a estratégia de redução de danos e trabalham a partir de uma escuta das singularidades de cada caso.
Eu – Como você vê o jogo de culpa que se faz na abordagem das drogas: é culpa da família, é culpa do traficante, é culpa do Estado, é culpa dos amigos viciados, é culpa de um mundo sem valores ou há tantos culpados que ninguém mais tem culpa? A culpa cumpre algum papel nesse jogo?
Ribeiro - A culpa é um dos sentimentos – ou acusações – mais inúteis e produtores de sofrimento com que temos de conviver. Ela nada produz além de recriminações e ressentimentos. Além disso, a atribuição de culpa costuma ser utilizada por discursos autorizados – o científico, o policial ou o religioso – como estratégia de imposição autoritária de seus pontos de vista. Mais interessantes são as tentativas de produção de consensos mínimos sobre os problemas que envolvem o consumo de drogas e a pactuação de responsabilidades no que se refere à forma como o problema deverá ser enfrentado. Isso vale tanto para um contexto familiar, quanto para a elaboração e implementação de políticas públicas.
Eu – Qual é a sua opinião sobre a descriminalização das drogas, no geral, e a descriminalização só da maconha, como propõem alguns, inclusive o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso?
Ribeiro - Não vejo razões pelas quais consumir drogas deva ser considerado um crime, o que não é o mesmo que defender sua liberação irrestrita. É interessante notar que as origens da proibição ao uso de determinadas drogas não estão relacionadas a qualquer avaliação de ordem médica, psicológica, epidemiológica ou antropológica. Estão associadas de forma muito mais direta às pressões exercidas por certos segmentos sociais, a partir de preconceitos morais e estigmatizações sectárias. Deveríamos ser capazes de aprender com nossos erros e, no momento em que se evidenciam as contradições de nossa política proibicionista, investir em estudos multidisciplinares e promover um amplo debate, depurado de moralismos e respostas fáceis.
Eu – E quais seriam as questões centrais deste debate?
Ribeiro - Questões que discutam poder e responsabilidade. O que legitima que alguém legisle ou defina o que posso ou não consumir? Se é uma questão que extrapola o âmbito das liberdades individuais, envolvendo problemas de saúde pública, quais são os critérios para definir quem pode e quem não pode consumir tais e tais drogas? Repressão e marginalização são boas estratégias para a produção de saúde?
Eu – Qual é a sua opinião sobre a campanha nacional contra o crack lançada pelo Ministério da Saúde (e recentemente ampliada pelo presidente Lula)?
Ribeiro - A campanha promovida pelo Ministério da Saúde promove grandes avanços, entre eles o de respeitar os direitos dos usuários, o de operar a partir da lógica de redução de danos, o de priorizar a abordagem do problema no território em que vive o usuário e o de evitar internações prolongadas. Entretanto, é sabido que esse tipo de abordagem enfrenta fortes resistências de parte daqueles que se opõem a Reforma Psiquiátrica e se mostram saudosos dos antigos manicômios. Para estes, o melhor seria ampliar o número de leitos de internação, segregar e “tratar” o maior número possível de usuários, para depois “devolvê-los” – se possível – para o convívio social. Infelizmente, através dessa estratégia, muitos psiquiatras evitam a abordagem da intensidade dos dramas humanos - preferindo a calmaria dos sedativos.
Fonte : Elaine Brum - Revista Época
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Benefícios da Lei Seca
Número de mortes no trânsito caiu 6,2% no primeiro ano da Lei Seca
Rio foi o estado com maior redução de mortes, 32%.
Em segundo lugar veio Espírito Santo, seguido de Alagoas e DF.
Do G1, no Rio
O número de mortes no trânsito no Brasil caiu 6,2% no primeiro ano da Lei Seca, em comparação com o ano anterior, segundo dados divulgados nesta sexta-feira (18) pelo Ministério da Saúde. O anúncio foi feito no evento de comemoração do aniversário de dois anos da legislação, que entrou em vigor em 20 de junho de 2008.
Nos doze meses anteriores à lei, 37.161 pessoas morreram em acidentes de trânsito. Nos doze meses posteriores, foram 34.859 -- 2.302 a menos. (Inicialmente, o Ministério da Saúde informou os primeiros números como sendo 36.924 e 34.597, respectivamente. A informação foi corrigida).
O estado que registrou maior redução em números absolutos foi o Rio de Janeiro (32%), seguido do Espírito Santo (18,6%), Alagoas (15,8%), Distrito Federal (15,1%) e Santa Catarina (11,2%). Em sexto lugar ficou Bahia (6,1%), com São Paulo (6,5%) e Paraná (5,9%) na seqüência.
Rio de Janeiro e Twitter
O ministro José Gomes Temporão elogiou o Rio de Janeiro pela redução no número de mortes no trânsito.
Temporão comentou também o "Twitter da Lei Seca", que avisa seguidores onde ocorrem as operações de fiscalização na cidade. "Não adianta nada. Essa twittada está perdendo para a estratégia e a sagacidade da campanha", disse Temporão.
Homens e jovem são os que mais dirigem alcoolizados
Segundo o Ministério da Saúde, a frequência com que as pessoas dirigem depois de beber subiu. Em 2007, ano anterior à lei, 2,1% assumiam dirigir alcoolizado. Em 2008, o número caiu pra 1,4%, mas voltou a subir em 2009, com 1,7%.
Os homens são os que mais cometem a infração. Em 2007, eles representavam 4,1% do total, o índice caiu para 2,8% em 2008, e subiu para 3,3% em 2009. Nas Capitais, os maiores percentuais entre os homens foram registrados em Aracaju (8,7%), Teresina (5,9%) e Rio Branco (5,5%).
Ainda segundo a pesquisa, a maior incidência está entre adultos de 25 a 34 anos (2,1%) e de 35 a 44 anos (2%). O número cai para 1,8% entre os jovens de 18 a 24 anos.
Fonte : G1 - Globo.com
Rio foi o estado com maior redução de mortes, 32%.
Em segundo lugar veio Espírito Santo, seguido de Alagoas e DF.
Do G1, no Rio
O número de mortes no trânsito no Brasil caiu 6,2% no primeiro ano da Lei Seca, em comparação com o ano anterior, segundo dados divulgados nesta sexta-feira (18) pelo Ministério da Saúde. O anúncio foi feito no evento de comemoração do aniversário de dois anos da legislação, que entrou em vigor em 20 de junho de 2008.
Nos doze meses anteriores à lei, 37.161 pessoas morreram em acidentes de trânsito. Nos doze meses posteriores, foram 34.859 -- 2.302 a menos. (Inicialmente, o Ministério da Saúde informou os primeiros números como sendo 36.924 e 34.597, respectivamente. A informação foi corrigida).
O estado que registrou maior redução em números absolutos foi o Rio de Janeiro (32%), seguido do Espírito Santo (18,6%), Alagoas (15,8%), Distrito Federal (15,1%) e Santa Catarina (11,2%). Em sexto lugar ficou Bahia (6,1%), com São Paulo (6,5%) e Paraná (5,9%) na seqüência.
Rio de Janeiro e Twitter
O ministro José Gomes Temporão elogiou o Rio de Janeiro pela redução no número de mortes no trânsito.
Temporão comentou também o "Twitter da Lei Seca", que avisa seguidores onde ocorrem as operações de fiscalização na cidade. "Não adianta nada. Essa twittada está perdendo para a estratégia e a sagacidade da campanha", disse Temporão.
Homens e jovem são os que mais dirigem alcoolizados
Segundo o Ministério da Saúde, a frequência com que as pessoas dirigem depois de beber subiu. Em 2007, ano anterior à lei, 2,1% assumiam dirigir alcoolizado. Em 2008, o número caiu pra 1,4%, mas voltou a subir em 2009, com 1,7%.
Os homens são os que mais cometem a infração. Em 2007, eles representavam 4,1% do total, o índice caiu para 2,8% em 2008, e subiu para 3,3% em 2009. Nas Capitais, os maiores percentuais entre os homens foram registrados em Aracaju (8,7%), Teresina (5,9%) e Rio Branco (5,5%).
Ainda segundo a pesquisa, a maior incidência está entre adultos de 25 a 34 anos (2,1%) e de 35 a 44 anos (2%). O número cai para 1,8% entre os jovens de 18 a 24 anos.
Fonte : G1 - Globo.com
Mais seleção e cerveja
Futebol, patriotismo e cerveja
Por Lilia Diniz em 16/6/2010
Copa do Mundo, a maior festa esporte no Brasil. Em frente à TV, milhões de telespectadores de todas as idades torcem entusiasmados pela seleção brasileira. Dentro dos gramados, nossos craques vendem saúde e... cerveja. Em 2010, a marca Brahma financia quatro jogadores brasileiros e é uma das patrocinadoras oficiais Copa do Mundo realizada na África do Sul. A venda da bebida é lícita e o hábito de acompanhar os jogos de futebol com cerveja é um traço da cultura brasileira, mas é aceitável que um produto cujos malefícios são comprovados cientificamente associe a sua marca à pratica do esporte?
O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (15/6) pela TV Brasil discutiu a publicidade de bebida alcoólica em eventos esportivos com a presença de dois convidados no estúdio de São Paulo. Erich Beting, diretor da Máquina do Esporte, empresa de cobertura dos negócios do esporte no Brasil e comentarista do canal BandSports é consultor editorial da Universidade do Futebol. Ronaldo Laranjeira é professor titular de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo e coordenador do Instituto Nacional de Políticas do Álcool e Drogas (INPAD) do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq). É PhD em psiquiatria pela Universidade de Londres.
O jornalista e apresentador Alberto Dines explicou que a produção do Observatório entrou em contato com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para saber como a entidade avalia a associação da seleção brasileira com uma marca de cerveja e a assessoria de imprensa garantiu que o time não tem nenhuma bebida alcoólica entre seus patrocinadores. Dines ponderou que a resposta é "curiosa", uma vez que o treinador Dunga e outros jogadores aparecem em comerciais com a camisa amarela.
Patrocina ou não?
O mediador do programa destacou que a explicação fica mais inconsistente porque o site da Brahma assegura que a marca é uma das patrocinadoras oficiais da seleção. O Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar) também foi convidado para o debate, mas não pode participar e enviou uma nota (ver íntegra abaixo) na qual afirma que a entidade veta a associação de marcas de bebidas alcoólicas a uniformes de esportes olímpicos e quaisquer apelos que sensibilizem diretamente o público menor de idade.
Em editorial, Alberto Dines ressaltou que quem manda fora dos gramados é a cerveja. "O anúncio de cerveja não é uma peça subliminar, disfarçada: o anúncio de cerveja é concebido para estimular diretamente o consumo da bebida, bebida alcoólica. E, ao associá-la à sensação de alegria e triunfo, emite-se uma mensagem clara: seja um vitorioso também, tome a sua cervejinha ao lado de uma estonteante morena brasileira ou loura importada." Dines sublinhou que o Conar só obedece a uma lei: "crescer sem controles e sem regulação".
A reportagem exibida pelo Observatório entrevistou Robert Galbrait, repórter especial da revista Meio e Mensagem. Galbrait explicou que em 2006 "toda a visibilidade" era concentrada na marca de cerveja Budweiser. Mas, depois da última Copa, o mercado das cervejas ficou mais complexo e a Ferderação Internacional de Futebol Associado (Fifa) precisou mudar o contrato. "A Inbev Anheuser-Busch virou o grande conglomerado mundial das cervejas, de maneira que o marketing desta nova corporação decidiu rever o acordo com a Fifa para fazer com que todas as suas marcas pudessem ser exibidas com este contrato de patrocínio", explicou.
Seleção guerreira
De acordo com o novo contrato, as marcas exibidas nas placas dos estádios durante os jogos serão as comercializadas nos países que estão em campo. Com isso, a Brahma pode entrar no time das marcas que serão exibidas na Copa. No Brasil, a marca de cerveja lançou sua campanha antes do início do torneio. Na peça publicitária veiculada pela televisão, Dunga e a seleção eram apresentados como "guerreiros".
Para Eduardo Tironi, diretor-executivo de Mídias Digitais do diário Lance!, o futebol brasileiro é "mais artístico" e, por isso, bem diferente do apresentado na propaganda. Tironi avalia que o fato de o técnico Dunga – que na sua vida pessoal e na atuação como comandante da seleção sempre buscou valorizar aspectos como "retidão, compromisso e patriotismo" – fazer propaganda de cerveja o deixa em uma posição contraditória. "Ao mesmo tempo em que o Dunga não aceita indisciplina em seu grupo, quer dedicação total, quer treinamento, exige ao máximo de seus comandados, ele faz propaganda de um produto que vai um pouco na contramão disso que ele prega", avaliou.
O desembargador Aloísio de Toledo César se disse "horrorizado" com o que acompanha pela televisão e criticou o fato de os jogadores, e principalmente o técnico Dunga, receberem altas quantias para fazer publicidade de bebida alcoólica. Já Robert Galbrait minimizou o impacto da publicidade: "Sinceramente, eu não consigo acreditar que uma criança vá ver uma marca – Brahma – e associar com o consumo de álcool".
Ilana Pinsk, vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), avalia que a ligação do álcool com o esporte "não tem sentido" porque uma pessoa que consuma exageradamente o produto não terá capacidade de apresentar um bom desempenho no esporte.
A palavra da Ambev
Milton Seligman, diretor de relações corporativas e comunicação da Companhia de Bebidas da Américas (AmBev), disse que a empresa assina os comerciais da Brahma, que é patrocinadora, mas no uniforme da seleção usa a marca de um refrigerante. "Cervejas patrocinam times de futebol no mundo todo. No caso da companhia, nós patrocinamos a seleção brasileira e a seleção argentina. Na verdade, há muitos anos, a Quilmes patrocina a seleção da argentina e há dez anos a Ambev patrocina a seleção brasileira. Na camisa do Brasil, à exceção da grande maioria dos países e seguindo rigorosamente a autorregulamentação, nós usamos a marca Guaraná Antártica", ponderou.
Seligman destacou que as pesquisas mostram que o futebol – tanto em termos de audiência pela TV quanto em relação ao público que assiste às partidas nos estádios – é um esporte acompanhado majoritariamente por adultos; por isso, não há problema em fazer propaganda de álcool ligada ao futebol. Sobre o horário em que os comerciais são veiculados, Seligman afirmou que a bebida é anunciada em programas dirigidos ao público adulto, independente da hora em que são transmitidos. O uso de ídolos do esporte em comerciais de bebida é válido, na opinião de Seligman, desde que a publicidade não seja dirigida diretamente ao público infantil ou aos jovens.
No debate ao vivo, Dines pediu a opinião do psiquiatra Ronaldo Laranjeira sobre as afirmações de que as crianças não associam a publicidade de uma marca de cerveja ao consumo de álcool e que o público do futebol é majoritariamente adulto. "É surpreendente. Eu não sei em que mundo essas pessoas vivem, em que bombardear todos os dias as nossas crianças com propaganda de cerveja não tem uma influência no seu comportamento", criticou Laranjeira. Na sua opinião, as pessoas que associam os símbolos nacionais com a propaganda de cerveja estão cometendo um crime contra os valores da sociedade brasileira, que se expressam claramente em um momento como a Copa do Mundo.
O papel do governo
Laranjeira chamou a atenção para o fato de que a Organização Mundial da Saúde (OMS) aprovou recentemente uma resolução segundo a qual, dentro das políticas mundiais de combate ao consumo excessivo de álcool, é preciso restringir ao máximo as propagandas de cerveja. Estas causam impacto maior na parcela da população que ainda não desenvolveu um padrão de consumo: as crianças e adolescentes. Para Laranjeira, o Ministério da Saúde poderia utilizar a resolução da OMS para promover um debate público sobre o tema. Na visão do psiquiatra, o ministério perdeu a chance de ter um papel de liderança e de se opor à "venda de valores nacionais pela CBF".
Dines perguntou a Erich Beting se a publicidade de bebida alcoólica poderia ser banida do futebol da mesma forma como, no passado, a propaganda de cigarro foi proibida em eventos automobilísticos. Beting disse que o caminho é o próprio esporte negar este tipo de comercial e se colocar em uma posição de soberania. Segundo o jornalista, a CBF fatura mais de 200 milhões de reais em publicidade e o contrato com a AmBev não corresponde a 10% desta soma – portanto, a seleção brasileira não dependeria necessariamente deste patrocinador.
"Cabe ao esporte e às próprias empresas de comunicação não aceitarem esse tipo de publicidade ou colocar-se a serviço desse tipo de indústria. Perde-se um pouco de dinheiro, mas, sem dúvida, ganha-se em retorno de imagem, em retorno institucional e, mais do que isso, o apelo da população que é contra este tipo de associação", avaliou.
***
A seleção da cerveja
Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 550, no ar em 15/6/2010
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Começou hoje [terça, 15/6] a temporada de emoções. E enquanto a TV está neste momento envolvida com a discussão sobre a partida desta tarde, vamos desenvolver uma pauta que nenhum veículo jornalístico, sobretudo na mídia eletrônica, ousaria tocar, muito menos aprofundar. No jogo que vamos comentar quem está perdendo somos nós, a sociedade brasileira, e perdendo por uma goleada.
O megaespetáculo e meganegócio chamado futebol tem muitos protagonistas, mas fora dos gramados quem manda é a cerveja. Neste mundial, a Brahma tornou-se a primeira marca brasileira a patrocinar o evento chamado Copa do Mundo. E qual o problema? Se a Adidas, a Sony e a Visa patrocinam a Fifa, por que uma cervejeira não pode participar da festa? Você sabe por que: o anúncio de cerveja não é uma peça subliminar, disfarçada: o anúncio de cerveja é concebido para estimular diretamente o consumo da bebida, bebida alcoólica. E, ao associá-la à sensação de alegria e triunfo, emite-se uma mensagem clara: seja um vitorioso também, tome a sua cervejinha ao lado de uma estonteante morena brasileira ou loura importada.
O Ministério da Saúde andou preocupado com a excessiva presença da propaganda de cerveja em nossa TV. Estava certo porque é dever do Estado promover a saúde pública através de políticas públicas preventivas. O alcoolismo não é brincadeira, os jovens são responsáveis por 6% do que se consome de álcool no país. Adultos entre 18 e 29 anos, que correspondem a 22% da população brasileira, entornam 40 % do álcool consumido.
Apesar dessas dramáticas cifras, o Ministério da Saúde recuou. A bola ficou com o Conar, o tão badalado Conselho de Autorregulação Publicitária que proclama sua preocupação diante dos apelos cervejeiros dirigidos às crianças e adolescentes. Mas o Conar é uma entidade criada pelo mercado e o mercado só obedece a uma lei: crescer, crescer sem controles e sem regulação.
Como a imprensa não costuma questionar os interesses dos anunciantes, só nos resta apelar para a consciência daqueles que sustentam a imprensa: você leitor, você internauta, você telespectador, você ouvinte. Se perdemos esta parada, quem perde é o Brasil.
***
Nota do Conar
A autorregulamentação publicitária brasileira já há vários anos veta a associação de marcas de bebidas alcoólicas a uniformes de esportes olímpicos, da mesma forma que apelos de qualquer natureza que possam sensibilizar diretamente o público menor de idade. Estas e outras limitações ultrapassam em muito as exigências ditadas pela legislação brasileira.
Defendemos o princípio da autorregulamentação para a publicidade, em linha com as recomendações, por exemplo, da Comunidade Européia e Organização Mundial de Saúde, como caminho indispensável para o aprimoramento da atividade. Quanto ao assunto objeto da pauta do programa, trata-se de relacionamento comercial entre CBF e Ambev, que não diz respeito à autorregulamentação publicitária. (Gilberto C. Leifert – Presidente do Conar)
Fonte: Observatório da Imprensa
Por Lilia Diniz em 16/6/2010
Copa do Mundo, a maior festa esporte no Brasil. Em frente à TV, milhões de telespectadores de todas as idades torcem entusiasmados pela seleção brasileira. Dentro dos gramados, nossos craques vendem saúde e... cerveja. Em 2010, a marca Brahma financia quatro jogadores brasileiros e é uma das patrocinadoras oficiais Copa do Mundo realizada na África do Sul. A venda da bebida é lícita e o hábito de acompanhar os jogos de futebol com cerveja é um traço da cultura brasileira, mas é aceitável que um produto cujos malefícios são comprovados cientificamente associe a sua marca à pratica do esporte?
O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (15/6) pela TV Brasil discutiu a publicidade de bebida alcoólica em eventos esportivos com a presença de dois convidados no estúdio de São Paulo. Erich Beting, diretor da Máquina do Esporte, empresa de cobertura dos negócios do esporte no Brasil e comentarista do canal BandSports é consultor editorial da Universidade do Futebol. Ronaldo Laranjeira é professor titular de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo e coordenador do Instituto Nacional de Políticas do Álcool e Drogas (INPAD) do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq). É PhD em psiquiatria pela Universidade de Londres.
O jornalista e apresentador Alberto Dines explicou que a produção do Observatório entrou em contato com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para saber como a entidade avalia a associação da seleção brasileira com uma marca de cerveja e a assessoria de imprensa garantiu que o time não tem nenhuma bebida alcoólica entre seus patrocinadores. Dines ponderou que a resposta é "curiosa", uma vez que o treinador Dunga e outros jogadores aparecem em comerciais com a camisa amarela.
Patrocina ou não?
O mediador do programa destacou que a explicação fica mais inconsistente porque o site da Brahma assegura que a marca é uma das patrocinadoras oficiais da seleção. O Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar) também foi convidado para o debate, mas não pode participar e enviou uma nota (ver íntegra abaixo) na qual afirma que a entidade veta a associação de marcas de bebidas alcoólicas a uniformes de esportes olímpicos e quaisquer apelos que sensibilizem diretamente o público menor de idade.
Em editorial, Alberto Dines ressaltou que quem manda fora dos gramados é a cerveja. "O anúncio de cerveja não é uma peça subliminar, disfarçada: o anúncio de cerveja é concebido para estimular diretamente o consumo da bebida, bebida alcoólica. E, ao associá-la à sensação de alegria e triunfo, emite-se uma mensagem clara: seja um vitorioso também, tome a sua cervejinha ao lado de uma estonteante morena brasileira ou loura importada." Dines sublinhou que o Conar só obedece a uma lei: "crescer sem controles e sem regulação".
A reportagem exibida pelo Observatório entrevistou Robert Galbrait, repórter especial da revista Meio e Mensagem. Galbrait explicou que em 2006 "toda a visibilidade" era concentrada na marca de cerveja Budweiser. Mas, depois da última Copa, o mercado das cervejas ficou mais complexo e a Ferderação Internacional de Futebol Associado (Fifa) precisou mudar o contrato. "A Inbev Anheuser-Busch virou o grande conglomerado mundial das cervejas, de maneira que o marketing desta nova corporação decidiu rever o acordo com a Fifa para fazer com que todas as suas marcas pudessem ser exibidas com este contrato de patrocínio", explicou.
Seleção guerreira
De acordo com o novo contrato, as marcas exibidas nas placas dos estádios durante os jogos serão as comercializadas nos países que estão em campo. Com isso, a Brahma pode entrar no time das marcas que serão exibidas na Copa. No Brasil, a marca de cerveja lançou sua campanha antes do início do torneio. Na peça publicitária veiculada pela televisão, Dunga e a seleção eram apresentados como "guerreiros".
Para Eduardo Tironi, diretor-executivo de Mídias Digitais do diário Lance!, o futebol brasileiro é "mais artístico" e, por isso, bem diferente do apresentado na propaganda. Tironi avalia que o fato de o técnico Dunga – que na sua vida pessoal e na atuação como comandante da seleção sempre buscou valorizar aspectos como "retidão, compromisso e patriotismo" – fazer propaganda de cerveja o deixa em uma posição contraditória. "Ao mesmo tempo em que o Dunga não aceita indisciplina em seu grupo, quer dedicação total, quer treinamento, exige ao máximo de seus comandados, ele faz propaganda de um produto que vai um pouco na contramão disso que ele prega", avaliou.
O desembargador Aloísio de Toledo César se disse "horrorizado" com o que acompanha pela televisão e criticou o fato de os jogadores, e principalmente o técnico Dunga, receberem altas quantias para fazer publicidade de bebida alcoólica. Já Robert Galbrait minimizou o impacto da publicidade: "Sinceramente, eu não consigo acreditar que uma criança vá ver uma marca – Brahma – e associar com o consumo de álcool".
Ilana Pinsk, vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), avalia que a ligação do álcool com o esporte "não tem sentido" porque uma pessoa que consuma exageradamente o produto não terá capacidade de apresentar um bom desempenho no esporte.
A palavra da Ambev
Milton Seligman, diretor de relações corporativas e comunicação da Companhia de Bebidas da Américas (AmBev), disse que a empresa assina os comerciais da Brahma, que é patrocinadora, mas no uniforme da seleção usa a marca de um refrigerante. "Cervejas patrocinam times de futebol no mundo todo. No caso da companhia, nós patrocinamos a seleção brasileira e a seleção argentina. Na verdade, há muitos anos, a Quilmes patrocina a seleção da argentina e há dez anos a Ambev patrocina a seleção brasileira. Na camisa do Brasil, à exceção da grande maioria dos países e seguindo rigorosamente a autorregulamentação, nós usamos a marca Guaraná Antártica", ponderou.
Seligman destacou que as pesquisas mostram que o futebol – tanto em termos de audiência pela TV quanto em relação ao público que assiste às partidas nos estádios – é um esporte acompanhado majoritariamente por adultos; por isso, não há problema em fazer propaganda de álcool ligada ao futebol. Sobre o horário em que os comerciais são veiculados, Seligman afirmou que a bebida é anunciada em programas dirigidos ao público adulto, independente da hora em que são transmitidos. O uso de ídolos do esporte em comerciais de bebida é válido, na opinião de Seligman, desde que a publicidade não seja dirigida diretamente ao público infantil ou aos jovens.
No debate ao vivo, Dines pediu a opinião do psiquiatra Ronaldo Laranjeira sobre as afirmações de que as crianças não associam a publicidade de uma marca de cerveja ao consumo de álcool e que o público do futebol é majoritariamente adulto. "É surpreendente. Eu não sei em que mundo essas pessoas vivem, em que bombardear todos os dias as nossas crianças com propaganda de cerveja não tem uma influência no seu comportamento", criticou Laranjeira. Na sua opinião, as pessoas que associam os símbolos nacionais com a propaganda de cerveja estão cometendo um crime contra os valores da sociedade brasileira, que se expressam claramente em um momento como a Copa do Mundo.
O papel do governo
Laranjeira chamou a atenção para o fato de que a Organização Mundial da Saúde (OMS) aprovou recentemente uma resolução segundo a qual, dentro das políticas mundiais de combate ao consumo excessivo de álcool, é preciso restringir ao máximo as propagandas de cerveja. Estas causam impacto maior na parcela da população que ainda não desenvolveu um padrão de consumo: as crianças e adolescentes. Para Laranjeira, o Ministério da Saúde poderia utilizar a resolução da OMS para promover um debate público sobre o tema. Na visão do psiquiatra, o ministério perdeu a chance de ter um papel de liderança e de se opor à "venda de valores nacionais pela CBF".
Dines perguntou a Erich Beting se a publicidade de bebida alcoólica poderia ser banida do futebol da mesma forma como, no passado, a propaganda de cigarro foi proibida em eventos automobilísticos. Beting disse que o caminho é o próprio esporte negar este tipo de comercial e se colocar em uma posição de soberania. Segundo o jornalista, a CBF fatura mais de 200 milhões de reais em publicidade e o contrato com a AmBev não corresponde a 10% desta soma – portanto, a seleção brasileira não dependeria necessariamente deste patrocinador.
"Cabe ao esporte e às próprias empresas de comunicação não aceitarem esse tipo de publicidade ou colocar-se a serviço desse tipo de indústria. Perde-se um pouco de dinheiro, mas, sem dúvida, ganha-se em retorno de imagem, em retorno institucional e, mais do que isso, o apelo da população que é contra este tipo de associação", avaliou.
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A seleção da cerveja
Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 550, no ar em 15/6/2010
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Começou hoje [terça, 15/6] a temporada de emoções. E enquanto a TV está neste momento envolvida com a discussão sobre a partida desta tarde, vamos desenvolver uma pauta que nenhum veículo jornalístico, sobretudo na mídia eletrônica, ousaria tocar, muito menos aprofundar. No jogo que vamos comentar quem está perdendo somos nós, a sociedade brasileira, e perdendo por uma goleada.
O megaespetáculo e meganegócio chamado futebol tem muitos protagonistas, mas fora dos gramados quem manda é a cerveja. Neste mundial, a Brahma tornou-se a primeira marca brasileira a patrocinar o evento chamado Copa do Mundo. E qual o problema? Se a Adidas, a Sony e a Visa patrocinam a Fifa, por que uma cervejeira não pode participar da festa? Você sabe por que: o anúncio de cerveja não é uma peça subliminar, disfarçada: o anúncio de cerveja é concebido para estimular diretamente o consumo da bebida, bebida alcoólica. E, ao associá-la à sensação de alegria e triunfo, emite-se uma mensagem clara: seja um vitorioso também, tome a sua cervejinha ao lado de uma estonteante morena brasileira ou loura importada.
O Ministério da Saúde andou preocupado com a excessiva presença da propaganda de cerveja em nossa TV. Estava certo porque é dever do Estado promover a saúde pública através de políticas públicas preventivas. O alcoolismo não é brincadeira, os jovens são responsáveis por 6% do que se consome de álcool no país. Adultos entre 18 e 29 anos, que correspondem a 22% da população brasileira, entornam 40 % do álcool consumido.
Apesar dessas dramáticas cifras, o Ministério da Saúde recuou. A bola ficou com o Conar, o tão badalado Conselho de Autorregulação Publicitária que proclama sua preocupação diante dos apelos cervejeiros dirigidos às crianças e adolescentes. Mas o Conar é uma entidade criada pelo mercado e o mercado só obedece a uma lei: crescer, crescer sem controles e sem regulação.
Como a imprensa não costuma questionar os interesses dos anunciantes, só nos resta apelar para a consciência daqueles que sustentam a imprensa: você leitor, você internauta, você telespectador, você ouvinte. Se perdemos esta parada, quem perde é o Brasil.
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Nota do Conar
A autorregulamentação publicitária brasileira já há vários anos veta a associação de marcas de bebidas alcoólicas a uniformes de esportes olímpicos, da mesma forma que apelos de qualquer natureza que possam sensibilizar diretamente o público menor de idade. Estas e outras limitações ultrapassam em muito as exigências ditadas pela legislação brasileira.
Defendemos o princípio da autorregulamentação para a publicidade, em linha com as recomendações, por exemplo, da Comunidade Européia e Organização Mundial de Saúde, como caminho indispensável para o aprimoramento da atividade. Quanto ao assunto objeto da pauta do programa, trata-se de relacionamento comercial entre CBF e Ambev, que não diz respeito à autorregulamentação publicitária. (Gilberto C. Leifert – Presidente do Conar)
Fonte: Observatório da Imprensa
16 junho, 2010
Três meses após a morte de Glauco, especialista analisa o futuro do Daime
Três meses atrás, na madrugada do dia 12 de março, o cartunista Glauco Vilas Boas, 53, e seu filho Raoni, 25, foram mortos em Osasco pelo estudante Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, 24.
A morte de Glauco, líder da igreja daimista Céu de Maria, causou comoção nacional e atraiu a atenção da opinião pública para a prática religiosa.
Na ocasião, a antropóloga Beatriz Labate, pesquisadora associada do instituto de psicologia médica da Universidade de Heidelberg e do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Neip), esclareceu o uso da ayahuasca em rituais religiosos.
Há pouco tempo, ignorando o direito constitucional à liberdade de crença religiosa, o deputado federal Paes de Lira do PTC (Partido Trabalhista Cristão), de São Paulo, tentou suspender e a resolução n.º 1 do Conad (Conselho Nacional de Politicas sobre Drogas), de janeiro de 2010, o mais importante regulador do uso da ayahuasca no Brasil.
O congressista, que assumiu o mandato no lugar de Clodovil e defende a criação de uma lei que impossibilite o casamento entre homossexuais, referiu-se ao assassinato de Glauco como a "matança de Osasco". Nesse clima de caça às bruxas, a Livraria da Folha entrou em contato com a especialista. Em nova entrevista, Labate avaliou o andamento do caso e o futuro do Santo Daime no Brasil.
Livraria - Como você vê o projeto do deputado Paes de Lira? Isso pode prejudicar as atividades religiosas no Brasil?
Beatriz Labate - O deputado representa um tipo de pensamento que sempre esteve presente no debate público sobre a ayahuasca, mas que foi, digamos assim, a vertente que perdeu até agora. Este tipo de visão se funda num duplo entendimento: por um lado, as "drogas" são más, e devem ser duramente banidas; por outro, o caráter religioso destes grupos não é autêntico, são simples fachadas para o consumo de drogas. Este tipo de discurso geralmente é um mish mash de bibliografia biomédica ultrapassada e descontextualizada com discurso de fundo puritano, somado a uma certa inspiração exaltada de combate militar e messiânico do Mal, "em nome da vida" e da "restauração da ordem pública". Este tipo de visão sobre as drogas é recorrente, para não dizer predominante. Mas no caso da ayahuasca, felizmente ela foi superada, pois apesar do consumo de "drogas" ser sempre um tema tabu, tais práticas estão fortemente enraizadas em tradições populares oriundas do norte do país, e se espalharam pelo Brasil, conquistando legitimidade. O deputado, com expressão política limitada, aproveitou a morte do Glauco para tentar ressuscitar o chavão "ayahuasca" = "drogas" = "morte". Durante as recentes audiências que ocorreram em Brasília e que podem ser vistas na íntegra na internet, ficou claro que ele não tinha muita noção dos 25 anos de debates que ocorrem no país em torno do assunto. Creio que provavelmente ele acabará desistindo da ideia.
Livraria - Qual a sua opinião sobre o andamento do caso do Glauco?
Beatriz Labate - Me parecem levianas acusações de que a ingestão da bebida seria responsável pelo crime. Até o momento, poder-se-ia, no máximo, sugerir que um quadro de fortes problemas psiquiátricos (caso de esquizofrenia na família, família desestruturada e uso abusivo de drogas) eventualmente teria sido agravado pelo consumo da ayahuasca. Mesmo assim, trata-se de especulação, uma vez que não conhece ao certo os detalhes.
Livraria - Como você avalia a cobertura da mídia?
Beatriz Labate - A mídia cita declarações de psiquiatras sobre os potenciais efeitos adversos da ayahuasca, mas esses falam do ponto de vista genérico. Eles não acompanharam, de fato, o caso e não podem avaliar as condições psíquicas do assassino. Não é um fato novo que o uso dos assim chamados "alucinógenos" pode ser problemático em certos contextos. Apesar disto, no caso da ayahuasca, a realidade empírica tem mostrado muito mais sucessos do que não-sucessos.
Livraria - Como você vê o futuro das religiões ayahuasqueiras a partir do episódio?
Beatriz Labate - Passada a tempestade, a tendência é que os grupos se reúnam e façam sua própria análise. Creio que haverá um enrijecimento nos mecanismos de seleção e acompanhamento dos participantes. Como sabemos, estas religiões possuem um forte conhecimento acumulado sobre a ayahuasca, que é sempre consumida dentro de um contexto cultural específico. O episódio contribuirá para o desenvolvimento desta cultura e seus mecanismos de controle social; certamente já está gerando reflexões e autocríticas no campo.
Acho importante estimular a realização de mais pesquisas científicas sobre os benefícios e potenciais efeitos problemáticos, instrumentalizar e fortalecer as comunidades com esses saberes, e conhecer melhor o funcionamento desses grupos. Esse acompanhamento deve ser produto sempre de um diálogo entre os conhecimentos científicos e nativos. Impor parâmetros exclusivamente cientíticos significaria um processo de racionalização, medicalização e burocratização que representa a morte dessas religiões.
Por vias tortas, é possível que surjam mais verbas para pesquisar este importante fenômeno, gerando um florescimento deste campo de estudos. Precisamos lembrar que os estudiosos do assunto também são constantemente ridicularizados. Um dos professores da minha faculdade, por exemplo, perguntou se nós iríamos "servir o chazinho" na defesa de minha tese.
É possível que o governo retome as atividades do grupo multidisciplinar sobre a ayahuasca, e haja debates sobre estabelecimento de formas de fiscalização dos parâmetros adequados de uso. Talvez o projeto original de elaboração de um conselho de entidades ayahuasqueiras adquira novo fôlego. Tudo isto é saudável, e faz parte de um processo contínuo de regulamentação destas religiões nos últimos 25 anos. Assim, de forma paradoxal, a morte do Glauco representa outro tijolinho na edificação destas práticas culturais em nosso país. Esperamos que este debate possa se dar em alto nível, respeitando a liberdade religiosa e o direito à diversidade cultural, longe das disputas religiosas, do jogo de acusações, e dos discursos demonizante antidrogas que frequentemente pautam o debate.
Fonte : FABIO ANDRIGHETTO
da Livraria da Folha
A morte de Glauco, líder da igreja daimista Céu de Maria, causou comoção nacional e atraiu a atenção da opinião pública para a prática religiosa.
Na ocasião, a antropóloga Beatriz Labate, pesquisadora associada do instituto de psicologia médica da Universidade de Heidelberg e do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Neip), esclareceu o uso da ayahuasca em rituais religiosos.
Há pouco tempo, ignorando o direito constitucional à liberdade de crença religiosa, o deputado federal Paes de Lira do PTC (Partido Trabalhista Cristão), de São Paulo, tentou suspender e a resolução n.º 1 do Conad (Conselho Nacional de Politicas sobre Drogas), de janeiro de 2010, o mais importante regulador do uso da ayahuasca no Brasil.
O congressista, que assumiu o mandato no lugar de Clodovil e defende a criação de uma lei que impossibilite o casamento entre homossexuais, referiu-se ao assassinato de Glauco como a "matança de Osasco". Nesse clima de caça às bruxas, a Livraria da Folha entrou em contato com a especialista. Em nova entrevista, Labate avaliou o andamento do caso e o futuro do Santo Daime no Brasil.
Livraria - Como você vê o projeto do deputado Paes de Lira? Isso pode prejudicar as atividades religiosas no Brasil?
Beatriz Labate - O deputado representa um tipo de pensamento que sempre esteve presente no debate público sobre a ayahuasca, mas que foi, digamos assim, a vertente que perdeu até agora. Este tipo de visão se funda num duplo entendimento: por um lado, as "drogas" são más, e devem ser duramente banidas; por outro, o caráter religioso destes grupos não é autêntico, são simples fachadas para o consumo de drogas. Este tipo de discurso geralmente é um mish mash de bibliografia biomédica ultrapassada e descontextualizada com discurso de fundo puritano, somado a uma certa inspiração exaltada de combate militar e messiânico do Mal, "em nome da vida" e da "restauração da ordem pública". Este tipo de visão sobre as drogas é recorrente, para não dizer predominante. Mas no caso da ayahuasca, felizmente ela foi superada, pois apesar do consumo de "drogas" ser sempre um tema tabu, tais práticas estão fortemente enraizadas em tradições populares oriundas do norte do país, e se espalharam pelo Brasil, conquistando legitimidade. O deputado, com expressão política limitada, aproveitou a morte do Glauco para tentar ressuscitar o chavão "ayahuasca" = "drogas" = "morte". Durante as recentes audiências que ocorreram em Brasília e que podem ser vistas na íntegra na internet, ficou claro que ele não tinha muita noção dos 25 anos de debates que ocorrem no país em torno do assunto. Creio que provavelmente ele acabará desistindo da ideia.
Livraria - Qual a sua opinião sobre o andamento do caso do Glauco?
Beatriz Labate - Me parecem levianas acusações de que a ingestão da bebida seria responsável pelo crime. Até o momento, poder-se-ia, no máximo, sugerir que um quadro de fortes problemas psiquiátricos (caso de esquizofrenia na família, família desestruturada e uso abusivo de drogas) eventualmente teria sido agravado pelo consumo da ayahuasca. Mesmo assim, trata-se de especulação, uma vez que não conhece ao certo os detalhes.
Livraria - Como você avalia a cobertura da mídia?
Beatriz Labate - A mídia cita declarações de psiquiatras sobre os potenciais efeitos adversos da ayahuasca, mas esses falam do ponto de vista genérico. Eles não acompanharam, de fato, o caso e não podem avaliar as condições psíquicas do assassino. Não é um fato novo que o uso dos assim chamados "alucinógenos" pode ser problemático em certos contextos. Apesar disto, no caso da ayahuasca, a realidade empírica tem mostrado muito mais sucessos do que não-sucessos.
Livraria - Como você vê o futuro das religiões ayahuasqueiras a partir do episódio?
Beatriz Labate - Passada a tempestade, a tendência é que os grupos se reúnam e façam sua própria análise. Creio que haverá um enrijecimento nos mecanismos de seleção e acompanhamento dos participantes. Como sabemos, estas religiões possuem um forte conhecimento acumulado sobre a ayahuasca, que é sempre consumida dentro de um contexto cultural específico. O episódio contribuirá para o desenvolvimento desta cultura e seus mecanismos de controle social; certamente já está gerando reflexões e autocríticas no campo.
Acho importante estimular a realização de mais pesquisas científicas sobre os benefícios e potenciais efeitos problemáticos, instrumentalizar e fortalecer as comunidades com esses saberes, e conhecer melhor o funcionamento desses grupos. Esse acompanhamento deve ser produto sempre de um diálogo entre os conhecimentos científicos e nativos. Impor parâmetros exclusivamente cientíticos significaria um processo de racionalização, medicalização e burocratização que representa a morte dessas religiões.
Por vias tortas, é possível que surjam mais verbas para pesquisar este importante fenômeno, gerando um florescimento deste campo de estudos. Precisamos lembrar que os estudiosos do assunto também são constantemente ridicularizados. Um dos professores da minha faculdade, por exemplo, perguntou se nós iríamos "servir o chazinho" na defesa de minha tese.
É possível que o governo retome as atividades do grupo multidisciplinar sobre a ayahuasca, e haja debates sobre estabelecimento de formas de fiscalização dos parâmetros adequados de uso. Talvez o projeto original de elaboração de um conselho de entidades ayahuasqueiras adquira novo fôlego. Tudo isto é saudável, e faz parte de um processo contínuo de regulamentação destas religiões nos últimos 25 anos. Assim, de forma paradoxal, a morte do Glauco representa outro tijolinho na edificação destas práticas culturais em nosso país. Esperamos que este debate possa se dar em alto nível, respeitando a liberdade religiosa e o direito à diversidade cultural, longe das disputas religiosas, do jogo de acusações, e dos discursos demonizante antidrogas que frequentemente pautam o debate.
Fonte : FABIO ANDRIGHETTO
da Livraria da Folha
11 junho, 2010
a grande decepção da mídia, governos e corporações
Ibogaína : a grande decepção da mídia, governos e corporações
Em muitas situações, a palavra "conspiração" é ridicularizada. Muitas vezes, pessoas que sugerem ou suspeitam que esteja havendo uma conspiração são acusadas de ter problemas mentais ou psicológicos. Mas neste texto vou apresentar sugestões de que conspirações da mídia, de governos e de corporações existem. Existe um monte de dinheiro e de interesses mútuos em jogo.
A ibogaína é um composto orgânico, derivado da raiz da planta Tabernanthe iboga. Apurou-se que a ibogaína é eficaz no tratamento da dependência à heroína, cocaína, álcool e nicotina.(Wikipédia).
A Ibogaína é eficaz no tratamento da dependência quimíca, tão eficaz que nada pode suplantá-la. Mesmo a administração de doses pequenas causa uma diminuição dos sintomas e da fissura pelas drogas por períodos de alguns dias a semanas, tornando mais fácil realizar uma desintoxicação. Mas em alguns poucos países, principalmente Estados Unidos, a Ibogaína é proibida...porque?
O uso de Ibogaína como um tratamento disseminado para a dependência química significaria e extinção quase total de todos os vícios. Desapareceriam os fumantes, alcoolatras e dependentes de outras drogas. Só que com isso muita gente perderia dinheiro, muito dinheiro. Os governos perderiam receita de imposto. As empresas farmacêuticas perderiam grandes volumes de dinheiro, pela diminuição da venda de calmantes e antidepressivos para os dependentes. A mídia perderia uma receita significativa em publicidade. Os benefícios são multilaterais, o que explica a conspiração.
A ibogaína vem da natureza, então não pode ser patenteada, o que não permite maximizar os lucros de sua venda. Sua disponibilidade não é de interesse de ninguem, a não ser, é claro, da sociedade...mas quem se importa? Qual o problema se alguem morre de câncer, cirrose ou pelo abuso de drogas? Na verdade, nada importa, apenas os lucros. Então que continue proibida!!
Estamos todos convencidos que governos e corporações são orientados em suas ações por pessoas boas. Isto muitas vezes não é verdade. Estas instituições são muitas vezes guiadas pelo auto-interesse e pelos lucros. Por esta razão, apresentam uma tendência para o conluio e a fraude. Para muitos, isto, infelizmente, não é óbvio. E isto acontece porque o parceiro silencioso deste pacto é a mídia, que acaba funcionando como censora. As informações não são divulgadas. Por isso a maioria das pessoas nunca ouviu falar, nem ouvirá, da ibogaína.
Será que não há mesmo uma conspiração?
Fonte : Salon 24 - Spitfire - Polônia
Em muitas situações, a palavra "conspiração" é ridicularizada. Muitas vezes, pessoas que sugerem ou suspeitam que esteja havendo uma conspiração são acusadas de ter problemas mentais ou psicológicos. Mas neste texto vou apresentar sugestões de que conspirações da mídia, de governos e de corporações existem. Existe um monte de dinheiro e de interesses mútuos em jogo.
A ibogaína é um composto orgânico, derivado da raiz da planta Tabernanthe iboga. Apurou-se que a ibogaína é eficaz no tratamento da dependência à heroína, cocaína, álcool e nicotina.(Wikipédia).
A Ibogaína é eficaz no tratamento da dependência quimíca, tão eficaz que nada pode suplantá-la. Mesmo a administração de doses pequenas causa uma diminuição dos sintomas e da fissura pelas drogas por períodos de alguns dias a semanas, tornando mais fácil realizar uma desintoxicação. Mas em alguns poucos países, principalmente Estados Unidos, a Ibogaína é proibida...porque?
O uso de Ibogaína como um tratamento disseminado para a dependência química significaria e extinção quase total de todos os vícios. Desapareceriam os fumantes, alcoolatras e dependentes de outras drogas. Só que com isso muita gente perderia dinheiro, muito dinheiro. Os governos perderiam receita de imposto. As empresas farmacêuticas perderiam grandes volumes de dinheiro, pela diminuição da venda de calmantes e antidepressivos para os dependentes. A mídia perderia uma receita significativa em publicidade. Os benefícios são multilaterais, o que explica a conspiração.
A ibogaína vem da natureza, então não pode ser patenteada, o que não permite maximizar os lucros de sua venda. Sua disponibilidade não é de interesse de ninguem, a não ser, é claro, da sociedade...mas quem se importa? Qual o problema se alguem morre de câncer, cirrose ou pelo abuso de drogas? Na verdade, nada importa, apenas os lucros. Então que continue proibida!!
Estamos todos convencidos que governos e corporações são orientados em suas ações por pessoas boas. Isto muitas vezes não é verdade. Estas instituições são muitas vezes guiadas pelo auto-interesse e pelos lucros. Por esta razão, apresentam uma tendência para o conluio e a fraude. Para muitos, isto, infelizmente, não é óbvio. E isto acontece porque o parceiro silencioso deste pacto é a mídia, que acaba funcionando como censora. As informações não são divulgadas. Por isso a maioria das pessoas nunca ouviu falar, nem ouvirá, da ibogaína.
Será que não há mesmo uma conspiração?
Fonte : Salon 24 - Spitfire - Polônia
08 junho, 2010
Prevenção deve focar drogas lícitas
Bebida e fumo
Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) divulgaram, nesta segunda-feira (7/6), um levantamento inédito sobre o consumo de drogas entre estudantes de escolas privadas paulistanas.
O estudo contou com a participação de 5.226 alunos do 8º e 9º ano do ensino fundamental e dos três anos do ensino médio, em 37 escolas.
Dentre todas as drogas, o álcool se mostrou, de longe, a mais usada: 40% dos estudantes haviam bebido no mês anterior à pesquisa, enquanto 10% haviam consumido tabaco, a segunda droga mais prevalente.
O álcool é também a droga que começa a ser consumida mais cedo, com média de idade de 12,5 anos. O primeiro consumo de álcool ocorreu em casa para a maior parte dos entrevistados: 46%.
Álcool entre estudantes
Segundo a coordenadora do estudo, Ana Regina Noto, pesquisadora do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) da Unifesp, um dos dados que mais chamou a atenção no levantamento é que, no ensino médio, 33% dos alunos consumiram álcool no padrão conhecido como binge drinking - ou "beber pesado episódico" - no mês anterior à pesquisa.
O comportamento binge se caracteriza pelo consumo, na mesma ocasião, de cinco ou mais doses de 14 gramas de etanol - valor correspondente a cinco latas de cerveja (ou copos de vinho ou doses de bebida destilada).
"O estudo revelou padrões de consumo muito preocupantes entre os estudantes da rede particular, em especial em relação ao álcool. Um terço dos alunos do ensino médio relatou prática de binge drinking no mês anterior ao estudo, o que é uma porcentagem extremamente elevada. Esse comportamento traz alto risco, pois o adolescente embriagado fica em situação de vulnerabilidade em vários aspectos da vida, gerando brigas, acidentes de trânsito e sexo desprotegido, por exemplo", disse Ana Regina.
Prevenção precoce
De acordo com a pesquisadora, o estudo indica que ações preventivas contra drogas em ambiente escolar devem ser iniciadas em idades precoces, com ênfase em drogas lícitas como o álcool e o tabaco. E, no ensino médio, o padrão binge de consumo deve ter atenção especial.
"Muitas vezes as campanhas preventivas são focadas em drogas como maconha e cocaína. Mas essas são consumidas em faixas etárias mais altas e contextos sociais diferentes. O estudo mostrou que cerca de 80% dos estudantes do ensino fundamental e 70% do ensino médio nunca usaram qualquer droga exceto álcool e tabaco", disse Ana Regina.
Mesmo entre os adolescentes que utilizaram outras drogas, nada se aproximou do padrão de consumo caracterizado pelo comportamento binge relacionado ao álcool. "Se há uma droga que representa risco para o adolescente é, sem dúvida, o álcool e esse comportamento de se embriagar", afirmou.
Fatores de risco
O estudo também identificou fatores de risco e de proteção ligados ao consumo das drogas. No caso do comportamento binge, os principais fatores de risco foram faixa etária mais elevada, maior poder aquisitivo, maior número de saídas noturnas e presença de modelos em casa.
O Cebrid, fundado em 1978, realiza desde a década de 1980 levantamentos epidemiológicos sobre o consumo de drogas entre estudantes da rede pública, mas, até agora, havia uma lacuna do conhecimento em relação à rede privada. O estudo atual também é o primeiro a considerar o binge drinking e a envolver os fatores de risco.
"Os resultados mostram que a proporção de estudantes que relatou já ter consumido substâncias psicoativas é semelhante à registrada em estudos anteriores com alunos da rede pública de ensino, mas alguns padrões de consumo apresentaram diferenças. A frequência de consumo de álcool foi maior nas escolas públicas. Mas nas particulares, em compensação, quando os estudantes bebem estão mais sujeitos ao exagero", disse Ana Regina.
Outros fatores de risco para o comportamento binge, segundo a pesquisa, foram o sexo (o risco aumenta em 70% entre os meninos), idade (50% para cada ano a mais), pais separados (30% mais risco), não confiar em Deus (40%) e não conversar com os pais (60%). A condição socioeconômica também influencia: o risco é duas vezes maior entre os alunos das escolas com mensalidade acima de R$ 1,2 mil.
"Apesar de a condição socioeconômica ter sido um fator de risco em relação ao binge drinking, é impressionante a semelhança entre os padrões de consumo e os tipos de drogas presentes nas escolas privadas e públicas. Notamos grandes diferenças com resultados de outros países, mas os estudos feitos aqui sugerem que há uma cultura brasileira de consumo de drogas bastante bem definida", disse.
Bebida entre meninas e meninos
O estudo indicou que o comportamento binge drinking no mês anterior à pesquisa estava mais presente entre os meninos (26,8%), mas também foi elevado entre as meninas (21,7%). Cerca de 7,3% dos meninos e 5,4% das meninas relataram ter bebido no padrão binge de três a cinco vezes no último mês. "Isso sugere que a prática é comum entre adolescentes", disse Ana Regina.
A idade média de início de uso das substâncias psicoativas ficou em 12,5 anos para o álcool, 13,5 anos para o tabaco e para calmantes, 14 anos para inalantes e 14,5 anos para maconha, cocaína e estimulantes tipo anfetamina (ETA).
Vários fatores se mostraram associados à prática de binge drinking no mês que antecedeu a pesquisa, segundo o estudo. Entre alunos do ensino médio, por exemplo, morar com alguém que se embriaga aumentou duas vezes a chance de ocorrência desse comportamento. Sair à noite uma vez por semana aumentou as chances em 9,5 vezes. Sair à noite todos os dias aumentou as chances de comportamento binge em 20 vezes.
"Isso não quer dizer que se deva prender o adolescente em casa. Mas devemos dar atenção à negociação de limites e aos exemplos familiares. Esses fatores de risco não são causais, apenas indicam uma correlação. O adolescente que arrisca no consumo de drogas também se arrisca em outros aspectos da vida. As ações preventivas não devem focar apenas nas substâncias, mas o desenvolvimento do adolescente em relação a comportamentos agressivos, hiperatividade e dificuldades de aprendizado, por exemplo", afirmou a pesquisadora do Cebrid.
Inalantes
Segundo o estudo, o primeiro consumo de álcool ocorreu principalmente na casa do adolescente (46%), na casa de amigos (26%) e em casas noturnas (15%). A bebida foi oferecida pela primeira vez por familiares (46%) ou amigos (28%). Apenas uma parcela de 21% respondeu "peguei sozinho". Os meninos deram preferência à cerveja e as meninas às bebidas tipo ice, batidas, caipirinha e vinho.
O tabaco, assim como o álcool, esteve mais associado a alunos do ensino médio: 33% dos alunos experimentaram alguma vez na vida, contra 14,8% do ensino fundamental. Os fumantes regulares (que consomem tabaco mais de 19 dias no mês) correspondem a cerca de 4% dos estudantes do ensino médio e menos de 1% do ensino fundamental. Meninos e meninas fumam em quantidade e frequência semelhantes.
O consumo de inalantes apresentou diferença considerável de gênero: 16,2% dos meninos e 11% das meninas experimentaram alguma vez na vida. O padrão de consumo mais comum foi de um a cinco dias por mês. No ensino fundamental, os tipos de inalantes preferidos foram o esmalte e acetona (41,7%) e gasolina (38,4%). Já entre os estudantes do ensino médio, os mais comuns foram os inalantes ilegais: "lança" e "loló" (71,9%).
Maconha e cocaína
"O estudo indica diferenças de gênero e escolaridade em relação ao consumo de maconha. Cerca de 5% dos meninos fumaram a droga no mês anterior à pesquisa, contra 2,5% das meninas. A maior prevalência do uso de maconha esteve entre os estudantes do ensino médio: 16% já utilizaram alguma vez na vida, contra 3,8% do ensino fundamental", disse Ana Regina Noto.
Cerca de 3,2% dos meninos experimentaram cocaína pelo menos uma vez na vida. Segundo o estudo, a droga parece ser mais comum entre os meninos, mas o número de observações é baixo demais para garantir a validade dos dados.
O consumo de calmantes e anfetaminas, por outro lado, foi mais comum entre as meninas: 7,5% utilizaram calmantes alguma vez na vida, contra 3,2% dos meninos. No ano anterior à pesquisa, essas substâncias foram usadas sem prescrição médica por 5% das meninas e 2,5% dos meninos. O uso de calmantes esteve associado à família. Na primeira ocasião de consumo, a droga foi geralmente oferecida por algum familiar (50%). "Peguei em casa" foi a resposta de outros 38%.
Os adolescentes afirmaram ainda ter utilizado, pelo menos uma vez na vida, drogas como o ecstasy (4,3% dos meninos e 1,7% das meninas), benflogin (2%), anabolizantes (2,5% entre os meninos e 0,2% entre as meninas) e LSD ou chá de cogumelo (2% dos meninos e 1% das meninas).
O consumo "pelo menos uma vez na vida" - que segundo os pesquisadores não caracteriza o adolescente como usuário da droga - foi de 80% para o álcool, 24,6% para o tabaco, 13,6% para inalantes, 10,7% para maconha, 5,3% para calmantes, 3,6% para ETA e 2,2% para cocaína.
Fonte : Diário da Saúde
Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) divulgaram, nesta segunda-feira (7/6), um levantamento inédito sobre o consumo de drogas entre estudantes de escolas privadas paulistanas.
O estudo contou com a participação de 5.226 alunos do 8º e 9º ano do ensino fundamental e dos três anos do ensino médio, em 37 escolas.
Dentre todas as drogas, o álcool se mostrou, de longe, a mais usada: 40% dos estudantes haviam bebido no mês anterior à pesquisa, enquanto 10% haviam consumido tabaco, a segunda droga mais prevalente.
O álcool é também a droga que começa a ser consumida mais cedo, com média de idade de 12,5 anos. O primeiro consumo de álcool ocorreu em casa para a maior parte dos entrevistados: 46%.
Álcool entre estudantes
Segundo a coordenadora do estudo, Ana Regina Noto, pesquisadora do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) da Unifesp, um dos dados que mais chamou a atenção no levantamento é que, no ensino médio, 33% dos alunos consumiram álcool no padrão conhecido como binge drinking - ou "beber pesado episódico" - no mês anterior à pesquisa.
O comportamento binge se caracteriza pelo consumo, na mesma ocasião, de cinco ou mais doses de 14 gramas de etanol - valor correspondente a cinco latas de cerveja (ou copos de vinho ou doses de bebida destilada).
"O estudo revelou padrões de consumo muito preocupantes entre os estudantes da rede particular, em especial em relação ao álcool. Um terço dos alunos do ensino médio relatou prática de binge drinking no mês anterior ao estudo, o que é uma porcentagem extremamente elevada. Esse comportamento traz alto risco, pois o adolescente embriagado fica em situação de vulnerabilidade em vários aspectos da vida, gerando brigas, acidentes de trânsito e sexo desprotegido, por exemplo", disse Ana Regina.
Prevenção precoce
De acordo com a pesquisadora, o estudo indica que ações preventivas contra drogas em ambiente escolar devem ser iniciadas em idades precoces, com ênfase em drogas lícitas como o álcool e o tabaco. E, no ensino médio, o padrão binge de consumo deve ter atenção especial.
"Muitas vezes as campanhas preventivas são focadas em drogas como maconha e cocaína. Mas essas são consumidas em faixas etárias mais altas e contextos sociais diferentes. O estudo mostrou que cerca de 80% dos estudantes do ensino fundamental e 70% do ensino médio nunca usaram qualquer droga exceto álcool e tabaco", disse Ana Regina.
Mesmo entre os adolescentes que utilizaram outras drogas, nada se aproximou do padrão de consumo caracterizado pelo comportamento binge relacionado ao álcool. "Se há uma droga que representa risco para o adolescente é, sem dúvida, o álcool e esse comportamento de se embriagar", afirmou.
Fatores de risco
O estudo também identificou fatores de risco e de proteção ligados ao consumo das drogas. No caso do comportamento binge, os principais fatores de risco foram faixa etária mais elevada, maior poder aquisitivo, maior número de saídas noturnas e presença de modelos em casa.
O Cebrid, fundado em 1978, realiza desde a década de 1980 levantamentos epidemiológicos sobre o consumo de drogas entre estudantes da rede pública, mas, até agora, havia uma lacuna do conhecimento em relação à rede privada. O estudo atual também é o primeiro a considerar o binge drinking e a envolver os fatores de risco.
"Os resultados mostram que a proporção de estudantes que relatou já ter consumido substâncias psicoativas é semelhante à registrada em estudos anteriores com alunos da rede pública de ensino, mas alguns padrões de consumo apresentaram diferenças. A frequência de consumo de álcool foi maior nas escolas públicas. Mas nas particulares, em compensação, quando os estudantes bebem estão mais sujeitos ao exagero", disse Ana Regina.
Outros fatores de risco para o comportamento binge, segundo a pesquisa, foram o sexo (o risco aumenta em 70% entre os meninos), idade (50% para cada ano a mais), pais separados (30% mais risco), não confiar em Deus (40%) e não conversar com os pais (60%). A condição socioeconômica também influencia: o risco é duas vezes maior entre os alunos das escolas com mensalidade acima de R$ 1,2 mil.
"Apesar de a condição socioeconômica ter sido um fator de risco em relação ao binge drinking, é impressionante a semelhança entre os padrões de consumo e os tipos de drogas presentes nas escolas privadas e públicas. Notamos grandes diferenças com resultados de outros países, mas os estudos feitos aqui sugerem que há uma cultura brasileira de consumo de drogas bastante bem definida", disse.
Bebida entre meninas e meninos
O estudo indicou que o comportamento binge drinking no mês anterior à pesquisa estava mais presente entre os meninos (26,8%), mas também foi elevado entre as meninas (21,7%). Cerca de 7,3% dos meninos e 5,4% das meninas relataram ter bebido no padrão binge de três a cinco vezes no último mês. "Isso sugere que a prática é comum entre adolescentes", disse Ana Regina.
A idade média de início de uso das substâncias psicoativas ficou em 12,5 anos para o álcool, 13,5 anos para o tabaco e para calmantes, 14 anos para inalantes e 14,5 anos para maconha, cocaína e estimulantes tipo anfetamina (ETA).
Vários fatores se mostraram associados à prática de binge drinking no mês que antecedeu a pesquisa, segundo o estudo. Entre alunos do ensino médio, por exemplo, morar com alguém que se embriaga aumentou duas vezes a chance de ocorrência desse comportamento. Sair à noite uma vez por semana aumentou as chances em 9,5 vezes. Sair à noite todos os dias aumentou as chances de comportamento binge em 20 vezes.
"Isso não quer dizer que se deva prender o adolescente em casa. Mas devemos dar atenção à negociação de limites e aos exemplos familiares. Esses fatores de risco não são causais, apenas indicam uma correlação. O adolescente que arrisca no consumo de drogas também se arrisca em outros aspectos da vida. As ações preventivas não devem focar apenas nas substâncias, mas o desenvolvimento do adolescente em relação a comportamentos agressivos, hiperatividade e dificuldades de aprendizado, por exemplo", afirmou a pesquisadora do Cebrid.
Inalantes
Segundo o estudo, o primeiro consumo de álcool ocorreu principalmente na casa do adolescente (46%), na casa de amigos (26%) e em casas noturnas (15%). A bebida foi oferecida pela primeira vez por familiares (46%) ou amigos (28%). Apenas uma parcela de 21% respondeu "peguei sozinho". Os meninos deram preferência à cerveja e as meninas às bebidas tipo ice, batidas, caipirinha e vinho.
O tabaco, assim como o álcool, esteve mais associado a alunos do ensino médio: 33% dos alunos experimentaram alguma vez na vida, contra 14,8% do ensino fundamental. Os fumantes regulares (que consomem tabaco mais de 19 dias no mês) correspondem a cerca de 4% dos estudantes do ensino médio e menos de 1% do ensino fundamental. Meninos e meninas fumam em quantidade e frequência semelhantes.
O consumo de inalantes apresentou diferença considerável de gênero: 16,2% dos meninos e 11% das meninas experimentaram alguma vez na vida. O padrão de consumo mais comum foi de um a cinco dias por mês. No ensino fundamental, os tipos de inalantes preferidos foram o esmalte e acetona (41,7%) e gasolina (38,4%). Já entre os estudantes do ensino médio, os mais comuns foram os inalantes ilegais: "lança" e "loló" (71,9%).
Maconha e cocaína
"O estudo indica diferenças de gênero e escolaridade em relação ao consumo de maconha. Cerca de 5% dos meninos fumaram a droga no mês anterior à pesquisa, contra 2,5% das meninas. A maior prevalência do uso de maconha esteve entre os estudantes do ensino médio: 16% já utilizaram alguma vez na vida, contra 3,8% do ensino fundamental", disse Ana Regina Noto.
Cerca de 3,2% dos meninos experimentaram cocaína pelo menos uma vez na vida. Segundo o estudo, a droga parece ser mais comum entre os meninos, mas o número de observações é baixo demais para garantir a validade dos dados.
O consumo de calmantes e anfetaminas, por outro lado, foi mais comum entre as meninas: 7,5% utilizaram calmantes alguma vez na vida, contra 3,2% dos meninos. No ano anterior à pesquisa, essas substâncias foram usadas sem prescrição médica por 5% das meninas e 2,5% dos meninos. O uso de calmantes esteve associado à família. Na primeira ocasião de consumo, a droga foi geralmente oferecida por algum familiar (50%). "Peguei em casa" foi a resposta de outros 38%.
Os adolescentes afirmaram ainda ter utilizado, pelo menos uma vez na vida, drogas como o ecstasy (4,3% dos meninos e 1,7% das meninas), benflogin (2%), anabolizantes (2,5% entre os meninos e 0,2% entre as meninas) e LSD ou chá de cogumelo (2% dos meninos e 1% das meninas).
O consumo "pelo menos uma vez na vida" - que segundo os pesquisadores não caracteriza o adolescente como usuário da droga - foi de 80% para o álcool, 24,6% para o tabaco, 13,6% para inalantes, 10,7% para maconha, 5,3% para calmantes, 3,6% para ETA e 2,2% para cocaína.
Fonte : Diário da Saúde
07 junho, 2010
Políticos fazem uso eleitoreiro das drogas, diz especialista
O presidente Lula lançou em maio o Plano Integrado para Enfrentamento do Crack e Outras Drogas. Sua candidata, a ex-ministra Dilma Rousseff (PT), prometeu, em vídeo no programa partidário petista, "enfrentar essa ameaça".
O diretor do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes (Proad), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Dartiu Xavier da Silveira, no entanto, é cético quanto à efetividade das propostas de campanha sobre drogas:
- Os políticos têm feito uso eleitoreiro da questão das drogas, quando chega na hora de discutir coisas muito sérias como criminalização ou medicalização, o pessoal se abstém porque tem medo de perder votos.
Enquanto Dilma receita "apoio para impedir que mais jovens caiam nessa armadilha fatal, carinho para cuidar dos que precisam se libertar do vício e autoridade para combater e derrotar os traficantes". Durante seis meses, Xavier receitou para 50 viciados em crack que não estavam conseguindo largar a droga através dos métodos tradicionais, uma combinação de maconha e terapia. No final do tratamento, 68% trocaram o crack pela maconha.
Tempos depois, todos os que fizeram a troca não usavam nenhuma droga. Ele ressalta que essa é uma taxa de recuperação altíssima no que se refere à dependência do crack, nos tratamentos habituais, segundo o professor, a taxa gira em torno dos 30%.
Em meados da década de 90, o crack havia se espalhado o suficiente para nomear o seu próprio território na cidade de São Paulo, a Cracolândia. Mas só agora ele ganhou status de preocupação político-eleitoral.
Segundo estimativas do Ministério da Saúde, atualmente o crack é usado por cerca de 600 mil pessoas no país.
Sobre os atuais esforços do governo federal, Xavier considera que "o atual Ministério da Saúde trabalha numa linha interessante de redução de danos". Porém, afirma que, no geral, "não existem políticas públicas adequadas à área de drogas, existem políticas repressivas e o modelo repressivo já se provou ineficaz, mas é o modelo vigente".
Leia a entrevista:
Terra Magazine - Por que esse tratamento teve mais sucesso do que os outros?
Dartiu Xavier da Silveira - Havia um grupo de pacientes no nosso serviço de tratamento contra o crack que não conseguia largá-lo pelas maneiras tradicionais, eles mencionaram para a equipe médica que a única maneira que eles conseguiam se manter longe do crack era quando eles usavam maconha e, normalmente, quando estamos tratando algum dependente, falamos para não usar nenhuma droga, mas como todos eles falavam a mesma coisa, que a maconha estava ajudando, resolvemos investigar esse fenômeno.
Nós os acompanhamos por um ano, fazendo o uso de maconha, tentando largar o crack. A surpresa foi que, depois de seis meses, 68% tinha largado o uso de crack através do uso da maconha, e mais surpresa ainda foi que depois eles não ficaram dependentes da maconha, eles pararam espontaneamente de usar maconha, nem trocaram uma dependência pela outra.
Essa é uma taxa alta?
Muito alta, nos tratamentos habituais é por volta de 30%.
Por que a pesquisa não continuou?
No caso os pacientes usavam maconha que eles mesmos providenciavam através do mercado negro. A continuação desses estudos pressuporia que a gente fornecesse o princípio ativo da maconha e isso implicaria uma autorização especial que não foi possível, porque existe todo um preconceito no Brasil.
Como foi a repercussão dos resultados da pesquisa?
Embora até o Ministério da Saúde tenha valorizado muito o estudo, a comunidade científica brasileira olhou com muita desconfiança, ao contrário da comunidade científica internacional, que achou o estudo uma coisa inédita e ficou muito interessada.
O número de usuários de crack vem aumentando e o tema passou a preocupar governantes e candidatos...
Não existem políticas públicas adequadas à área de drogas, existem políticas repressivas, e o modelo repressivo já se provou ineficaz, mas é o modelo vigente.
E como o senhor avalia os recentes esforços do governo federal na área e as promessas de luta contra a droga da pré-candidata Dilma Rousseff?
Existem duas propostas interessantes, o atual Ministério da Saúde trabalha numa linha interessante de redução de danos, uma novidade, o Ministério da Saúde sempre foi muito retrógrado.
Os políticos têm feito uso eleitoreiro da questão das drogas, quando chega na hora de discutir coisas muito sérias como criminalização ou medicalização o pessoal se abstém de discutir porque tem medo de perder votos.
No que consiste a política de redução de danos?
Redução de danos é uma série de estratégias relacionadas ao uso de droga, como trocar o crack por uma droga muito menos agressiva, a maconha. Outro exemplo é o alerta "Se beber, não dirija".
Como se dão os tratamentos tradicionais para dependentes do crack?
Os tratamentos tradicionais são feitos a partir de terapia e uso de alguns remédios como os antidepressivos. A maconha se provou mais efetiva que esses antidepressivos, porque ela tem um potencial terapêutico que ainda não foi investigado por conta do preconceito.
A pesquisa foi feita através da Unifesp?
Sim, eu sou pesquisador da Unifesp, e atuei como coordenador com mais dois médicos, Eliseu Labigaline e Lucio Ribeiro Rodrigues.
Fonte : Terra Magazine
O diretor do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes (Proad), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Dartiu Xavier da Silveira, no entanto, é cético quanto à efetividade das propostas de campanha sobre drogas:
- Os políticos têm feito uso eleitoreiro da questão das drogas, quando chega na hora de discutir coisas muito sérias como criminalização ou medicalização, o pessoal se abstém porque tem medo de perder votos.
Enquanto Dilma receita "apoio para impedir que mais jovens caiam nessa armadilha fatal, carinho para cuidar dos que precisam se libertar do vício e autoridade para combater e derrotar os traficantes". Durante seis meses, Xavier receitou para 50 viciados em crack que não estavam conseguindo largar a droga através dos métodos tradicionais, uma combinação de maconha e terapia. No final do tratamento, 68% trocaram o crack pela maconha.
Tempos depois, todos os que fizeram a troca não usavam nenhuma droga. Ele ressalta que essa é uma taxa de recuperação altíssima no que se refere à dependência do crack, nos tratamentos habituais, segundo o professor, a taxa gira em torno dos 30%.
Em meados da década de 90, o crack havia se espalhado o suficiente para nomear o seu próprio território na cidade de São Paulo, a Cracolândia. Mas só agora ele ganhou status de preocupação político-eleitoral.
Segundo estimativas do Ministério da Saúde, atualmente o crack é usado por cerca de 600 mil pessoas no país.
Sobre os atuais esforços do governo federal, Xavier considera que "o atual Ministério da Saúde trabalha numa linha interessante de redução de danos". Porém, afirma que, no geral, "não existem políticas públicas adequadas à área de drogas, existem políticas repressivas e o modelo repressivo já se provou ineficaz, mas é o modelo vigente".
Leia a entrevista:
Terra Magazine - Por que esse tratamento teve mais sucesso do que os outros?
Dartiu Xavier da Silveira - Havia um grupo de pacientes no nosso serviço de tratamento contra o crack que não conseguia largá-lo pelas maneiras tradicionais, eles mencionaram para a equipe médica que a única maneira que eles conseguiam se manter longe do crack era quando eles usavam maconha e, normalmente, quando estamos tratando algum dependente, falamos para não usar nenhuma droga, mas como todos eles falavam a mesma coisa, que a maconha estava ajudando, resolvemos investigar esse fenômeno.
Nós os acompanhamos por um ano, fazendo o uso de maconha, tentando largar o crack. A surpresa foi que, depois de seis meses, 68% tinha largado o uso de crack através do uso da maconha, e mais surpresa ainda foi que depois eles não ficaram dependentes da maconha, eles pararam espontaneamente de usar maconha, nem trocaram uma dependência pela outra.
Essa é uma taxa alta?
Muito alta, nos tratamentos habituais é por volta de 30%.
Por que a pesquisa não continuou?
No caso os pacientes usavam maconha que eles mesmos providenciavam através do mercado negro. A continuação desses estudos pressuporia que a gente fornecesse o princípio ativo da maconha e isso implicaria uma autorização especial que não foi possível, porque existe todo um preconceito no Brasil.
Como foi a repercussão dos resultados da pesquisa?
Embora até o Ministério da Saúde tenha valorizado muito o estudo, a comunidade científica brasileira olhou com muita desconfiança, ao contrário da comunidade científica internacional, que achou o estudo uma coisa inédita e ficou muito interessada.
O número de usuários de crack vem aumentando e o tema passou a preocupar governantes e candidatos...
Não existem políticas públicas adequadas à área de drogas, existem políticas repressivas, e o modelo repressivo já se provou ineficaz, mas é o modelo vigente.
E como o senhor avalia os recentes esforços do governo federal na área e as promessas de luta contra a droga da pré-candidata Dilma Rousseff?
Existem duas propostas interessantes, o atual Ministério da Saúde trabalha numa linha interessante de redução de danos, uma novidade, o Ministério da Saúde sempre foi muito retrógrado.
Os políticos têm feito uso eleitoreiro da questão das drogas, quando chega na hora de discutir coisas muito sérias como criminalização ou medicalização o pessoal se abstém de discutir porque tem medo de perder votos.
No que consiste a política de redução de danos?
Redução de danos é uma série de estratégias relacionadas ao uso de droga, como trocar o crack por uma droga muito menos agressiva, a maconha. Outro exemplo é o alerta "Se beber, não dirija".
Como se dão os tratamentos tradicionais para dependentes do crack?
Os tratamentos tradicionais são feitos a partir de terapia e uso de alguns remédios como os antidepressivos. A maconha se provou mais efetiva que esses antidepressivos, porque ela tem um potencial terapêutico que ainda não foi investigado por conta do preconceito.
A pesquisa foi feita através da Unifesp?
Sim, eu sou pesquisador da Unifesp, e atuei como coordenador com mais dois médicos, Eliseu Labigaline e Lucio Ribeiro Rodrigues.
Fonte : Terra Magazine
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